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O papel do Senado na nomeação de ministros do Supremo Tribunal Federal

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Atualizado às 08:07

Daniel Barile da Silveira

Estabelece a Constituição Federal que a nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal é tarefa do presidente da República, depois de aprovada a escolha por maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, CF/88). Eles serão escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Para tanto, o exercício desse controle demandado constitucionalmente é feito por uma Comissão Permanente, prevista no art. 72, inciso III do Regimento Interno do Senado, mais especificamente nominada de "Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania" - CCJ, sendo sua competência de julgamento acerca da escolha dos Ministros do STF descrita no art. 101, II, "i", ab initio, daquele diploma legal. É uma comissão composta de 27 titulares (art. 77, III, RISF - Regimento Interno do Sendo Federal) e são designados pelos líderes dos partidos políticos e pelo Presidente da Comissão, "tanto quanto possível, a participação proporcional representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação no Senado Federal" (art. 78, RISF).

Os procedimentos de "Escolha de Autoridades", nome este dado ao caso, estão descritos no art. 383 do Regimento, sendo ali previstas todas as etapas respectivas do apregoamento. A sessão é aberta com o quorum de, no mínimo, maioria de seus membros (art. 107, I, "c", RISF). Para tanto, o encaminhamento do nome do candidato ("Mensagem") é seguido de seu curriculum vitae, acompanhado de amplas informações genéricas sobre sua vida pretérita. A partir de então é indagado "sobre assuntos pertinentes ao desempenho do cargo a ser ocupado" (art. 383, inciso II, RISF).

A reunião será pública, sendo sua votação secreta, vedada a justificação ou esclarecimento do voto (art. 383, inciso VI, RISF), o que é feito após a sabatina do candidato. É esperado que lhe seja perguntado praticamente qualquer questão que esteja em intimidade com a aferição dos postulados do notável saber jurídico e da reputação ilibada, o que demonstra a amplitude do leque de questionamentos que se abre.

Assim, em resumo, no Brasil, o processo legal de escolha de um Ministro do Supremo Tribunal Federal segue um rito bastante pormenorizado. Envolve, especificamente, 4 etapas: 1. Aberta uma vaga no Supremo Tribunal, compete ao Presidente da República indicar um nome, ao seu livre arbítrio, desde que possa preencher os requisitos constitucionais antes mencionados, procedimento realizado através de uma Mensagem dirigida ao Senado Federal; 2. No Senado, a indicação é encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para emissão de parecer sobre a indicação (art. 101, inciso II, alínea "i", do RISF), de responsabilidade de um Relator designado, o qual fará a apresentação do candidato e de seus atributos curriculares e profissionais; 3. Ao final, submete-se o candidato a uma sabatina, realizada também na CCJ, pela qual será possível aferir a postura, o saber jurídico, a compreensão de vida e o currículo do indicado, quando então, uma vez deliberado em votação secreta, emite-se um relatório da Comissão sobre a aprovação do candidato. Este relatório é encaminhado ao Plenário do Senado Federal para votação definitiva, órgão soberano para deliberar sobre tal matéria; 4. Após a aprovação no Legislativo, o Presidente da República nomeia o candidato, marcando a data da posse (art. 84, XIV, da CF/88).

O caso da concordância do Senado Federal no processo de nomeação de Ministros é emblemático. Assim, compete o Senado exercê-lo de três formas diferentes, em três momentos diferentes: a) durante a leitura prévia do relatório pelo Presidente da Comissão e no decorrer da sabatina, na verificação do cumprimento dos requisitos constitucionais (em especial, notório saber jurídico e a reputação ilibada); b) na formulação de perguntas esparsas aos candidatos, no âmbito da sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para permitir conhecer o perfil profissional do escolhido, sua visão de mundo, seu modo de entender o Direito e seu provável comportamento jurisdicional, sua visão política, o conjunto de relacionamentos pessoais e políticos do candidato, bem como outros elementos de relevância, caso seja nomeado; c ) no momento da votação pelo Plenário do Senado do relatório encaminhado pela CCJ, com o parecer favorável, após a realização da sabatina.

