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Porandubas nº 560

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Atualizado às 07:05

Abro a Coluna com uma historinha da Bahia.

O medo do aperto de mão

O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas-festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005."

O deputado recebeu a resposta. E até hoje espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão.

Hoje tem espetáculo

Vamos ao hit dos tempos de criança. O palhaço, montado sobre cavaletes, movimentando-se de forma capenga, gritava a pergunta para a criançada atrás dele: "hoje tem espetáculo?" A galera respondia: "tem sim, senhor". Pois bem, hoje tem espetáculo em Porto Alegre. Que dá direito a ver atiradores de elite, policiais encouraçados, exércitos do MST e da CUT berrando slogans e agitando bandeirinhas vermelhas, militantes petistas, sob o comando da "guerrilheira" Gleisi Hoffmann, suando suas camisetas, palavras de ordem jogadas a torto e a direito. Em São Paulo, depois de participar, ontem, de comício em Porto Alegre, o principal ator - ele mesmo, Luiz Inácio - deverá subir ao palco para desfechar tiros verbais contra o Judiciário, vestindo o manto de vítima, caso tenha recebido condenação. Se for inocentado, vai dizer que a justiça se cumpriu. O julgamento de Lula pelo TRF da 4ª Região é o evento que abre a campanha petista.

A agitação política

Não poderia ser melhor este espetáculo para o jogo premeditado do PT: abrir com pompa a campanha petista no país, tendo como protagonista maior o comandante-em-chefe do petismo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT quer não apenas sobreviver no meio da borrasca, mas fazer o que for possível para manter e até aumentar suas bancadas nos Estados e no Congresso Nacional. Candidato ou não, Lula já foi entronizado como o símbolo da campanha: vítima das elites, perseguido por um Judiciário venal, predestinado que puxou o Brasil para o Olimpo da felicidade. Esse será o discurso que já se ouve por todos os lados.

Firulas jurídicas

O fato é que se Lula for condenado, hoje, as firulas jurídicas darão o tom dos próximos tempos. Embargos de declaração, embargos infringentes, recursos ao próprio TRF4, recursos ao STJ, ao TSE e até ao STF constam da pauta do PT. O Brasil acompanhará, de norte a sul, o bombardeio expressivo do petismo, sob aplausos de grupos de operadores do Direito que simpatizam com Lula, grupinhos de intelectuais e artistas que o idolatram, tapando os olhos para o maior processo de corrupção de toda a história brasileira, cujo epicentro nasceu e tomou corpo na era lulodilmista.

Ir às urnas?

Este consultor concorda com a tese de que as coisas não devem ser misturadas: uma coisa é a condenação ou absolvição pela Justiça, outra é o desejo de muitos de que Lula vá às urnas e seja derrotado. Uma situação não pode substituir a outra. Como se fosse possível trocar os corredores da Justiça pelas ruas. Lula deve ser julgado, como todos os outros implicados em denúncias, sem exceção. Absolvido, pode, sim, se submeter ao crivo do sufrágio universal. Pelo barulho que está fazendo, até parece que o petismo desejaria, no íntimo de muitos de seus quadros, que Lula não fosse candidato. Ou perdesse nas urnas. Seria uma oportunidade para se reciclar.

A judicialização da política

Não é preciso que as pessoas sejam doutas e com denso estofo jurídico para concluir que o Brasil aprofunda, a cada episódio envolvendo quadros do Judiciário decidindo sobre questões políticas, o que se chama de "judicialização da política". Que significa o modus faciendi da política sob os ditames do Judiciário. Caso exemplar é esse da proibição da posse da nomeada ministra do Trabalho, Cristiane Brasil. Pois bem, um juiz de primeira instância fez o primeiro impedimento. Depois, dois desembargadores da 2ª instância mantiveram a proibição. Um desembargador do STJ despachou favoravelmente e a ministra, ufa, se preparou para tomar posse anteontem. Advogados impetraram recurso junto ao STF. E a presidente daquela Corte, ministra Cármen Lúcia, decidiu sustar a posse.

Interferência

Ora, fica clara a interpenetração de funções. Nomear ministro é prerrogativa exclusiva do presidente da República. Se a pessoa nomeada tem ou teve problemas com a Justiça, que a deusa Têmis, com sua balança e sua espada, use seu poder em julgamento obedecendo aos parâmetros do Judiciário. Se for condenada mais adiante, deixe o posto para o qual foi indicada. Imaginemos, agora, a hipótese. Até 15 de março, o presidente deve nomear 15 novos ministros, em lugar dos atuais que serão candidatos em outubro. Pois bem, em tese, e na esteira do que acabamos de assistir, um juiz de 1ª instância poderá simplesmente impedir a nomeação dos 15, caso enxergue em todos eles passagem pelos corredores do Judiciário. Por que isso ocorre?

