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OAB/SP, AASP E IASP criticam "PEC dos recursos"

A OAB/SP, a AASP e o IASP elaboraram parecer contra a chamada "PEC dos Recursos". Para a comissão formada pelas entidades, a PEC 15/11, que permite execução imediata de sentenças de segunda instância, buscando desafogar as cortes superiores e agilizar a Justiça, na verdade, não combate as causas do problema.

Da Redação

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Atualizado às 08:20

PEC dos recursos

OAB/SP, AASP E IASP criticam "PEC dos recursos"

OAB/SP, AASP e IASP enviaram ao Senado parecer contra a chamada "PEC dos recursos". Para a comissão formada pelas entidades, a PEC 15/11 (clique aqui), que permite execução imediata de sentenças de segunda instância, buscando desafogar as cortes superiores e agilizar a Justiça, na verdade, não combate as causas do problema.

Segundo a comissão, a proposta está alicerçada na premissa de que "mais uma alteração na estrutura formal dos recursos proporcionará aos jurisdicionados a rapidez e celeridade, quando o necessário são mudanças e melhorias estruturais na organização judiciária".

O MDA - Movimento de Defesa da Advocacia registrou a importância do oportuno encaminhamento do ofício pelas entidades. Em maio, o MDA também enviou ofício ao Senado manifestando seu inconformismo com a tramitação da PEC dos Recursos.

Confira abaixo a íntegra do parecer.

___________

Excelentíssimo Senhor,

Em 30 de março de 2011 a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo -OAB/SP, a Associação dos Advogados de São Paulo -AASP e o Instituto dos Advogados de São Paulo -IASP, constituíram Comissão Multi-institucional (doravante simplesmente designada "Comissão") para estudo e discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 15/2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço e sob a relatoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira, que trata dos Recursos Extraordinário e Especial em ações rescisórias.

Essa PEC, também denominada na imprensa de "PEC dos Recursos", originou-se de iniciativa do Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, prevendo, inicial e resumidamente, que os efeitos da coisa julgada não seriam obstados pela interposição dos Recursos Extraordinário e Especial.

No texto da proposta apresentada ao Senado Federal pelo Senador Ricardo Ferraço, diferentemente da proposta inicial do Ministro Peluso, não há qualquer menção à coisa julgada, tendo sido substituídos os Recursos Extraordinário e Especial (artigos 102 e 105, da Constituição Federal) por Ação Rescisória Extraordinária e Ação Rescisória Especial.

Recentemente foi divulgado o relatório do Senador Aloysio Nunes, Ferreira, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, que, em seu voto, manifesta-se pela aprovação da Proposta de PEC, com sugestão de alteração de redação, que já não trata de ações rescisórias, mas retoma a proposta de promover o trãnsito em julgado logo após a decisão em segundo grau, ainda que sejam interpostos recursos para os Tribunais Superiores (STF, STJ ou TST); prevê também que, por deliberação colegiada desses Tribunais Superiores quando da interposição de Recursos Extraordinário, Especial ou de Revista, os efeitos imediatos da coisa julgada poderão ser excepcionalmente obstados.

Aguarda-se, pois, o trãmite da PEC na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.

A Comissão instituída pela AASP, OAB/SP e IASP, composta por representantes de cada qual dessas entidades -respectivamente, os Drs. José Rogério Cruz e Tucci, Marcos da Costa e Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa -elaborou exaustivo Parecer a respeito da mencionada Proposta de Emenda Constitucional 15j 2011, cujo texto foi devidamente discutido e aprovado pelas respectivas instituições, sendo anexado ao presente oficio como documento número 01.

A esse propósito, na linha do que consta do Parecer, cabe assinalar que a Advocacia tem presenciado -mais que isso, tem sofrido os efeitos deletérios dos graves problemas que afetam a prestação jurisdicional: processos cuja tramitação se arrasta ao longo de diversos anos, em que a simples juntada de uma petição demanda meses, quiçá mais de um ano; ausência de método racional e de integração nos procedimentos processuais; número insuficiente de serventuários da Justiça, aos quais não se oferece treino e atualização de conhecimentos em níveis adequados; insignificante, quando não inexistente, investimento na estrutura lógica e predial dos Fóruns, desde as metrópoles até os mais longínquos rincões de nosso pais; reduzido número de magistrados; processo eletrónico ainda embrionário, e assim por diante. A essas clamorosas insuficiências estruturais, acresce a circunstãncia de que o Poder Público é responsável por mais da metade do volume de processos ora em curso em nosso pais (no STF, segundo números da Fundação Getúlio Vargas, mais de 90% dos recursos envolvem o Estado, em seus diversos níveis de organização institucional).

