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Educação, formação e influência - reflexões sobre a rede de comunicação na sociedade de consumo

quinta-feira, 10 de março de 2016

Atualizado em 9 de março de 2016 11:23

Por Rizzatto Nunes e Claudia Freesz Calmon1

No presente artigo, apresentamos alguns fatos para uma reflexão sobre a educação, a formação e a influência que se exerce numa sociedade como a atual, caracterizada por alta complexidade social e com ampla liberdade de expressão, e na qual existe uma incrível e enorme comunicação difusa, cruzada e multilateral.

Dizem que o exemplo arrasta, isto é, serve de inspiração. E que os pais devem servir de exemplo. Num dos filmes de Woody Allen, ele sai do cinema com sua sobrinha e diz mais ou menos isso: "Não se preocupe com o que seu professor fala. Observe o que ele faz".

De fato, é a ação o autêntico gesto do indivíduo, muito mais que suas palavras. Estas podem ser importantes e ter seu peso, mas, sem a ação respectiva, serão legítimas? Fortes o bastante para inspirar? Vejamos os pais.

Nosso amigo Outrem Ego, estudioso do assunto, diz: "Educar é falar, instruir, indicar, orientar, etc. No entanto, será que adianta um longo discurso sem uma ação correspondente? Certo, há alguns limites. Pais que bebem álcool (moderadamente) podem proibir que seus filhos bebam até certa idade, justificando com a lei, a pouca idade e a imaturidade respectiva, etc.. Todavia, se pretendem que seus filhos não bebam refrigerantes, é melhor que também não bebam. Nem comprem. Pais que falam palavrões terão dificuldades em proibir que seus filhos também falem. Pais que usam iphone em restaurantes enquanto comem ou mesmo apenas enquanto estão lá sentados, também encontrarão dificuldades em bloquear o uso aos filhos. O mesmo em casa: os pais vão à mesa e levam seus iphones? Já perderam a batalha ou, quem sabe, nem estejam interessados".

Será que os pais percebem isso? E trata-se de uma influência de mão única (dos pais na direção dos filhos)? Não se pode dar o oposto (dos filhos em relação aos pais)? E, mais: a influência não é exercida também de fora da família? Pela escola? Pelos colegas da escola? Pelos amigos? Pelo grupo social a qual se pertença? Pela religião professada? Pelo clube que se frequenta? Pelos filmes das tevês, enlatados ou não, e também do cinema? E o que dizer das músicas na atualidade com letras estapafúrdias? E até do clube pelo qual se torce? Enfim, não são múltiplas as possibilidades de influência? E tanto mais ainda, como nos últimos anos com as redes sociais e a internet?

Há um antigo ditado que também pode ajudar nessa proposta de reflexão: "Diga-me com quem andas que te direi quem és". Sim, as companhias, os grupos são determinantes no aprendizado e também no reconhecimento dos comportamentos.

Mas, será que é infalível? Determinante?

Se uma pessoa anda com drogados, significa que está, do mesmo modo, envolvida com as drogas? Se anda com pessoas de mau caráter, tem ela também mau caráter? Se anda com ladrões, é ladra? Se a pessoa somente se cerca de pessoas medíocres, então ela é medíocre também? Se somente anda com perdedores, será também uma perdedora? Etc., e o inverso: é santa por andar com santos? Intelectual por conviver com intelectuais? Estudiosa por frequentar um círculo de estudiosos?

Podemos até responder não a alguma dessas questões, mas como estabelece um outro ditado, espanhol: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay"2.

Ao que parece, isso sempre foi assim, com pessoas exercendo influência reciprocamente em qualquer idade e por qualquer tipo de ligação e do mesmo modo as instituições, enfim, uma rede complexa de comunicações que amoldam o indivíduo; além, claro, dos esquemas estudados e executados de propósito para iludir, controlar e alienar.

Mas, e o caso do filho que detesta cigarro exatamente por que seu pai é um fumante inveterado? Ou daquele que nem chega perto de álcool por causa do pai alcoólatra? Seriam exceções ou isso é uma resposta confortadora?

E agora, como estamos, com as chamadas redes sociais? Elas podem ser mesmo uma arma a favor da democracia, como dizem? Há essa esperança. Nosso amigo dá um palpite: "Não é incomum ver famílias 'reunidas' em volta da mesa, sem conversarem entre si, mas sintonizados no Facebook ou nos grupos do Whatsapp, e Instagram. Há esperança, mas, por enquanto, o que se vê é a ampliação de um processo de alienação".

Humberto Eco, grande escritor e pensador polêmico, falecido recentemente, assim se expressou sobre o tema: "As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis"3.

Será? É difícil, saber, não é mesmo?

Em relação a pais e filhos, há situações insólitas. Perguntamos: como podem os pais educar os filhos se eles próprios ficam entretidos com os papos virtuais, enquanto cortam o bife no prato na hora da mesa, onde todos deviam estar comendo em harmonia e confraternização?

Com seu viés antropológico, diz nosso amigo: "Por ora, o que se vê por todos os lugares: restaurantes, bares, escolas, shopping centers e em todos os cantos do mundo, é que as pessoas passam um largo tempo tirando fotos, lendo e postando bobagens virtualmente. Há, não só uma perda de tempo como uma construção simbólica perigosa que é a de que essas pessoas passam a aceitar e a acreditar no que recebem pela rede sem nenhuma reflexão, apenas porque 'vêm de seus amigos e conhecidos'".

O problema com a influência exercida pelo meio em que se vive está em que ele é constante e imperceptível; age sub-repticiamente. No início e até um curto espaço de tempo, talvez não se consiga identificar seu funcionamento, mas após uma larga passagem, percebe-se que as pessoas ficam muito parecidas em pensamentos, ações e hábitos4.

Por fim, deixamos mais algumas questões: os indivíduos, na sociedade da informação e da comunicação, estão mais conscientes de seu papel, de suas condutas, de seus direitos e obrigações? Estão sabendo, tentando e conseguindo se expressar melhor? Com tanta informação fornecida incessantemente, estão conseguindo decifrar o que tem realmente valor? O que, de fato, pode gerar uma melhor condição humana?

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1 Claudia Freesz Calmon é pedagoga, formada pela PUC/SP e fez cursos de especialização no Instituto Loris Malaguzzi em Reggio Emilia, Itália e com Howard Gardner em Harvard.

2 Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!

3 10 frases para recordar a lucidez mordaz de Umberto Eco.

4 Há, claro, líderes que exercem autoridade sobre os demais indivíduos do grupo e que podem ser determinantes para a formação e para o comportamento, mas isso é um aspecto ligado ao poder que demanda outro tipo de análise. Aqui, como dissemos, estando tentando refletir sobre essa questão de comunicação difusa, cruzada e multilateral.