COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. PI Migalhas >
  4. A tutela do esforço pelo Direito Autoral

A tutela do esforço pelo Direito Autoral

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Atualizado às 09:17

Luciano Andrade Pinheiro

No último dia 6 de maio, o sítio do Tribunal Superior do Trabalho na internet divulgou notícia de um julgamento ocorrido na Terceira Turma do Tribunal, que envolveu uma discussão interessante na seara do Direito Autoral. Travou-se no processo uma celeuma sobre o que caracteriza uma obra intelectual protegida pelo direito de autor e o que confere ao titular as prerrogativas inerentes à autoria.

Narra a notícia, que uma trabalhadora do ramo editorial de apostilas pleiteava na Justiça do Trabalho a condenação de sua empregadora por danos materiais e morais advindos de seu alegado trabalho intelectual na organização de apostilas. Segundo a notícia, que pode ser conferida aqui, o trabalho dela era coletar as apostilas dos professores e reuni-las em uma publicação. Entendeu a empregada, que era titular do direito de ter seu nome publicado na veiculação das obras e ainda uma compensação financeira pela venda da compilação.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª região confirmou a sentença, que julgou improcedente o pedido, entendendo que a reclamante desenvolveu trabalho eminentemente técnico, não reunindo, em outras palavras, esforço intelectual para caracterizá-la com autora ou co-autora das obras.

O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, no ponto específico do recurso de revista que discutia o Direito Autoral, não conheceu do apelo por entender que a modificação da decisão era vedada pela súmula 126, posto que importaria em revolvimento de fatos e provas.

O caso chama atenção pela precisão conceitual que foi decidido. Apesar de incomuns na Justiça do Trabalho, os processos envolvendo direito autoral do trabalhador encerram discussões interessantes. Neste, como visto, o debate é qual o tipo de "trabalho" torna a pessoa titular de direito autoral. Ou melhor, qual o tipo de esforço é capaz de conceber uma obra e gerar direito.

Vale como reforço para a aprendizagem, relembrar uma decisão da Suprema Corte Americana que é paradigmática para o Direito Autoral. Trata-se do caso julgado em 1991 envolvendo duas empresas do ramo de telefonia, conhecido nos Estados Unidos e no resto do mundo que se interessa pelo direito de autor como Feist v. Rural Telephonic.

A Rural Telephonic Service Company publicava um catálogo com nome, endereço e números de telefone da zona rural de uma determinada área no estado do Kansas nos Estados Unidos. A Feist Publications, empresa que atuava no mesmo mercado com abrangência geográfica maior, tentou obter licença de uso da lista telefônica elaborada pela Rural. Tal lista faria parte de outra maior editada pela Feist. A Rural negou a licença, mas percebeu que no ano seguinte a Feist passou a imprimir, coincidentemente, lista bastante parecida com a sua.

A Rural demandou judicialmente contra a Feist por suposta violação de copyright - o nosso equivalente direito autoral, com algumas diferenças. Duas Cortes inferiores julgaram o pedido procedente, mas o destino da ação foi a Suprema Corte dos Estados Unidos que aceitou julgar o caso e estabeleceu uma linha de decidir, que é a mesma adotada no julgamento ocorrido no processo brasileiro mencionado acima.

A suprema corte americana decidiu que uma compilação não é, por si só, objeto de proteção pelo copyright, afirmando ser imprescindível um resultado original na coordenação e disposição dos dados, posto não haver proteção sobre fatos ou ideias. Disse mais, instituiu que o investimento na produção de uma compilação por maior que seja, não é suficiente para gerar proteção. Cunhou a expressão swet of the brow, literalmente "suor do rosto", para afirmar que o esforço físico e o dispêndio de dinheiro para criar uma compilação não são requisitos para transformar alguém em titular de direitos na seara do copyright.

O direito brasileiro segue a mesma linha. O esforço físico, o dispêndio de tempo e de dinheiro não são capazes, por si, de transformar alguém em titular de direito autoral. Para nós, uma obra somente é assim considerada e, portanto, capaz de gerar direitos se, na sua concepção, for identificada um esforço intelectual original e criativo.

A originalidade, contudo, não é sinônimo de novidade. A obra pode ser original, mas não necessariamente nova. Novidade é requisito para a obtenção dos direitos relativos ao ramo da propriedade industrial (marcas e patentes) e não do direito autoral. Para uma obra ser original, afinal, importa saber se ela tem traços característicos próprios que a diferenciem de uma pré-existente. Se dois pintores que utilizam a mesma técnica, põem-se diante da mesma paisagem e, na mesma hora, pintam cada um a sua tela, teremos o nascimento de duas obras igualmente protegidas pelo direito autoral. Não importa se o tema é recorrente, o que importa é a peculiaridade de cada obra. Cada tela terá sua identidade, suas cores, seus traços.