A Advocacia conhece muito bem, e de perto, essa realidade e, com razão, clama por aperfeiçoamento das estruturas e por correções de rumos no que concerne às organizações judiciárias.

Todavia, a Comissão, em seu Parecer, não obstante reconheça a seriedade de propósito que anima a chamada "PEC dos Recursos", entende que essa proposta, de um lado, não se mostra apta a resolver os problemas atuais da prestação jurisdicional, porque alicerçada na equivocada premissa de que mais uma alteração na estrutura formal dos recursos proporcionará aos jurisdicionados a rapidez e celeridade, quando o necessário são mudanças e melhorias estruturais na organização judiciária. E, de outro lado, ademais de não se mostrar adequada aos fins a que visa, traz ainda graves inconvenientes para a ordem jurídica nacional.

Quanto a esse último tópico, o Parecer da Comissão identifica na "PEC dos Recursos" dois relevantíssimos pontos que considera atingidos pela Proposta: \I severa limitação da garantia constitucional da presunção de inocência, e alteração ~ substancial do conceito clássico e universal de coisa julgada.

As entidades signatárias do presente (AASP, OABjSP e IASP) têm envidado seus melhores esforços para discutir e estimular a adoção de medidas que apontem para a melhoria da atividade jurisdicional em nosso pais, apoiando, a titulo de exemplo, o movimento de autonomia orçamentária do Poder Judiciário bandeirante, que viabilizará investimentos maciços em tecnologia, ampliação de instalações dos Fóruns, contratação e treinamento dos servidores; também têm atuado fortemente no incentivo à conciliação, como instrumento de pacificação social, participando ativamente do Projeto de Conciliação do Tribunal de Justiça de São Paulo. E, além disso, vêm trabalhando incessantemente na discussão e implantação do processo eletrõnico no Brasil.

Por fim, não é demais reconhecer, em consonância com o anexo Parecer, que "A expressiva transformação do ordenamento jurídico pátrio, na hipótese de " J ser aprovada a polêmica PEC, importa enorme retrocesso e verdadeiro golpe às garantias constitucionais do processo". Bem por isso, as entidades signatárias vêm dizer que rejeitam a proposição, e conc1amam aos que devem votá-la a que reflitam nas razões que ora apresentam.

Renovamos, por oportuno, nossos protestos de elevada estima e consideração.

Luiz Flávio Borges D'urso
Presidente da OAB/SP

Arystóbulo de Oliveira de Freitas
Presidente da AASP

Ivette Senise Ferreira
Presidente do IASP

Excelentissimo Senhor Senador Humberto Sérgio Costa Lima

A POLÊMICA PEC APRESENTADA PELO PRESIDENTE DO STF E SEUS RESPECTIVOS SUBSTITUTIVOS

Sumário: 1. Tempestividade da tutela jurisdicional. 2. A PEC apresentada pelo Presidente do STF. 3. Subseqüente apresentação de substitutivos. 4. Flagrante incongruência e quebra do sistema. 5. Supressão ope /egis do poder geral de cautela. 6. Revogação da presunção de inocência. 7. Causas da ineficiência da prestação jurisdicional tempestiva: 7.1. Fatores institucionais. 7.2. Fatores de ordem técnica e subjetiva. 7.3. Fatores derivados da insuficiência material. 8. A posição contrária da OAB, do IASP e da AASP.

1. Tempestividade da tutela jurisdicional

Relegando a um plano secundário as construções de cunho teórico, que tanta relevância ostentaram até há bem pouco tempo, os juristas em geral e os processualistas em particular passaram a preocupar-se com um valor fundamental, ínsito à tutela dos direitos, qual seja, a imprescindibilidade da efetividade do processo, enquanto instrumento de realização da justiça.

Como adverte, a propósito, Barbosa Moreira, "toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca".l

Como inexiste vontade política determinada à gestão modernizante do Poder Judiciário, é, pois, preciso oferecer ao processo mecanismos que permitam o cumprimento de toda a sua missão institucional, evitando-se, com isso, que seja considerado "fonte perene de decepções".2

Assim, incumbe ao ordenamento processual atender, do modo mais completo e eficiente possível, ao pleito daquele que exerceu o seu direito à jurisdição, bem como daquele que resistiu, apresentando defesa.

