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Abusa quem pode; acata quem não tem alternativa

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Atualizado em 16 de maio de 2012 13:19

O dito popular é claro: "Manda quem pode, obedece quem tem juízo". Como se sabe, uma ordem dada por alguém pode ser legal e legítima e quando forem, obedecê-la é o caminho correto a ser seguido. Um dos problemas do comando, isto é, do exercício do poder, é o de sua delimitação. Quem detém o poder, pode dele abusar. E, infelizmente, na sociedade capitalista atual, profundamente materialista e egoísta, muitos fornecedores que podem, abusam. Essa é uma constatação vivida na pele, praticamente todos os dias, por milhares de consumidores.

No mês passado, eu recebi uma carta do leitor A.S.S, que reproduzo na sequência e que mostra um dos tipos de abusos perpetrados diariamente. Leia.

"Hoje, dirigi-me ao banco para encerrar minha conta corrente. Após senha e longa espera, fui chamado pelo - permitam-me a metonímia - "caixa". Sem rodeios, solicitei, de plano, o encerramento da conta corrente. Pediu-me documentos. Fui encaminhado a novo calvário de senha, sobe escada, espera, mostra documento, desce escada, senha, espera e mostra documento de novo. Ufa! Novamente sentado cara a cara com o "caixa", fico no aguardo dele terminar seu ciberjogo de paciência, campo minado, tetris ou pinball - não é crível que se demore tanto para a simples troca do nome e do RG de um contrato-padrão de 2 folhas. Quando, feliz, penso que era o fim ('That's all folks'), tenho a sensação do coito interrompido: falta responder ao questionário. 'Por que motivo deseja encerrar sua conta corrente?' Obviamente, pautado na máxima de que minha vida particular é o maior problema meu, respondi: 'Sem motivo'. Resposta recusada sob a justificativa da opção não constar no questionário. Por sorte, no momento, lembrei dos ensinamentos de lógica do Prof. Ricardo Andreucci. Expliquei, fazendo um paralelo com o Direito Penal e já em tom de ameaça, que matar alguém sem motivo não corresponde ao homicídio qualificado de matar alguém por motivo fútil (banal, insignificante), ou seja, matar sem motivo ou encerrar minha conta sem motivo já é um próprio motivo em si mesmo, diferentemente de todos os outros motivos que constem no questionário ou no tipo penal. E continuei: assim como o homicida sem motivo se livra da qualificadora penal pelo princípio da reserva legal, livrar-me-ei de você! Resposta aceita; menos pelo convencimento lógico, mais pelo tom de ameaça (...)".

E, sobre o mesmo assunto, anoto o que perguntou meu amigo Outrem Ego: "Você já tentou contratar uma linha telefônica fixa e fechar um pacote de minutos? Ou então, o que é pior, cancelar uma linha, uma assinatura, uma conta? Ah!, é uma experiência parecida com luta livre: você leva soco na cara, golpe baixo do atendente, leva gravata para aceitar a proposta que ele fez, mas você não queria, leva empurrão para ver se cai fora do ringue e desiste de cancelar, etc. Enfim, um jogo de enganações para o qual o empregado (que também é consumidor, como sempre gosto de repetir) faz de tudo para não atender o consumidor, quero dizer, faz de tudo para não respeitar seus direitos. Mais mentira de que o atendimento é bom, como dizem os anúncios".

Veja-se o que está acontecendo nas vésperas da Rio + 20 - Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que ocorrerá entre os dias 13 e 22 de junho próximos. As tarifas dos hotéis cariocas para a ocasião estão fixadas em valores uma vez e meia mais altos que os da cidade de São Paulo e já se equiparam aos de Nova York. Segundo dados divulgados na imprensa, hoje em dia é possível hospedar-se no tradicional Hotel Plaza Athenee, no Central Park, em Manhattan, pagando a diária a partir de 1.127 reais. O Copacabana Palace, por exemplo, apresenta valores semelhantes: as diárias variam entre 1.140 reais a 5.600 reais e todos os 243 quartos estavam reservados para as dezesseis delegações estrangeiras que participarão do encontro.

Claro, vai se dizer, são as "leis de mercado". Mas, como no caso, os consumidores têm algum poder de barganha, está sendo feita pressão para que haja diminuição dos preços. Por exemplo, a delegação do Parlamento Europeu cancelou sua vinda. O alemão Matthias Groote, presidente da Comissão de Meio Ambiente do Parlamento Europeu, chegou a fazer um apelo ao governo brasileiro para intervir no que considerou "um abuso" por parte dos hotéis no Rio de Janeiro.

Por aqui, chamou atenção a reclamação do presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Marco Maia, que declarou que o Legislativo Federal não pagaria diárias nos preços praticados. Segundo ele, a Câmara enviaria 100 parlamentares para o evento, mas, agora, por causa disso, eles só iriam se pagassem as diárias do próprio bolso. "Vamos chamar os representantes do setor para explicar o porquê dessas tarifas tão elevadas", disse o deputado.

E, ainda sobre abusos recentes, Outrem Ego me disse o seguinte:"No final de semana, nos arredores do estádio do Morumbi, preparado para a final do campeonato paulista, enquanto a polícia prendia dezenas de 'flanelhinhas guardadores dos carros' estacionados em vias públicas, alguns torcedores pagavam extorsivos R$50,00 para guardar seu veículo num Shopping Center da região. Preço fixo: cinquentinha!".

Mas, voltando a questão dos preços das diárias dos hotéis para a Rio + 20: as notícias do início desta semana dão conta de que foi firmado um acordo entre representantes do governo e do setor hoteleiro e este prometeu que haverá uma redução de até 30% nos preços das diárias.

Ah, como seria bom se todos os consumidores tivessem esse poder de negociação! O problema é que não têm. A maior parte dos consumidores está jogada a própria sorte e acaba sofrendo abusos de todo tipo.

A saída, como os consumeristas têm pregado, é a formação de associações de consumidores para agir em conjunto. No Brasil, temos muito poucas, algumas quase heroicas na luta pela defesa do consumidor como, por exemplo, o Idec, de São Paulo, mas é preciso mais.

Individualmente, o consumidor pode muito pouco, especialmente no caso dos chamados abusos de varejo: aqueles do dia a dia e de pequenos valores. Ele prefere aceitar a imposição ou o abuso do que procurar proteção, pois esta acaba dando muito trabalho e/ou custa dinheiro e/ou gasto do seu precioso tempo. É verdade que os Procons têm trabalhado bem nesse sentido, assim como os Juizados Especiais têm servido de escoamento para as reclamações mais simples e de valores mais reduzidos. Do mesmo modo, o Ministério Público em todas as suas esferas tem também dado sua contribuição. Mas, nada disso tem impedido ou atenuado os abusos, pois os fornecedores são mesmo muito criativos para levar vantagem. Enfim, trata-se de uma luta a ser travada diariamente pelos consumidores.

Por isso, apesar de parecer chato, para que a sociedade capitalista melhore como um todo e os fornecedores respeitem um pouco mais o consumidor, é necessário exercer esse direito básico de todo consumidor, que é o de reclamar. De preferência, na forma coletiva, como, aliás, quer o Código de Defesa do Consumidor.