Por mais que estas três oportunidades de averiguação do candidato possam ser realizadas, é praxe que todo o contexto de análise seja concentrado na sabatina. Tanto a leitura do relatório, feita de forma prévia, quanto a aprovação do Plenário da Casa em momento posterior à votação ocorrida na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça, ambos os atos possuem manifestações protocolares. São, portanto, os membros da Comissão de Constituição e Justiça que decidem os destinos dos Ministros indicados, através de sua deliberação secreta.

Este procedimento é formalizado e permanece vigente desde o início da Constituição de 88. Novidade interessante ocorreu em maio de 2015, quando então do agendamento da sabatina do atual Min. Luiz Edson Fachin, ocasião em que se permitiu, pela primeira vez, a participação da população através de sugestões de questionamentos ao indicado por meio da internet e telefone1. Conforme o site do Senado Federal, só nesta primeira tentativa, foram quase 700 participações de populares sugerindo perguntas para a sabatina. De tal modo, a participação popular encontra respaldo no art. 383, II, "c", do Regimento do Senado Federal, possibilitando ao relator do processo, inclusive, agendar uma audiência pública em consonância com as informações solicitadas e indagações propostas pelos cidadãos.

Entretanto, mesmo havendo um modelo hígido institucionalmente, em funcionamento há décadas, não é incomum se buscar a promoção de alterações no sistema. A exemplo, citam-se os projetos de Resolução do Senado 87/2012, do Senador Pedro Taques (PSDB-MT) , ou ainda a do Senador Aécio Neves (PSDB-MG), materializada no Projeto de Resolução do Senado nº. 35/2013. Estas propostas buscam permitir que os indicados possam efetuar um relato mais minucioso acerca dos procedimentos que os levaram à Corte, de maneira a poder tornar mais explícito o caminhar dos escolhidos para galgar aquele espaço tão seleto: visa, em realidade, permitir que os Senadores conheçam os relacionamentos e contatos mais importantes que ensejarão que o escolhido atinja o cargo mais alto do Judiciário brasileiro.

Entretanto, tais questões apesar de contribuir para o amadurecimento democrático na escolha de nossos juízes, não necessariamente encontram um respaldo prático de aprimoramento nestes longos anos de Constituição vigente.

Isto porque é importante notar que as sabatinas brasileiras são céleres e encomiásticas. Em estudo realizado por Taíse Sossai Paes acerca das sabatinas no Senado brasileiro dos anos de 2000 a 2011 (2011, p. 61 et seq.) e Silveira (2015) de 2011 a 2015, percebeu-se que a média das arguições é de quatro horas, e o conteúdo das sessões é extremamente ablativa, permeada de elogios e desejos de boa-aventurança no cargo a ser ocupado. Assim se mostra o estudo com a atualização até os dias atuais:

Quadro do tempo da sabatina dos Ministros no Senado Federal (2000-2018)

Fonte: Paes (2011) e Silveira (2015), bem como o Autor, nesta oportunidade.

Em análise do quadro acima, constata-se que apenas nos últimos anos tem sido apresentada uma sabatina mais longa, acima de 7 ou 11 horas. Notadamente, o tempo de discussão, embora seja um dado quantitativo, constitui-se verdadeiramente como um indicativo também qualitativo da profundidade das arguições com que se escolhe um Ministro em nosso país. Para se ter uma dimensão, concursos para provimento em cargos técnicos jurídicos ou mesmo exames acadêmicos em pós-graduações têm, em alguns casos, duração até maior que a média daqueles que têm por missão serem os guardiões de nosso sistema jurídico-constitucional.

