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A quem pertence o meio ambiente e os demais patrimônios da humanidade?

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Atualizado às 07:49

Antes de iniciar, quero consignar o óbvio: todos só podem ser contra a destruição da Floresta Amazônica ou de qualquer outra floresta.

Não consigo ficar de fora do assunto que está bombando há dias, especialmente diante das informações enganosas que circulam em todo o mundo. É de perguntar, como é que as pessoas acreditam? Existe muita fake news e muita opinião espúria de má-fé ou enganada mesmo.

Há um excelente vídeo que circula pelas redes, tratando da internacionalização da Amazônia brasileira. É um trecho do Programa Provocações, apresentado por Antônio Abujamra. Ele narra a intervenção de Cristovam Buarque numa Universidade americana em 2001.

Não sei se é fake. Não parece. Mas, como a exposição é muito boa, transcrevo abaixo para que você, leitor, tome conhecimento. É a resposta de Cristovam Buarque a uma pergunta sobre o que ele pensava da internacionalização da Amazônia. Quem perguntou disse que aguardava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Eis a resposta:

"Como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia.

Por mais que os nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, eu posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo mais que tenha importância para a humanidade.

Se sob uma ética humanista, a Amazônia deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Isso. Internacionalizar o capital financeiro dos países ricos. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país.

Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Nós não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Neste momento, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos Estados Unidos. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada; pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda humanidade, assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife; cada cidade com sua beleza específica, sua história do mundo deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixa-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos Estados Unidos, até porque eles já demostraram que são capazes de usar essas armas provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os candidatos à presidência dos Estados Unidos têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha a possibilidade de comer e de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças, tratando todas elas como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro, ainda mais do que merece a Amazônia.

Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar ou que morram quando deveriam viver.

Como humanista, eu aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, eu lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa".

Caro leitor, segundo Antônio Abujamra, essa resposta de Cristovam Buarque foi publicada no New York Times, no Washington Post, nos maiores jornais da Europa e do Japão em agosto de 2001, mas não foi publicada no Brasil.