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Como perder o cliente em algumas lições

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Atualizado em 5 de agosto de 2015 10:38

O título completo do presente artigo deve ser "Como perder um cliente em algumas lições e ainda correr o risco de ser processado por ele". É disso que eu tratarei na sequência.

Antes de iniciar, deixo consignado que, claro, há muito mais exemplos de como perder clientes do que apenas esses. Estou fazendo aqui uma escolha arbitrária, mas que, penso, seja o suficiente para apontar ações e comportamentos equivocados do atendimento ao cliente.

Este artigo tem por base minhas reflexões, que não são recentes, a respeito das relações de consumo que, no passado, foram muito harmônicas (até início dos anos 60 do século XX), passaram por forte crise a partir do cálculo financista que tomou conta das relações (e que ainda tem muita importância e, em alguns setores, preponderância), mas que, aos poucos, vão sendo retomadas, especialmente com a tomada de consciência de que é preciso mudar os padrões de consumo. Consegue-se observar aqui e ali alterações no rumo do consumo consciente e sustentável e que envolve, de um lado, empresas que respeitam o consumidor e, de outro, consumidores mais conscientes de sua importância no mercado de consumo. Ou, em outras palavras, as relações harmônicas de consumo são o que há de mais moderno em termos de capitalismo.

Meu foco: respeitar e ouvir o consumidor é não só inteligente e legal (no duplo sentido) como gera lucros ao garantir a manutenção dos clientes já conquistados e amplia a base existente. O inverso é também verdadeiro: o empresário (e também o profissional liberal) que não souber disso e não pautar suas ações nesse modelo só tem a perder: é atrasado, tacanha, sua imagem irá perdendo valor, sua base de clientela não crescerá, em muitos casos diminuirá, perderá receita e muitos quebrarão.

Há vários caminhos para cuidar da questão do atendimento. Um deles é o de tratar o consumidor como um número e/ou como se todos os consumidores fossem iguais, tivessem os mesmos sentimentos e desejos, se reagissem da mesma forma em todas as circunstâncias. Mas não irei por aqui. Quero cuidar exatamente das hipóteses nas quais é possível trabalhar com standarts pré-concebidos, mas isso deve ser muito bem estudado e melhor ainda executado. Algumas medidas simples podem ajudar. Vou referir uma que é frequentemente esquecida pelos administradores: a da simpatia (ou se sua contra partida, a antipatia).

A simpatia é um sentimento que gera uma identificação ou mesmo uma atração de uma pessoa à outra. Por intermédio dela, o indivíduo estabelece uma harmonia com o outro e, a partir disso, pode criar laços firmes e duradouros. Por isso, são sinônimos de simpatia a afeição e a afinidade. Ela gera uma espécie de atração para algo ou para alguém; ela desperta o interesse no outro ou no que ele (o outro) faz.

Com a antipatia se dá o inverso: ela é um sentimento de repugnância e repulsa diante de alguém ou de alguma coisa. E, claro, gera desarmonia, discordância. Literalmente, antipatia é "contra-afeição". Tem origem no termo grego antipathéia?: anti (contra) e pathéia (afeição).

A antipatia opera em vários níveis, desde uma sensação de mero desconforto até a total repulsa. E se a experiência com relações simpáticas deixam o sujeito mais à vontade para as novas relações simpáticas, as antipáticas anteriores funcionam para aumentar a rejeição das atuais. Chega uma hora em que a pessoa simplesmente cansa de aguentar os gestos antipáticos.

Por falta de conhecimento, a simpatia nem sempre é considerada; e é algo modesto, fácil e inteligente de executar. O oposto também se dá: a antipatia aparece em várias resoluções e atos. A primeira conquista o consumidor, a outra pode alijá-lo da relação. Vejamos alguns exemplos de ações antipáticas.

Começo relatando um caso envolvendo meu amigo Outrem Ego. Eis o que ele me contou. "Sou cliente de um canal de tevê a cabo há mais de dez anos. Sempre paguei a fatura religiosamente em dia, nesses dez longos anos. Nunca atrasei um dia sequer. Mas, olha o que aconteceu. No mês de janeiro deste ano, sai de férias com minha família. Não sei explicar o que houve, pois nunca vi a fatura daquele mês e simplesmente esqueci de pagar. Voltamos num fim de semana. A tevê à cabo não funcionava. Depois de algumas tentativas, liguei para eles e descobri que haviam cortado o sinal por causa do não pagamento daquela fatura".

Depois de engolir a seco, ele concluiu: "Fiquei revoltado. Passei doze anos pagando a conta em dia. Cento e quarenta e quatro meses de pagamentos mensais corretamente. E olha que muitas vezes minha família e eu nem ligamos a tevê. Cento e quarenta e quatro meses em dia e nunca ligaram para dizer obrigado. Mas, bastou atrasar uma única fatura e eles cortaram o sinal. Malditos!"