Há graus de originalidade. Uma criação pode conter mais ou menos originalidade de acordo com a capacidade criativa do autor, mas isso não importará em mais ou menos proteção. Para haver proteção autoral plena bastará que não seja cópia fiel ou disfarçada de outra anterior. O trabalho pode ter um mínimo de originalidade e receberá, sem restrições, todas as faculdades inerentes à autoria. Ter originalidade, explica Carlos Alberto Bittar, é possuir "componentes individualizadores de tal sorte a não se confundir com outra preexistente" (Bittar, p. 23).

A análise para a certificação da tutela autoral com relação à originalidade vai depender da natureza da obra. Se a obra é musical a originalidade deve revelar-se na melodia, se científica na forma do texto, se de artes plásticas na singularidade dos traços adotados, apenas para citar alguns exemplos.

Já com relação à criatividade no esforço intelectual, como se pode explicar que um telegrama de despedida não é protegido pelo direito autoral, enquanto que o poema A Carta de Manoel Bandeira é digno de receber o status de criação intelectual e a gozar de toda proteção da legislação autoral? É justamente nesse requisito que reside a resposta. Aqui se explica, enfim, que um ato mecânico de repetição não pode ser enquadrado como obra intelectual protegida pelo direito autoral por faltar-lhe um esforço de criador mínimo exigível.

A criatividade não envolve análise meritória do autor ou de valor acerca da obra. Cabe apenas à crítica especializada, aos literatos e até ao público decidir se uma obra será ou não valorizada, se ela é boa ou ruim, se durará ou se terá uma passagem efêmera, se merecerá, enfim, ser lembrada ou cairá no esquecimento no mesmo rompante em que apareceu (Lipszyc, p. 66).

O Direito é indiferente à fama ou à formação do autor, é irrelevante avaliação subjetiva de ser a obra boa ou ruim. Para o sistema autoral, o mérito não importa. Não se pode valer-se de algum juízo estético para avaliar se a obra é ou não protegida pelo direito autoral. Até aquelas de gosto duvidoso devem e serão protegidas pelo direito autoral, desde que contenha um mínimo de originalidade e de criatividade (Lipszyc, p. 67).

A criatividade se revela no ato de criador e se traduz no detalhe que o autor acrescenta à realidade. José de Oliveira Ascensão explica que "quando é o objeto que comanda em vez de o papel predominante ser o da visão do autor saímos do âmbito da tutela", arrematando mais adiante: "por isso, dissemos já também que, se alguém deixar uma câmara de filmar aberta sobre o público, o filme daí resultante não é uma obra, é a tradução servil da realidade, sem haver marca pessoal na sua captação". (Ascensão, p. 57).

Escrever repetindo a realidade não é ato capaz de produzir uma obra intelectual. A mera descrição de um fato é ato mecânico que não importa em esforço intelectual. Para Carlos Alberto Bittar, a criatividade exigida para a proteção autoral assim se traduz: "a obra deve resultar de esforço intelectual, ou seja, de atividade criadora do autor, com a qual introduz na realidade fática manifestação intelectual estética não existente (o plus que acresce ao acervo comum)" (Bittar, p. 23). A criatividade, em outras palavras, é o esforço intelectual que destaca a individualidade do autor. É o traço característico marcante da autoria.

Com propriedade, Bruno Jorge Hammes afirma que "Não é protegível o efeito de um trabalho físico" (Hammes, p. 51). A mera repetição, a simples descrição não é o gerador da proteção.

O que diferencia a criatividade da originalidade é que a primeira é o toque do autor para transformar o quase nada em obra intelectual. A originalidade, por seu turno, é o que vai diferenciar uma obra de outra já reconhecida, protegida e, portanto, preexistente. A criatividade está ligada a um elemento interno da obra (conteúdo), enquanto que a originalidade se revela na forma. Da conjugação das duas é que teremos a verdadeira obra intelectual protegida pelo direito autoral. Dessa união indissolúvel é que nasce a proteção.

Voltando ao caso decidido no TST e por fim, vale lembrar que é possível conceber direito autoral daquele que coleciona com critério e agrupa em uma ordem outras obras. A tarefa, entretanto, precisa guardar um mínimo de criatividade e originalidade, que parece não ter havido no trabalho da empregada reclamante. O direito autoral, como dito, não recompensa o esforço físico, apenas o intelectual.

Referências :

Bittar, C. A. (1992). Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Hammes, B. J. (2002). O direito de propriedade intelectual (3 ed.). São Leopoldo: Unisinos.

Lipszyc, D. (2001). Derechos de autor y derechos conexos. Paris: Unesco; Cerlalc; Zavalia.