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África do Sul Connection nº 17

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Atualizado às 08:28

Massacre no Quênia

Somente unido, o país conseguirá fazer cicatrizar essa ferida. O All-Shabaab praticou um horrendo ataque no Quênia, matando, pelo menos, 148 pessoas no Garissa University College. Foi uma retaliação aos soldados colocados na fronteira com a Somália e uma ofensiva contra os cristãos. Os primeiros a serem mortos foram os membros da União Cristã, enquanto muçulmanos eram liberados. Saber do massacre traz um pesar adicional. Em 2012 estive, na companhia de um grupo de estudiosos, no Vale do Rift, a convite da Comissão de Implementação da Constituição, falando sobre participação popular no processo constitucional. Estávamos debruçados sobre a "Katiba", a Constituição queniana. O local foi escolhido por ter sido o estopim do conflito civil de 2008, fruto das eleições. Agora, os quenianos são covardemente confrontados pela força de suas convicções.

Eleições na Nigéria

Foi inspirador ver cidadãos festejando a vitória, nas urnas, de um líder da oposição. Muhammadu Buhari, 72, derrotou Goodluck Jonathan, atual presidente, do Partido Progressista Democrático (PDP), que teve 13.3 milhões de votos. Buhari, que é do Congresso Todos Progressistas (APC), teve 15.4 milhões de votos. Nascido em 17 de Dezembro de 1942, no norte da Nigéria, filho de um líder de aldeia, passou por uma escola de formação de cadetes na Inglaterra, em 1960, tendo servido a vários governos militares. Foi Ministro do Petróleo, na década de 70 e comandou o país, como ditador militar, de Dezembro de 1983 a Agosto de 1985. Perdeu as eleições em 2003, 2007 e 2011, sendo que, esta última, para o próprio Goodluck. Descrevendo o período de Buhari à frente do país, o Prêmio Nobel de Literatura, Wole Soyinka, disse ter havido uma cruzada contra a indisciplina, que incluiu "níveis sádicos, glorificando a humilhação das pessoas".

O processo eleitoral

A eleição ganhou as mídias sociais. Páginas no Facebook e Twitter se aliavam a campanhas junto aos 127 milhões de usuários de celulares. Videos no Youtube criticavam os tempos autocráticos de Buhari, que reagia mostrando o estilo de vida de Goodluck Jonathan, exercitando-se com seu personal trainer e disputando partidas de squash. Dentre as promessas de Buhari, está a adoção de um sistema único de saúde. A eleição utilizou máquinas de identificação biométrica e foi conduzida por Attahiru Jega, presidente da Comissão Nacional Eleitoral, com 60 milhões de nigerianos inscritos para votar. Um processo pacífico.

Nigéria em números

Em 2040, o país será a quarta economia do mundo, depois da Índia, China e Estados Unidos. Dos 170 milhões de habitantes, contará com 320, e um PIB que saltará dos atuais $ 525 bilhões para $ 4.2 trilhões. Todavia, há corrupção e insegurança jurídica. A agência Fitch rebaixou o indicador do país para negativo (BB-), três níveis abaixo do grau de investimento. Em Março, a Standard & Poor já havia reduzido um nível, para B+. Cenário desafiador para o muçulmano Muhammadu Buhari. A posse será dia 29 de Maio.

Liberdade de Expressão

O jornalista angolano Rafael Marques de Morais publicou, no ano de 2011, em Portugal, o livro "Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola", denunciando o exército e companhias mineradoras por violarem os direitos humanos dos moradores de Lundas, com mortes, torturas e evicções forçadas. Em retaliação, foi denunciado por difamação e outros crimes em Angola, onde foi preso mais de uma vez. Essa semana, instituições como o Comitê de Direitos Humanos da ONU, Anistia Internacional, Artigo 19, Transparência Internacional e Repórteres Sem Fronteiras assinaram um documento questionando a idoneidade para conduzir um processo contra o jornalista. Dentre os pedidos, está observância da decisão da Corte Africana de Direitos Humanos, em favor de um jornalista de Burkina Faso, entendendo que condenações por difamação violam a Convenção Internacional sobre Direitos Políticos e Civis. A lei angolana também estaria em contradição com a própria Constituição do país. Todos #RafaelMarquesDeMorais

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A Suprema Corte de Apelação da África do Sul reverteu uma decisão que limitava o acesso, por jornalistas, a documentos de processos judiciais. Fazendo uma leitura do Procedimento Uniforme dos Tribunais, entendeu-se que a única leitura constitucional possível militaria em favor da transparência, segundo a qual, exceções ao legítimo interesse de informar devem estar conectadas com outros interesses significativos, como o das crianças, da segurança do Estado ou da confidencialidade comercial. Invocando precedente da Corte Constitucional, o juiz Nathan Ponnan afirmou que a mídia tem o dever de informar acuradamente e que isso só é possível tendo posse dos documentos. Caso contrário, incentivar-se-ia vazamentos e, consequentemente, informações equivocadas. Mais um ponto para a África do Sul.