Caro leitor, meu amigo tem toda razão de ficar bravo. O que aconteceu com ele é o que eu chamo de antipatia e burrice ou, em termos mais jurídicos, incompetência na administração do negócio da prestação de serviço de longo prazo. Ora, em relações continuadas, especialmente naquelas em que o cliente paga mensalmente, o histórico do relacionamento é fundamental. Não tem sentido que a empresa não leve em consideração esse aspecto de fundamental importância existente entre ela e seus clientes. Num caso como o de Outrem Ego, antes de tomar a decisão de cortar o serviço é preciso saber se o cliente é fiel, se ele paga as contas em dia, há quanto tempo ele paga etc.. Sei que o sistema é de massa e automatizado, mas isso não impede que o computador seja preparado para medir a pontualidade e fidelidade de cada um dos clientes.

Não há qualquer desculpa para a ação da empresa. Num caso como o de meu amigo, o sistema deveria, ao invés de determinar o corte do serviço, enviar uma segunda via ao cliente perguntando se ele havia esquecido de pagar ou, então, mandar um torpedo ou, ainda, ligar para ele. Somente depois de mais de uma tentativa é que deveriam decidir sobre o corte e ainda assim dando um aviso prévio claro.

Esse exemplo é daqueles que permitem que eu mostre que o problema da relação de consumo não é sempre da aplicação da lei. No caso, a lei pode até estar do lado da empresa de tevê a cabo, mas a ação dela é tão lamentável e equivocada, que só faz mal. E faz mal, mesmo que o serviço seja restabelecido rapidamente. São empresas que erram primeiro para consertar depois. Erram conscientemente (ou por má administração, o que dá no mesmo). Pior: sem nenhum benefício financeiro, pois se o serviço fosse cortado apenas um mês depois ela não teria nenhum prejuízo. Incompetência pura e simples.

Um outro exemplo muito conhecido é o das empresas e profissionais liberais que se esquecem que, do outro lado da linha telefônica ou do endereço de e-mail, pode se encontrar alguém muito interessado em (ou desesperado para) falar algo importante. Isso é particularmente grave quando essa pessoa que chama (ou grita, muitas vezes) usa expressões como "urgente", "muito urgente", "urgentíssimo", "grave", "gravíssimo", etc. E muitas vezes, o pedinte (ou reclamante) não usa essas expressões porque está com pressa e esquece. O fato é que, em todos os casos o retorno é que é importante. Um retorno rápido. Há casos até de amizades perdidas por falta de retorno. Imaginem-se as perdas quando se trata de um consumidor que necessita de algo urgente. Esse alerta vale tanto para grandes corporações que detêm muitos clientes como para pequenos escritórios de advocacia ou consultórios médicos. Não importa o tamanho: se grande, a estrutura deve poder dar conta dos retornos, se pequeno idem. Pode ser um consumidor que quer saber como resolver um problema com sua tevê a cabo ou um cliente (antigo ou novo) que recebeu uma intimação judicial ou, ainda, um paciente que precisa de um atendimento médico imediato. Veja, caro leitor, que eu não estou exagerando. Trata-se de um simples cuidado: o retorno de uma ligação ou de um e-mail para que o cliente existente ou em potencial fique satisfeito. O inverso é verdadeiro: ele se sentirá abandonado e irá procurar outro lugar para resolver seu problema.

E para terminar, conto mais um, bastante singelo: o dos boletos relativos às relações constantes e duradouras, mas que contêm ameaças sem sentido. Mais uma vez, quem me contou foi meu amigo Outrem Ego. Ele me disse: "Veja que treco mais antipático esse do contador da minha mulher. Você sabe que ela tem uma microempresa e o contador dela é o mesmo desde o início dos negócios há quase dez anos. Todo mês, ele manda o boleto para ela pagar a prestação do serviço mensal. Já houve vezes em que ela esqueceu de pagar. Daí, ela liga lá e eles mandam novo boleto com novo prazo, sem qualquer dificuldade. Mas, veja só. Nos boletos consta: 'Após o vencimento vence juros de x% mais multa de 2%. Protestar no 10º dia de atraso'. Não é uma bobeira? Aposto que o contador jamais protestou um cliente sequer".

De fato, nessas relações continuadas, nas quais predomina a confiança mútua, é muito antipático dizer que, se o cliente não pagar, será protestado. E, como disse meu amigo, não só é antipático como contraproducente. Protestar um cliente que paga mensalmente pelos serviços não parece boa estratégia de manutenção do negócio (Nota: os boletos podem ser emitidos sem esse tipo de alerta).