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Nelson Mannrich, do Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais, do Felsberg afirma que a CLT não serve mais

Nelson Mannrich, sócio e titular da área Trabalhista do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais, discute a ineficiência gerada pela lei trabalhista brasileira, a CLT, de 1° de maio de 1943.

Da Redação

segunda-feira, 8 de março de 2010

Atualizado em 5 de março de 2010 13:14

 


Podcast

Nelson Mannrich, do Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais, do Felsberg afirma que a CLT não serve mais

Nelson Mannrich, sócio e titular da área Trabalhista do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais, discute a ineficiência gerada pela lei trabalhista brasileira, a CLT, de 1° de maio de 1943.

Em matéria concedida para o podcast do site da empresa Rio Bravo Investimentos (clique aqui), o professor comenta ainda exemplos de insegurança jurídica, as tentativas de reforma e a experiência de países que tiveram vontade política para mudar suas leis.

  • Aperte o player e confira abaixo a entrevista.

 

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1Professor, antes de entrar no nosso tema de hoje, eu queria saber uma coisa. A sua dedicação a questões trabalhistas não começou aqui no Felsberg. O senhor foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema entre 1975 e 1979, um período que acabou sendo histórico para o sindicato porque o hoje presidente Lula foi eleito presidente daquele sindicato também em 1975. Que lembranças o senhor guarda dessa época?

A lembrança de um sonho que não se realizou; da transformação do sindicalismo no Brasil, que foi a bandeira que o Lula utilizou para seguir a carreira que seguiu e depois ele abandonou todo aquele sonho que todos nós ajudamos, digamos, a sonhar com ele, infelizmente.

2 - E o senhor acha que o sindicalismo mudou muito de lá para cá?

Ele não mudou, ele apenas se aperfeiçoou na tática do clientelismo e de como se manter sem se mudar em nada. Porque eles vivem de uma representação exclusiva e de arrecadação; eles têm o monopólio da representação e a garantia da receita. Que empresário não gostaria disso?

3 Mas essa lógica que rege o sindicalismo não é assim no mundo todo?

Não é. No mundo inteiro - quando falo assim, falo na Europa, que tem um modelo sindical revolucionário, que nós copiamos bastante: prevalece o princípio da liberdade sindical. Ou seja, o trabalhador se reúne de acordo com a ideologia dele dentro do sindicato que ele entende que melhor o representa, então eu tenho pluralidade sindical. É possível, por exemplo, que dentro de uma mesma empresa haja mais de um sindicato representativo dos trabalhadores, isso tem dificuldades práticas, não tenha dúvida. Mas sempre há uma solução, porque passa pela liberdade dentro da democracia. É melhor do que uma ditadura. E tem outro modelo que é o dos EUA, basicamente, que é modelo do sindicato chamado pragmático. É resultado. Então não interessa muito essa história quem é que vai fazer, e sim, o que é que você vai agregar pra mim como resultado na minha negociação.

4 - Nesse sentido o senhor acha que o Brasil tem o pior modelo dos dois modelos?

Não tem nenhum. Nós temos um sindicalismo que na verdade apenas leva em conta os interesses do sindicato. Não leva em conta o interesse da empresa, não leva em conta o interesse do Estado, não leva em conta o interesse do próprio empregado. Estou fazendo uma generalização, o que é perigoso. Temos bons sindicatos. Eu trabalhei no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que sempre foi uma referência no Brasil. Ele tem seriedade. Os empresários, eu não sei hoje, mas eu ainda escuto um pouco, eles preferem negociar com eles, a estar sobre a égide pura da CLT. Hoje temos um projeto que avança muito nesse sentido. Provavelmente vamos falar um pouco daqui pra frente. Mas de um modo geral, com a legalização das centrais sindicais, Lula colocou uma pá de cal na história do sindicalismo, que ele não vai fazer nada para esta mudança. Porque ele legitimou as centrais sindicais a praticamente gerenciarem o sistema e agora não há nenhum estímulo mais para alguém tentar fazer alguma mudança. Porque quem estava fora eram as centrais. Elas queriam um pedaço e conseguiram. O Estado abriu mão de uma parte da receita e eles hoje arrecadam mais de R$ 1 bilhão. É muito dinheiro. Então, eles não precisam prestar conta de nada disso. Digamos que esse foi o epílogo triste de uma história de um sindicalismo que não existiu no Brasil, da reforma de um sindicalismo que não existiu no Brasil. Lamentável.