Juízes à Luz do Dia

O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, promulgou uma lei que obriga os juízes a tornarem público seu patrimônio. Mais de 230 magistrados fizeram suas declarações. Sisi Khampepe, da Corte Constitucional, declarou ter R 6 milhões em investimentos e ações da Vodacom e Sasol. Mogoeng Mogoeng, Chief Justice, listou duas casas e uma quantia que recebe em aluguéis. O vice, Dikgang Moseneke, apontou mais de R 7 milhões em investimentos, duas casas e um terreno em Zimbali, na região de KwaZulu-Natal. Edwind Cameron, também da Corte Constitucional, declarou quatro propriedades residenciais e investimentos na gigante MTN da ordem de R 1 milhão. O documento lista ainda presentes recebidos, tais como máquinas de café, celulares e relógios.

Pobres contribuintes

Outro assunto foi a divulgação, aos contribuintes sul-africanos, do gasto de R 5.6 milhões em vencimentos de magistrados afastados por questões disciplinares. Um deles, Ronnie Rambau, da região de Limpopo, já acumulou R 3 milhões em ganhos, enquanto aguarda julgamento. Há casos caricatos. Em 4 de junho de 2013, a juíza de Kempton Park, Judith van Schalkwyk, foi suspensa, acusada de jogar durante o trabalho, pedir para membros do seu staff "fazerem o seu cabelo", tomar dinheiro emprestado dos servidores e proceder a julgamentos lendo votos escritos por outras pessoas. A juíza já recebeu quase R 1.5 milhão. Raesetea Malahlela, por sua vez, foi suspensa em 17 de julho de 2014. Dentre as acusações, está a de dormir durante as sessões, gerar imensas contas telefônicas em seu gabinete e ter crises abstêmicas. Suspensa, já recebeu R 558.166. Os contribuintes não estão contentes com o fardo.

Racismo

A província sul-africana de Gauteng é a que mais apresenta queixas de racismo perante a Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos. Entre 2013 e 2014, foram 260 queixas, sendo que, 94, partiram de Gauteng. KwaZulu-Natal foi a segunda, com 44, seguida por Western Cape, com 35 e Limpopo, com 22. Mpumalanga apresentou 20 queixas, Northen Cape 19, Free State 15, e North West 6. Eastern Cape, fez 5 denúncias. Não é fácil acabar com essa chaga.

Ativismo

Duas campanhas chamaram a atenção na África do Sul. A "Speaking Out", lançada pela Rape Crisis, incentiva mulheres a denunciarem casos de estupro. Segundo os números, 62.649 ofensas foram denunciadas entre 2013 e 2014. Mais de 40% das vítimas são menores de 18 anos. A campanha orienta sobre como coletar provas contra o agressor e denunciá-lo às autoridades. Outra campanha se deu na avenida Promenade, no bairro Sea Point, Cidade do Cabo. Lá, um stand anunciava: "Pergunte a uma profissional do sexo". Elas falavam sobre suas vidas para os cidadãos. A intenção é chamar a atenção do país para a necessidade de descriminalização da prostituição.

Prêmio Alan Paton

Foi divulgada a lista dos concorrentes ao prêmio anual de literatura da África do Sul, o Alan Paton. Dentre os concorrentes, está Edwin Cameron, juiz da Corte Constitucional, com sua biografia "Justice: A Personal Account" publicado pela Tafelberg. Também a obra "Digging Deep: A History of Mining in South África", escrito por Jade Davenport e publicado pela Jonathan Ball Publisher. Os ganhadores serão conhecidos dia 16 de Maio, no Festival Literário de Franschhoek, uma região de vinícolas nos arredores da Cidade do Cabo. Na sua 26ª edição, o prêmio busca honrar a "compaixão e elegância na escrita, além da integridade moral e intelectual". Em 2010, o ganhador foi o juiz da Corte Constitucional, Albie Sachs, com a obra "The Strange Alchemy of Life and Law", cuja tradução, no Brasil, tive a honra de fazer, com publicação pelo selo Saraiva/IDP prevista para esse ano.

Trevor Noah

Nascido em Soweto, a township de Joanesburgo de onde veio Nelson Mandela, o comediante sul-africano Trevor Noah, 31, foi anunciado como o novo apresentador do Daily Show, no canal norte-americano Comedy Central, um palco eletrônico com 1.5 milhões de telespectadores por dia. Ele substituirá Jon Stewart. Noah tem 2 milhões de seguidores no Twitter e é puro talento. Aos 22 anos, foi motorista de táxi. Após um sequestro-relâmpago, abandonou a curta carreira e entrou no mundo do humor. Agora, à frente desse disputado posto, movimentará cerca de $30 milhões por ano, contando com um staff que esculpirá seu talento avassalador.