Veja-se que, em termos comparativos, para citar a diferença, nos Estados Unidos a sabatina pode durar dias, ou mesmo meses, sendo um processo contínuo de debates. Na história constitucional americana há registro, por exemplo, de processos de sabatina que atravessaram 122 dias, como o do Justice Louis Brandeis. A juíza Elen Kagan, indicada pelo Presidente Barack Obama, em agosto de 2010, teve um percurso de sabatina de três dias. Sua antecessora, Sonia Sotomayor, indicada por Obama em 26 de maio de 2009, experienciou de 13 de julho a 28 de julho daquele ano as indagações dos Senadores, contando pouco mais de duas semanas de questionamentos e investigações sobre seu conhecimento jurídico, sua visão política e moral dos fatos, seus currículos acadêmico e profissional, bem como se posicionaria ao decidir questões polêmicas caso assumisse a Corte.

No Senado brasileiro, nota-se que os debates ali realizados têm se caracterizado pela ausência de discussões profundas sobre temas polêmicos, limitando-se a questionamentos formais, tais quais as de bancas examinadoras de provas e títulos, quando muito. Neste tempo, longas perorações e fartos elogios tomam conta de boa parte da sabatina, transformando o cenário solene de questionamentos em uma atmosfera celebrativa de apoio e desejos faustosos para o bom exercício do cargo. Perguntas, quando são feitas pelos Senadores, são formais, sendo que em muitos casos não refletem questões fundamentais da República ou de avaliação da posição do indicado sobre assuntos relevantes. No que se refere à vida pessoal e à trajetória profissional, uma boa parcela dos questionamentos são direcionados ao nível de discussões partidárias, no sentido de investigar como a vida pregressa e a circulação política antecessora do candidato influenciariam em sua provável confirmação para a Corte.

Como consequência, além da rapidez, predomina a ausência de réplicas ou debates mais substanciais e, em especial, a falta de amadurecimento dessas discussões para o conhecimento do candidato. Em um único dia, em poucas horas, todo o processo de nomeação é resolvido, sem mais tempo para a reflexão das respostas e a discussão sobre a postura assumida do indicado em questões fundamentais. Um mal-estar na saúde do aspirante e o processo da escolha do sucessor para o cargo judiciário mais alto da Nação poderá estar perdido.

Na história republicana brasileira, ao longo de 114 anos (1889 a 2003), o Senado Federal, durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894), rejeitou cinco (5) indicações presidenciais, negando aprovação a atos de nomeação, para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, das seguintes pessoas: (1) Barata Ribeiro, (2) Innocêncio Galvão de Queiroz, (3) Ewerton Quadros, (4) Antônio Sève Navarro e (5) Demosthenes da Silveira Lobo. O primeiro, médico, teve rejeição por pressões políticas dominantes. Os demais sofreram a mesma pressão pela rejeição, especialmente por advirem da ala de generais, avessa à discussão mais técnica e grave do Supremo. Na história constitucional recente do último século, o Senado não rejeitou a nomeação de nenhum dos indicados pelo Presidente.

De tal maneira, ao que se vê, o Senado falta cumprir com o seu papel. Mesmo designado constitucionalmente para cumprir a tarefa de fiscalizar o nome escolhido, vem faltando com o seu dever, desde sempre. Isto porque as sabatinas não conseguem avaliar com profundidade a capacidade jurídica e o posicionamento político do candidato, reservando-se boa parte das rápidas sessões a um conjunto de elogios e conversas formais protocolares.

Por mais que os últimos anos demonstrem uma tímida mudança, com sabatinas mais longas e com a adesão popular com a possibilidade de perguntar-se ao candidato, não se vê que tais instrumentos tenham alterado significativamente o modelo existente. Esta característica, iniciada no logo após-88, ainda mina a democracia atual, com uma sina, que merece urgentemente ser revista.

Referências

PAES, Taíse Sossai. A influência do processo de escolha dos ministros da Suprema Corte na judicialização da política: uma análise empírica do procedimento da sabatina dos indicados para o Supremo Tribunal Federal. Dissertação (Mestrado em Poder Judiciário). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2011.

SILVEIRA, Daniel Barile da. O poder contramajoritário do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Atlas, 2016.

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1 As participações são feitas por meio eletrônico no "Portal e-Cidadania" ou por via telefônica no "Alô Senado" (0800 61 22 11), pelo qual os cidadãos podem enviar perguntas e informações sobre o candidato.