Espetacularização

Esses fatos ocorrem porque o Brasil atravessa imensa crise e a classe política sofre apupos da sociedade. Promotores e juízes, nesse contexto de deterioração ética e moral, passam a ser vistos como os expurgadores do Mal, anjos a fustigar demônios. Evidentemente, o espelho de Narciso é tirado dos armários para que os operadores do Direito nele se vejam. Ganhar visibilidade, receber aplausos da sociedade e da mídia, cantar Hosana nas Alturas - são situações que fazem parte do Estado-Espetáculo e acendem a fogueira das vaidades de muitos. Este consultor veria outro cenário, de menor interferência de um Poder em outro, caso a classe política estivesse, hoje, sob o conforto dos aplausos da sociedade.

Bolívar

O timoneiro Simon Bolívar tinha sua inspiração. Eis um pensamento para retratar a América Latina: "Não há boa-fé na América nem entre os homens, nem entre as Nações. Os tratados são papéis, as Constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida é um tormento". A expressão, apesar de rigorosa, exibe traços de uma desorganização institucional, que propicia a luta do "poder pelo poder", o excesso de detalhes de nossa Constituição, na qual os grupamentos organizados da sociedade cunharam sua assinatura, e os excessos burocráticos.

O Brasil em Davos

O presidente Michel Temer, ministros do governo, a partir de Henrique Meirelles, o prefeito João Doria e empresários brasileiros estão em Davos, na Suíça, para participar do anual evento que reúne as lideranças do planeta. Vale acentuar que as agendas dos representantes brasileiros estão lotadas de compromissos e audiências pedidas por interlocutores de muitos países. Em suma, o Brasil desperta o interesse dos investidores.

Ficha limpa

O julgamento de Lula, hoje, deixa a lei da Ficha Limpa sob acurada observação. Ganhará força ou será desmoralizada. As próximas semanas serão decisivas para se firmar esta hipótese.

Ovelhas

John Stuart Mill, um dos pensadores liberais mais influentes do século 19, classificava os cidadãos em ativos e passivos, aduzindo que os governantes preferem os segundos, mas a democracia necessita dos primeiros. A comparação do filósofo inglês, pinçada por Norberto Bobbio em seu livro O Futuro da Democracia, expressa, ainda, a ideia de que os súditos são transformados num bando de ovelhas a pastar capim uma ao lado da outra. Ao que Bobbio acrescenta: "Ovelhas que não reclamam nem mesmo quando o capim é escasso." Pois bem, por estas bandas, a imagem do grande cientista político continua viva. Equinos, caprinos e bovinos continuam nos currais aguardando capim farto. Haja capim.

Algemas do Cabral

Humilhação. Esta é a obvia observação que se tira da imagem das algemas nas mãos e nos pés do ex-governador Sérgio Cabral em sua chegada à Curitiba, vindo do Rio. Juízes querem saber os motivos que levaram a PF a algemar desse jeito o preso. Segurança, alega a PF. Segurança contra eventual atitude de Cabral ao reagir a curiosos que poderiam querer avançar sobre ele. Mas os policiais, eles próprios, não poderiam entrar em ação, caso isso ocorresse? Mais uma ação do Estado-Espetáculo.

A febre amarela

Oswaldo Cruz, o grande sanitarista que honra a galeria do combate às endemias e epidemias, debelou a febre amarela no Rio de Janeiro em 1903. Depois liderou o combate à varíola, sob a revolta de uma população que temia se vacinar. Hoje, vemos a população batendo as portas de estabelecimentos hospitalares para receber a vacina contra a... febre amarela. O Brasil vive a Síndrome do Eterno Retorno.

Previdência

O déficit da Previdência da União (INSS e servidores) atingiu R$ 268,798 bilhões em 2017. E ainda há gente que acha esse rombo uma quimera. Os Estados estão falidos. Seus sistemas previdenciários sem condições de aguentar o pagamento da folha dos servidores aposentados. E os deputados federais dizem que a reforma da Previdência é impopular. Ora, impopulares serão eles quando começarem a enfrentar a gritaria de aposentados que não recebem seu benefício por causa de cofres estaduais vazios.