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Fatos e fitas: Um teto para a faculdade

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Atualizado às 08:26

Depois da dissolução da Assembleia Constituinte em 1823, o Parlamento voltou a se instalar e em janeiro de 1825 a questão da instalação de cursos superiores no Brasil foi retomada, agora já com a definição de que seriam cursos de Direito.

O Poder Executivo apresentou um projeto que previa o Rio de Janeiro como a cidade habilitada a acolher a primeira Faculdade de Direito do país. O autor do projeto foi o ministro do Império, Estevam Ribeiro de Rezende, Marques de Valença. A proposta não foi sequer discutida, uma vez que a Constituição recém-outorgada previa a competência do Legislativo para matérias pertinentes ao ensino.

Um ano e meio após, em junho de 1826, um outro projeto foi oferecido. As discussões voltaram a girar em torno do local. Destacaram-se a favor de São Paulo os deputados Batista Pereira e Nicolau de Campos Vergueiro.

Um dos argumentos contrários à instalação em São Paulo, chamou a atenção e provocou pronta reação a afirmação de que deveria ser a cidade do Rio de Janeiro a escolhida, pois este seria o desejo do governo central.

Indagou-se: "Então, o governo é quem dirige o corpo legislativo"? Ponderações extensas foram por vários parlamentares expendidas, no sentido de mostrar-se a autonomia do Legislativo e a não aceitação de interferência do Executivo em questões de sua alçada.

Observa-se que as intromissões de um Poder do Estado em outro é uma constante na história das instituições brasileiras. Nos dias de hoje, elas se acentuaram de tal forma que estão pondo em risco a normalidade política e constitucional, com sérios riscos de haver uma ruptura institucional.

Está havendo, no entanto, uma agravante em relação a tempos pretéritos: o Poder Judiciário, único que sempre se manteve dentro dos rigorosos limites de suas funções naturais, está claramente avançando sobre competências que ultrapassam as suas, por razões as mais diversas, mas que tem no protagonismo de seus integrantes uma das mais evidentes. O inusitado ativismo político e o discurso correspondente parecem indicar que alguns membros do Poder Judiciário possuem uma vocação política, que é incompatível com a natural vocação dos juízes de distribuir justiça de forma imparcial e independente. Esta missão, por seu turno, deve ser executada com comedimento e recato.

Em 1826, na verdade, não foi apresentado um novo, mas reapresentado o projeto discutido na extinta Assembleia Constituinte, com algumas alterações. O autor da iniciativa foi o deputado por Minas Gerais Lúcio Soares Teixeira de Gouveia. Depois de amplamente debatido por uma Comissão, foi apresentado um Projeto de Lei criando os cursos. Previa ele o Rio de Janeiro como cidade sede.

No entanto, em plenário as discussões continuaram a se dar em torno da localização da nova Faculdade, pois não houve aceitação do Rio de Janeiro.

Paralelamente, discutiu-se a grade de matérias, com exclusão de algumas constantes do projeto original e a inclusão de outras. Houve, também, dissenção sobre a remuneração dos professores da novel Faculdade. Uma corrente defendia que os professores tivessem a mesma remuneração e as honras dos desembargadores dos Tribunais da Relação das Províncias. Outra, no entanto, se opunha a essa equiparação. Prevaleceu a primeira.

Foi apresentada uma emenda, para que os cursos fossem instalados em São Paulo e em Olinda. Finalmente, em 11 de agosto de 1827 o Brasil passou a ter Faculdades de Direito nas duas cidades, sendo que a de Olinda, posteriormente, foi transferida para Recife.

Em São Paulo, foi escolhido o Convento de São Francisco para sediar o curso recém- criado. Foram, também, cogitados outros dois conventos existentes na cidade: de São Bento e do Carmo. O de São Francisco, segundos incumbidos da escolha, era aquele que apresentava melhores condições. As suas dependências poderiam ser adaptadas às salas de aula e aos locais para abrigar a administração. Ademais os frades poderiam lá permanecer, em dependências isoladas. Por outro lado, possuía uma biblioteca com, aproximadamente, seis mil volumes. Esta biblioteca antecedeu a instalação dos cursos de Direito, pois foi criada pelo governo provincial, em 1825, no mesmo convento de São Francisco.

A construção era, como de resto todas as demais daquela época, de argila misturada e socada com areia, que possibilitava edificações resistentes denominadas de taipas.

Havia um pátio ao céu aberto, cercado por colunas, que resistiu a um incêndio e às reformas do prédio e tornou-se símbolo de ativismo cívico e político, e também de agregação e de confraternização. Era e é o chamado "jardim de pedras", que veio a constituir o centro e a alma da Academia.

Incumbido da escolha do local para sediar a Faculdade em São Paulo, o Tenente Coronel José Arouche de Toledo Rendon, nomeado diretor da nova instituição, juntamente com José Maria de Avelar Brandão, escolhido o seu primeiro professor, após pesquisar os três Conventos excluiu os outros dois mencionados por entender serem pequenas as suas dependências, fato que levaria à demolição e consequente expulsão dos frades.

O diretor Toledo Rendon quando propôs o Convento de São Francisco afirmou que o local abrigaria "interinamente a Faculdade de Direito", pois "S. Majestade Imperial mandará depos formar este estabelecimento em lugar próprio, e que tenha não só as comodidades para um curso jurídico, como também para outras Faculdades, que se julgarem necessárias".

A "interinidade" da Faculdade de Direito de São Francisco já dura, desde sua inauguração em março de l828, cento e noventa anos. No século vinte, tentou-se retira-la do velho Convento. Uma corrente humana de verdadeiros franciscanos fez um cerco protetor ao venerando prédio e enterrou a infeliz iniciativa.

Com pompa e circunstância, em 1 de março de 1828, houve a instalação solene do curso de Direito, que representava o marco inicial de nossa independência cultural. O local não abrigaria apenas o saber jurídico, mas seria um espaço consagrado à ampla discussão de ideias; à fértil criação artística; ao livre discorrer dos ideais libertários; à produção jornalística e a um abrangente debate político.

Sem embargo do rígido cerimonial e dos longos discursos, os organizadores ofereceram uma festa, com farta mesa, que "esteve franqueada a todo o povo". Assim, a Academia de Direito se abria, desde seu nascedouro, ao povo, como um local de irradiação do Direito, da Justiça e da Liberdade.

A festa contou com um recital de poesias, música e com a execução de um hino composto para a ocasião. Houve, ainda, um Te Deum em ação de graças, na então Catedral de São Paulo.

Nesta ocasião, houve a instalação do curso anexo à Faculdade, igualmente criado pela lei de 11 de agosto de 1827. Seu objetivo era preparar os jovens, a partir dos quinze anos, para o ingresso na Faculdade. O curso anexo passou a ser denominado de "curral dos bichos" e as aulas lá ministradas eram "aulas menores", ao passo que as de Direito eram as "aulas maiores". Nesse curso eram ministradas aulas de geografia, história, filosofia dentre outras matérias.

Esclareça-se que a instalação da Faculdade de Olinda se deu em 15 de maio de 1828. Portanto, se ambas foram criadas por lei em 11 de agosto de 1827, o pioneirismo da instalação e do início das aulas pertence à Faculdade de São Paulo, inaugurada, como se viu em 1º de março.