5 - A principal lei trabalhista brasileira, a CLT, é de 1943. O senhor acha que a proteção ao trabalhador, como é feita pela lei, atende aos interesses do trabalhador e da sociedade em geral?

Não atende mais. Ela está ultrapassada. Porque tivemos mudanças ideológicas. Aquela matriz ideológica sofreu uma alteração radical. Não existe mais aquele mundo do trabalho que havia naquela época, é o segundo ponto. E o terceiro ponto: hoje o trabalhador, além de cidadão, é um ser humano. Essa dupla perspectiva praticamente está fora da CLT. Que nós resgatamos, digamos assim, com as transformações da sociedade, e isso é refletido na Constituição de 88. Então, a CLT está desatualizada, defasada.

6 Existem projetos ou anteprojetos para mudar a CLT?

Muitos projetos; nenhum vai pra frente. Porque há um corporativismo muito grande. Há, digamos assim, todos puxando, cada um puxando para seu lado, e não sai vai para lugar nenhum.

7Todos são quem?

Todos. Os empresários não querem mudanças. Cá entre nós. Porque para eles é cômodo. Nós temos de colocar o dedo na ferida.  Porque hoje a empresa, se não registrar o empregado, bem ou mal, amanhã faz um acordo na Justiça do Trabalho e resolveu o problema. Nessa questão dos encargos trabalhistas, existe o jeito brasileiro para tudo. Não recolhe ou não paga todo salário. Encontra uma forma de resolver aquilo que a reforma não trás. E o empresário acaba fazendo, digamos, reforma unilateral. E é verdade, acaba defendendo os interesses dele. Já que não tem conversa nem com os sindicatos e nem com o próprio Estado, a empresa não pode parar, ela tem que competir, tem que ser global, então ela tem que sobreviver e ela encontrou uma forma de sobrevivência e está sobrevivendo dessa forma. Então, se ficar assim também não é muito difícil para o empresário continuar sobrevivendo. Para o empregado, porque hoje quem é o empregado? É uma minoria que tem emprego. Se mudar, ele diz "puxa vai mudar, vai ter a garantia do meu emprego, então não quero que mude, quero que fique como está". O Estado também não quer que mude porque veja, por exemplo, a Justiça do Trabalho, nós criamos um aparato todo para receber o trabalhador, como a outra porta que é o Ministério do Trabalho, dessa visão protecionista do Estado, o grande pai, que protege o trabalhador, e encontra, digamos assim, o refúgio lá. Então eu tenho a Justiça do Trabalho. Veja em São Paulo hoje, nós estamos criando 90 vagas de desembargadores, não digo um "monstro", seria uma palavra terrível, mas é uma estrutura enorme. Que nós poderíamos diminuir se reformássemos a CLT, se nós introduzíssemos outros mecanismos de solução de confisco como arbitragem, se houvesse uma outra visão de modernidade das relações trabalhistas. 

8A justiça do trabalho ainda tende a ser pró-empregado? Isso cria insegurança jurídica para as empresas?

