COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Decifra$ >
  4. Intervenção estatal: intensidade, forma e conteúdo

Intervenção estatal: intensidade, forma e conteúdo

terça-feira, 10 de junho de 2014

Atualizado em 9 de junho de 2014 12:40

O debate político no Brasil está longe de atender as ansiedades do distinto eleitor, aquele cidadão que deposita o seu voto na urna em função de problemas concretos e não em atendimento ao proselitismo político distante da realidade cotidiana da sociedade.

Se tem uma marca registrada do Brasil, sem que exista contestação à ela nos últimos dois séculos, esta marca é a desigualdade social. Além dos evidentes contornos econômicos do patrimonialismo oligárquico e do descaso das elites com a relação público-privado, a desigualdade assumiu nos últimos anos uma feição "moral" que tem movimentado os protestos recentes. Afinal, o cidadão comum está literalmente raivoso com as condições oferecidas por um Estado tomado por interesses privados que interditam o exercício da função pública do Estado. Do transporte à saúde, o que é público é muito ruim.

O interessante nesta constatação é que ainda existem crentes que a desigualdade brasileira possa ser superada reduzindo-se a participação do Estado neste processo. O traço deste pensamento é meramente ideológico e quando verificado na realidade observa-se que nada tem de ligação com a realidade. Do velho Império Britânico até os atuais tigres asiáticos, passando pelos EUA (não esqueçamos de Hamilton e Roosevelt!), todos adotaram políticas estatais ativas e relevantes para a superação da pobreza, da desigualdade, do atraso tecnológico e da ignorância. Nem cito a China especificamente porquanto país comunista escusa o exemplo.

Por aqui a coisa vai mal. Criou-se um falso debate sobre o tema. De um lado, os privatistas, Aécio Neves à frente, querendo libertar os empedernidos capitalistas prontos para solver as nossas necessidades. Em tese, apenas precisam de sinais governamentais para saírem à caça e, com efeito, desenvolverem o país. De outro lado, temos aqueles que creem que o Estado não é uma criação humana, mas uma criação divina, a partir da qual tudo que é privado contém um pecado original mais perigoso que o do Gênesis. A presidente Dilma Rousseff prestou enormes serviços a esta corrente de pensamento, com o agravante que, além do erro ideológico, cometeu erros primários de gestão, das tarifas públicas às concessões de serviços públicos.

O Brasil precisa urgentemente da terceira via de pensamento. É o que mostram as pesquisas eleitorais que mostram Aécio Neves estagnado, apesar da vasta torcida midiática, e Dilma cambaleante. Eduardo Campos, aquele que até seis meses atrás indicava aliados para exercer cargos no governo petista, não consegue alinhavar planos políticos e econômicos e sequer tece uma aliança razoável com a "sonhática" Marina Silva. Cerca de 1/3 do eleitorado vaga pelo deserto das ideias de nossos candidatos.

O Direito tem possibilidades concretas de dar uma contribuição teórica enorme ao debate político neste momento tão delicado do país. É preciso construir separações mais claras entre o público e o privado, para evitar as mazelas da corrupção, das transações maléficas ao bom funcionamento do mercado e ao prejuízo das políticas públicas necessárias ao saneamento da desigualdade imoral do Brasil. De outro lado, o direito tem de construir os necessários pontos de intersecção entre o público e o privado para que viabilizar o arranque do desenvolvimento brasileiro (e não apenas o "crescimento"). É preciso construir novas bases jurídicas para as Parcerias-Públicas-Privadas (PPPs), regras mais seguras (para o Estado e a inciativa privada) no caso das concessões de serviços públicos, contratos mais confiáveis nas licitações, uma legislação ambiental mais eficiente para os negócios e para a natureza, etc. Temos de sair das formas jurídicas carcomidas pelo tempo - veja-se a CLT - para padrões que incorporem o modelo vitorioso da Economia Social de Mercado. Este modelo aproveita o vigor produtivo do capital e o limita pelo interesse social historicamente construído. Trata-se de uma combinação de interesses e não de uma oposição entre estes. Neste sentido, o Estado é matriz essencial para a o afloramento, a direção e a regulação dos interesses de ambos os lados desta equação. Isso exige a competência política de atrair e conjugar os polos e a competência operacional de planejamento e execução de projetos. Tudo de olho no longo prazo. Foi assim que a Coréia do Sul e o Brasil: semelhantes no início dos anos 1970 se tornaram tão desiguais neste século XXI. A primeira aumentou a intervenção estatal na educação, tecnologia e na política industrial e atraiu capitais de todos os lados. O Brasil aumentou a contradição entre o capital e o trabalho, por meio de arcabouços político-jurídicos arcaicos e, com efeito, "atolou" o país em termos de desenvolvimento. É preciso mudar de geração política!

O país da Copa do Mundo parece estar torcendo nas arquibancadas da política, como se jogo Aécio versus Dilma nos levasse a algum lugar sem mudanças estruturais em novas bases e com novos atores. O Brasil não precisa de reformas. Precisa de um novo recomeço, em novas bases sociais e políticas. O atraso chegou por aqui há algum tempo e poucos estão dispostos a defenestrá-lo por meio de um New Deal.