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Direito do trabalho pós pandemia

Juliana Reis da Silva e Carla Louzada Marques Carmo

Demissões em massa, reduções salariais, suspensão de contrato de trabalho e condições de emprego foram aspectos que sofreram mudanças, tanto para empresas quanto para colaboradores.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Atualizado às 08:10

O colapso provocado pela pandemia do covid-19 impactou de forma direta a vida das pessoas no mundo. Demissões em massa, reduções salariais, suspensão de contrato de trabalho e condições de emprego foram aspectos que sofreram mudanças, tanto para empresas quanto para colaboradores, e, como forma de enfrentar a crise causada por essa pandemia, mudanças legais foram estabelecidas em contratos de diversas espécies.

A dinâmica das relações contratuais trabalhistas está sendo alterada de forma substancial. Socorros legais foram oferecidos pelo Governo Federal para "garantir o emprego e a renda". A antecipação de férias e feriados, férias coletivas sem prévia comunicação ao órgão ministerial e flexibilização da jornada compõem o rol de alterações legais estabelecidas desde março até o presente momento.

O Direito do Trabalho foi temporariamente modificado por meio das medidas provisórias 927 e 936, que forneceram a patrões e empregados um conjunto de medidas que possibilitaram a manutenção dos empregos.

A MP 927 convencionou a possibilidade do teletrabalho de forma unilateral, a antecipação de férias e feriados, a concessão de férias coletivas, a implantação de banco de horas específico, já a MP 936 concedeu as empresas a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e a redução proporcional de jornada e salário.

Face a excepcionalidade, os institutos previstos nas MPs 927 e 936 têm validade limitada ao período de calamidade pública nos termos do decreto legislativo 06/20. Portanto, há um prazo preestabelecido para a vigência daquelas medidas emergenciais previstas nas MPs 927 e 936.

As medidas podem permanecer após a pandemia, destacando-se como tendências nas relações contratuais frente aos vindouros impactos econômicos.

Referidas mudanças fortalecem a flexibilização da legislação trabalhista, o que preocupa muito os juristas, visto que existe uma perigosa contradição advinda dessa desregulamentação, desconsiderando o conceito de vulnerabilidade que norteia as relações de trabalho, empregatícias ou não.

As empresas precisarão reestruturar a forma de trabalho e sua concepção, para que possam atender a nova dinâmica do mercado. Dessa forma, o perfil das vagas que surgirão irá focar mais no gerenciamento do tempo e disciplina para atuar com home office.

Talvez o grande cerne  seja a desburocratização, simplificação de normas e, principalmente, detectar formas de se exercer o trabalho que foram compulsórias na pandemia e testadas como jamais antes, como o teletrabalho ou o home office, e a partir dessas experiências direcionar novas vagas e dinâmicas de estimular, remunerar e proteger a ocupação laboral. Indiscutivelmente, o trabalho em home office, que vinha sendo explorado timidamente, vem se tornando um grande aliado para driblar a inevitável crise econômica.

Alteração do regime de trabalho presencial para o teletrabalho, sem registro prévio e negociação, é um exemplo do contexto atual. O aumento de pessoas em "home office" implica em redução de custos, mas em contrapartida aumenta significativamente a informalidade das contratações.

Diante da crescente demanda de adequação das relações trabalhistas à nossa atual realidade, vem se explorado com maior empenho a modalidade de contratação intermitente, que foi inserida no nosso ordenamento jurídico com o advento da reforma trabalhista (Art. 443, § 3º da CLT).

O retrocesso social e econômico também reflete nos prestadores de serviços autônomos, extraindo de todos a arte de se reinventar, com a certeza de superação e de que "digno é o trabalhador de seu salário", princípio também insculpido no artigo da 7º, IV da nossa Constituição Federal.

De tal modo, baseado nesse cenário de relações trabalhistas completamente mutáveis e adaptáveis, com o intuito de se adequar a atual situação econômica mundial e aliado ao fato de os avanços tecnológicos mudarem o comportamento do consumidor, surge a Uberização, uma nova forma de gerenciamento e organização do trabalho, um novo modelo de negócios.

O termo faz referência a empresa Uber, que é a maior empresa de transporte do mundo sem ter uma frota de carros. Isso uma vez que a Uber não é uma empresa de transporte de fato, mas sim um aplicativo que conecta passageiros a motoristas, ou seja, cria uma ponte entre a oferta e a procura.