A justiça do trabalho nasceu com essa marca e ficou muitos anos com essa marca. Mas eu acho que hoje seria uma injustiça grande dizer que continua sendo assim. Eu vou lhe dizer porque. Nós tivemos uma reforma introduzida pela Emenda 45, em 2004. Essa reforma ampliou a competência da justiça do trabalho, de tal maneira que hoje a justiça do trabalho não é mais voltada somente para a questão do empregado coitadinho em face do empregador explorador. Ela tem que resolver problemas envolvendo multas administrativas, mandado de segurança envolvendo um fiscal do trabalho, ações que são movidas por trabalhadores que não são empregados. Então, mudou o foco, digamos, da justiça do trabalho, e o juiz do trabalho hoje é um profissional do direito que tem que conhecer um pouco acima daquilo que está na CLT, ele tem que conhecer o direito mais amplamente. Ele tem que conhecer questões societárias, tributárias, questões de direito administrativo. Não que ele não conhecesse, porque se não conhecesse não entraria lã. Só que depois ele não lida muito com isso, porque não é o foco. Ele cuida mais de empregado, hora extra, registro e tal. Hoje não. Hoje há um desafio para que o juiz do trabalho se posicione como um profissional que julga uma situação de forma neutra, sem esse viés ideológico favorável ao trabalhador. Talvez eu esteja colocando uma vontade minha, um desejo, uma esperança minha, e não retrate a total realidade. Mas eu vejo mudanças. Essa mudança eu sinto já, por exemplo, no próprio TST. O TST hoje não é mais um órgão que diz aqui é a casa do trabalhador. Aqui é a casa da justiça do trabalho, dos atores sociais, dos empresários, do Estado envolvido, dos trabalhadores. E isso vai se irradiando pelos tribunais regionais. Eu sinto isso. E nas próprias varas do trabalho, os juízes têm uma mudança. Não é ainda total. Eu acho que nós poderíamos avançar mais. De o juiz ser um profissional, ele não ter esse viés ideológico, que em alguns é muito marcante. 

9Professor, qual é hoje a maior fonte de insegurança jurídica para as empresas emanando do direito do trabalho?

De um excesso de leis, leis que foram feitas para uma época que não é a de hoje. Interpretações que o tribunal vai dar por falta de uma lei específica. Atuação do Ministério Público tentando trabalhar nas lacunas para evitar injustiças concretas de verdade. Então, tudo isso, cria uma situação de insegurança. Nós deveríamos fazer como alguns países: rever tudo isso. Ter uma lei clara, voltada para a realidade, didática, que o empresário soubesse qual é a sua lição de casa, qual é o seu dever, o que ele tem de fazer. O empregado também e assim por diante.

10Vamos falar de algum exemplo internacional que o senhor acha interessante?

A França está mudando a legislação. Hoje existe um consenso no sentido de fazer com que aquela legislação toda seja alterada, para que ela seja didática, clara, que ela seja eficaz. Imagina na França, que a gente acha que é o exemplo máximo. Eles têm lá uma legislação também muito complexa. A Itália, de alguma maneira, ela conseguiu, em diversos momentos, superar os conflitos e desafios trazidos pelas crises econômicas de outras modalidades contratuais, introduzir sistemas de trabalho que não nem autônomo e nem empregado.  Nós tivemos em Portugal um exemplo muito interessante. Nós copiamos basicamente desses três países. A nossa história reflete o que aconteceu lá. Por isso, estou citando estes três países. Depois a Espanha, um pouco. Mas a Espanha hoje vive uma crise grande. A grande potência da Comunidade Européia, que ainda não se ajustou. Mas eles estão hoje sentados para rever a reforma, como se adaptar, melhorar. Mas eles estão hoje preocupados com uma reforma trabalhista para enfrentar a grande crise que eles têm hoje. Mas Portugal em 2002 apresentou um código para substituir toda aquela legislação, uma coisa fantástica, revisto agora em 2009. Um código voltado para modernidade. Questões, por exemplo, como direito de personalidade, se um empresário pode introduzir uma câmera dentro de um local de trabalho, se eu posso controlar um e-mail corporativo, fazer um controle direto na produção e outros mecanismos, por exemplo, eu saio da empresa, se eu posso celebrar um pacto de não concorrência. Aqui no Brasil, eu não tenho lei, o executivo sai, vai trabalhar para o concorrente, o empresário fica inseguro, porque ele não sabe qual é a norma, a diretriz a ser seguida. São exemplos que eu estou dando, não para copiar, não queremos copiar ninguém, porque nós temos a nossa própria realidade, nós somos inteligentes para encontrar uma saída que seja adequada para nós. Mas poderíamos olhar um pouco tudo isso para refletir e avançar mais um pouco e não simplesmente cada um ficar puxando para seu lado como se ninguém não tivesse nada haver com o crescimento, com a realidade da indústria brasileira, que ela seja uma indústria de ponta, que o trabalhador tenha um ótimo emprego e assim por adiante.

