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Sobre os tributos que devem ficar a cargo dos Estados e municípios

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Atualizado às 08:42

Jefferson Aparecido Dias

Nas duas últimas semanas, utilizamos esse espaço para fazer algumas considerações sobre uma possível reforma tributária que elimine a atual concentração de arrecadação na União e redistribua os resultados da cobrança de tributos entre os entes federados, em especial entre Estados e municípios.

Essa premissa foi traçada em razão de atualmente prevalecer uma lógica na qual os Estados e municípios, pressionados pelo aumento vertiginoso de suas atribuições, são obrigados a pleitear diuturnamente o repasse de recursos perante à União que, por ter a "chave do cofre", acaba ocupando posição de superioridade em relação aos outros entes federados, que vivem "com o pires na mão". Além disso, essa sistemática necessidade de transferências tributárias entre a União e os demais entes federados, lamentavelmente, tem levado a quadros de corrupção1.

Essa redistribuição dos valores arrecadados é imperiosa, pois é certo que "o dinheiro é tão necessário para as atenções da administração local como para as da União e as primeiras são pelo menos tão importantes como as segundas para felicidade do povo".2

Assim, como já defendido em outra oportunidade, é necessária uma correta divisão da arrecadação entre a União, os Estados e os municípios, impedindo a supremacia da União em face dos demais entes.

Além dessa proteção dos Estados e municípios em relação à União também é extremamente importante que sejam estabelecidos mecanismos que impeçam a guerra fiscal entre os próprios Estados e municípios, pois ela acaba retirando dos cofres públicos recursos imprescindíveis para que os serviços públicos essenciais sejam prestados de forma satisfatória.

Imaginemos, a título de exemplo, um Estado ou município que opte por conceder irresistível desoneração fiscal para que uma grande empresa instale seu parque industrial em seus domínios, com o objetivo de promover a geração de empregos.

É bem provável que essa geração de empregos acabe por aumentar o número de habitantes do município e mesmo do Estado, fazendo com que os serviços públicos sofram grande pressão para ampliar a sua capacidade de atendimento. O problema é que esta necessidade de incremento na oferta de serviços públicos depende do investimento de recursos públicos que, a despeito a instalação da indústria, não experimentam acréscimo em razão da benesse fiscal concedida.

Assim, se num primeiro momento a concessão de uma desoneração fiscal para a instalação de uma empresa possa parecer um excelente investimento, a longo prazo ela tende a corroer os serviços públicos e comprometer toda a garantia de direitos para os cidadãos, como saúde, educação, moradia, etc. Nesse sentido, Estados e municípios precisam ser protegidos de si mesmos, razão pela qual é premente que seja estabelecido um mecanismo que impeça a ocorrência de guerra fiscal e premie com maior repasse obrigatório os municípios e Estados que melhorem invistam em serviços públicos.

Dessa forma, a partir de índices de avaliação de qualidade dos serviços públicos prestados por municípios e Estados pode ser calculada a parcela de repasse dos valores do imposto de renda, por exemplo, tributo que defendemos que deve ter sua arrecadação dividida entre todos os entes federados.

Após o estabelecimento desses mecanismos para proteger os Estados e municípios, também deveriam ser revistas as atuais listas de tributos de competência de cada um deles.

Num primeiro momento, o ICMS, de competência do Estado e previsto no art. 155, inciso II, da Constituição (operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior), assim como o ISS, de competência do município e previsto no art. 156, inciso III, da Constituição (serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar), deveriam ser fundidos com o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), para a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), com alíquotas fixadas pela União e com arrecadação repartida entre União, Estados e municípios.

Além disso, parece-nos que deveriam ser extintos tanto o imposto incidente sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (de competência do Estado e previsto no art. 155, I, da Constituição), quanto o incidente sobre a transmissão "intervivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (de competência do município e previsto no art. 156, inciso II), uma vez que tais impostos, na verdade, acabam incentivando a subnotificação da mudança de domínio. A compensação pela perda tributária com tais tributos seria feita com o aumento de alíquotas do imposto de renda e a sua repartição entre União, Estados e municípios.

Por fim, os impostos sobre veículos automotores (IPVA - Estado) e sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU - Município) deveriam ser cobrados a partir de uma política de extrafiscalidade, ou seja, com "... a utilização dos tributos para ?ns outros que não os da simples arrecadação de meios para o Estado. Nesta hipótese, o tributo é instrumento de políticas econômicas, sociais, culturais, etc."3.

Nesse sentido, a título de exemplo, o IPVA somente deveria ser cobrado pelo Estado se o veículo fosse mais poluente do que determinado padrão estabelecido para proteger o meio ambiente e o IPTU, pelo município, se o imóvel não cumprisse sua função social, ou seja, não tivesse sendo efetivamente utilizado para o fim que se destina, seja ele residencial, comercial, etc.

Essa desoneração sobre a propriedade se justificaria pelo aumento da tributação sobre a renda, pois, afinal, o contribuinte somente consegue adquirir a propriedade de algum bem se tiver uma renda suficiente para tal aquisição.

Por fim, as mudanças aqui esboçadas têm como principal objetivo reduzir a níveis suportáveis a carga tributária brasileira e tornar compatíveis as atribuições e a arrecadação da União, Estados e municípios, pois, afinal, "... é tão necessário que os governos dos Estados [e municípios] possam dispor dos meios de satisfazer suas necessidades, como que o governo nacional possua a mesma faculdade com respeito às exigências da União."4

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1 OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges de. Por qual razão as transferências tributárias conduzem a quadros de corrupção? Disponível em: clique aqui. Acesso em 17/09/2018.

2 HAMILTON, Alexander. JAY, John. MADISON, James. Os federalistas. Rio de Janeiro : Editora Nacional de Direito, 1959, p. 122.

3 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso direito tributário brasileiro. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 181.

4 HAMILTON, Alexander. JAY, John. MADISON, James. Os federalistas. Rio de Janeiro : Editora Nacional de Direito, 1959, p. 122.