Portanto, uberização do trabalho é a modernização das relações de trabalho decorrente da popularização dos aplicativos de contratação de serviços. Essa modalidade surge com a necessidade das pessoas de ganharem dinheiro para sobreviver, a uberização é, na verdade, a modernização das relações de trabalho.

É natural que isso aconteça por conta do cenário econômico, não só do Brasil, mas do mundo. Há um grande aumento na automação e na inteligência artificial, que cuida das tarefas repetitivas. Isso faz com que aumente uma demanda por um novo tipo de trabalho, onde as próprias pessoas querem ter uma nova rotina, com autonomia nas tarefas e a possibilidade de optar por quando querem trabalhar.

Ludmila Costhek Abilio, pesquisadora da Fapesp e da Cesit - Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, relata que O trabalhador não é mais um empregado. E apesar de trabalhar a hora que quiser, há a criação de um trabalhador informal que é vigiado por algoritmos. Ou seja: você pode mapear o trabalho de 200 mil motoboys, distribuí-los no espaço e determinar o valor do trabalho. A uberização é um processo de formalizar monopólios e informalizar. Ao mesmo tempo, são formados monopólios de empresas que possuem todo esse poder nas mãos e de trabalhadores cada vez mais informais.1

A Uberização consiste em criar um modelo de negócio que intermedia e conecta pessoas com interesses em comum, ou seja, aquela que quer prestar os serviços, a quem quer contratar esse serviço. Trata-se de um modelo que prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda.2 Não se esbarrando em qualquer fronteira, e alçando conexões cada vez mais distantes, sem a limitação territorial que a tradicional relação trabalhista impõe.

A Uberização do trabalho decorre da ideia de economia compartilhada, e se refere à uma nova forma de gerenciamento e organização do trabalho. Consiste em criar um modelo de negócio, que intermedia e conecta pessoas com interesses em comum, aonde quer que elas estejam, ou seja, aquela que quer prestar os serviços, a quem quer contratar esse serviço.

Nessa dinâmica, ocorre uma informalização nas relações trabalhistas. Isso porque os trabalhadores que prestam serviços a esses aplicativos não têm qualquer vínculo empregatício com as empresas. Eles são "parceiros" e não empregados.

Atualmente o entendimento dos tribunais trabalhistas, quanto a uberização, se inclina no sentido de que não há relação de emprego entre a empresa e o prestador de serviço.

Enquanto muitos enxergam, a uberização como precarização da mão de obra, remetendo-nos ao que se questionava quando da terceirização, que por fim restou em definitivo "regulamentada" pela súmula 331 do TST como aval do STF, o que se discute hoje, é quanto vale o tempo e a disponibilidade do prestador de serviços. Se esse tipo de demanda o deixa carecedor de direitos, e o coloca em extrema vulnerabilidade, com o estigma do subemprego em contra partida a ausência de qualquer trabalho.

Possivelmente, teremos medidas legais para flexibilizar a jornada de trabalho e redução dos salários pós-pandemia, como as que foram adotadas na medida provisória 936/20. É imprescindível observar as diretrizes esculpidas em nossa Constituição Federal/88 para não precarizar as atividades laborais, muito menos, suprimir direitos trabalhistas protegidos na Carta Magna.

Clarividente se faz a necessidade de regulamentação dos novos modelos, trazidos sob a justificativa de flexibilização das relações de emprego. Não estamos discutindo simplesmente a natureza da relação entre "parceiros" e plataformas, mas a necessidade de impor responsabilidades, para que seja assegurado o direito à saúde, segurança e vida do trabalhado.

O que hoje sabemos, é que o mundo e as relações são mutáveis, assim como os possíveis meios de auferir renda, temos pois, uma infinidade de possibilidades, diante das novas alternativas de se estabelecer uma relação de trabalho, seja ela com vinculo, ou sem, o que temos hoje é uma globalização das relações trabalhistas.

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1 Clique aqui

2 UBERIZAÇÃO DAS COISAS: O QUE É E COMO SURFAR NESTA ONDA | CONVERSANDO COM O CEO. Disponível clicando aqui. Acesso em 21 de março de 2020

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*Juliana Reis da Silva é advogada do escritório Petrarca Advogados.

*Carla Louzada Marques Carmo é sócia do escritório Petrarca Advogados.

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