11 - Professor, no futuro, a economia terá menos salário e mais remuneração variável? O senhor acha que isto é uma tendência para todos os setores ou este tipo de remuneração ficará restrito ao chamado "white collar"? E também fala um pouco da flexibilidade do horário de trabalho, de hierarquias.

Em relação ao salário, nos temos tentativas de fugir dos altos tributos. Por exemplo, nós tivemos os cartões corporativos, como remunerar por resultados e etc., de tal maneira que hoje é muito claro. Primeiro, que não é possível mais o salário ser fixo como sempre foi. Segundo lugar, eu tenho que encontrar uma outra saída de financiamento da seguridade social, para que seja possível acomodar essa situação, de que o trabalhador possa ter salários variáveis e competitivos para que não haja uma "punição", onde você pagou salário e então você tem o encargo. Não faça isso. E nós já temos algumas experiências já na América Latina no sentido de ter um "teto" acima do qual não haveria, digamos, essa taxação. Mas nós não conseguimos avançar no Brasil. No Brasil nós temos uma regra que é muito simples: o contrato é oneroso. Porque eu trabalho e, em contra prestação, eu recebo o salário. Logo, tudo que eu recebo, não importa o que seja, ainda que, em termos de vantagens, é salário. É um equívoco muito grande e o fisco vai atrás. E o pior: eu tenho uma regra na CLT, que não é a mesma regra do INSS, que não é a mesma regra do fundo de garantia. São três mundos diferentes que enxergam o mesmo fato gerador de forma diferente, e aí eu tenho uma insegurança muito grande com as empresas.

Com relação aos horários, nós temos o acesso às novas tecnologias que colocam em cheque os grandes dogmas do direito do trabalho nos pilares, sobre os quais os costumes do trabalho: o conceito de empregado, de local de trabalho, de fábrica, do apito, do cartão de ponto. Hoje isso não existe mais. Hoje o trabalho é flexível, é à distância e não é mais possível que eu submeta, digamos, a criatividade do trabalhador dentro de um leito de percurso de 8 horas e se passar daquilo, eu tenho um ônus para a empresa de hora extra. Eu tenho que encontrar saídas para resolver. E Portugal, um dos exemplos que eu ainda não enfrentei, resolve adequadamente isso e outros paises. É exatamente essa a questão do teletrabalho. De tal maneira, que nós temos um desafio muito grande. E você colocou dois pontos centrais. Se você fizer um levantamento na justiça do trabalho, deixando de lado a discussão do vínculo do emprego, se é empregado ou não, dois temas são básicos. Primeiro: hora extra. É o calcanhar de Aquiles das empresas. As empresas têm contas, passivos enormes por conta de horas extras. E, às vezes, um descuido, pela falta de um mecanismo que pudesse introduzir para evitar isso. Segundo lugar a questão salarial. Porque aquele salário que foi pago a título de um prêmio, de uma gratificação, de um bônus, que foi entendido como salário, porque foi repetido tem o reflexo em tudo, no décimo terceiro, nas férias, no fundo de garantia, isso é como uma bola de neve que cria um passivo muito grande. E as empresas, às vezes, não estão muito cientes disso. E elas hoje por conta, digamos, das ações dos trabalhadores que têm mais consciência da atuação firme - e às vezes até demais - por parte do Ministério Público, as empresas aprenderam a ficar atentas, mais atentas a essas grandes questões.

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