É que, no âmbito do processo civil de conhecimento, a tutela jurisdicional, representada pela sentença de mérito, pode ou não acolher a pretensão deduzida, beneficiando, por via de conseqüência, tanto o autor quanto o réu. Tudo fica na dependência de quem obtenha êxito, amparado que esteja pelo direito material.3

Para isso, é de suma relevância que o processo civil disponha de meios e mecanismos aptos a realizar a função institucional que lhe toca, qual seja a de assegurar ao jurisdicionado que tenha razão praticamente tudo aquilo e exatamente aquilo que, porventura, tenha direito de receber.4

Na verdade, as legislaç6es processuais modernas, tanto na esfera do processo civil, quanto na do processo penal, além de subsídios materiais indispensáveis, "devem construir procedimentos que tutelem de forma efetiva, adequada e tempestiva os direitos. O ideal é que existam tutelas que, atuando internamente no procedimento, permitam uma racional distribuição do tempo do processou". 5

Assim, ao lado da efetividade do resultado que deve conotá-la, imperioso é também que a decisão seja tempestiva.

O pronunciamento judicial que cumpre com sua nobre missão de compor uma controvérsia intersubjetiva ou um conflito de alta relevância social (na esfera penal) no momento oportuno, proporciona às partes, aos interessados e aos operadores do direito grande satisfação. Mesmo na órbita penal, aquele que experimenta derrota não deve lamentar-se da pronta resposta do Judiciário, uma vez que, sob o prisma psicológico, o possível e natural inconformismo é, sem dúvida, mais tênue quando a luta processual não se prolonga durante muito tempo.

É inegável, por outro lado, que, quanto mais distante da ocasião tecnicamente propicia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será proporcionalmente mais fraca e ilusória. De tal sorte, "um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, inj usta, por maior que sej a o mérito científico do conteúdo da decisão".6

Parece mesmo fora de questão que a oportunidade do provimento -"a tempestività a que se referem os italianos, como resultado do equilíbrio entre os tempos de progresso e tempos de espera (tempi di sviluppo e tempi di attesa) constitui um dos primordiais elementos para determinar o grau de eficiência dos tribunais".7

Em suma, o resultado de um processo "não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do objeto litigioso, visto que -caso contrário -se tornaria utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito. Como já se afirmou, com muita razão, para que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equívoco, basta que não julgue quando deve julgar,,!8

E isso, por certo, tanto quanto no trato dos direitos de natureza indisponível em sede extrapenal, na esfera criminal a idéia de tempestividade da decisão engloba outros valores e outras exigências, "de sorte a tornar-se inafastável a inclusão, na concepção do devido processo penal, do direito do indiciado ou acusado de obter pronunciamento judicial que 'ponga término del modo más rápido posible a la situación de incertidumbre y de inegable restricción de la libertad que comporta el enjuiciamiento penal'".9

Não se pode olvidar, nesse particular, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo, como já salientado, um lapso temporal razoável para a tramitação do processo (" tempo fisiológico"), eo da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário (" tempo patológico"). Obtendo-se um equilíbrio destes dois regramentos segurança/celeridade emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional.10

Seja como for, a celeridade processual jamais pode desprezar a observância das garantias do devido processo legal.

2. A PEC apresentada pelo Presidente do STF

Visando a imprimir um ritmo mais acelerado aos recursos pendentes nas instâncias superiores, o eminente Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal, surpreendeu a comunidade jurídica brasileira, no último dia 22 de março, em palestra sobre os Caminhos para um Judiciário mais eficiente, proferida na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, ao apresentar proposta de emenda constitucional, com a inserção de dois artigos na Constituição Federal, do seguinte teor:

"Art. 105-A. A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-8. Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:

I - de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;
II - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal".

Propõe-se, pois, a imediata execução das decisões judiciais de segundo grau, inadmitidos ou até mesmo admitidos os recursos extraordinário e especial, visto que aquelas estarão cobertas pela coisa julgada material (na hipótese de o ato decisório ser de mérito) .

Na prática, os mencionados recursos, despidos tout court, de efeito suspensivo, são "equiparados" a uma ação de nulidade do julgado, embutida nos autos do mesmo processo, sujeita aos requisitos previstos para a interposição dos recursos extraordinário e especial.

3. Subseqüente apresentação de substitutivos

Anote-se que, mais recentemente, inspirado na referida proposição, o Senador Ricardo Ferraço ofereceu ao Senado Federal nova proposta PEC n. 15/2011 -visando a alterar o art. 102, I, da Constituição Federal, inserindo-lhe a alínea s, com o escopo de, na esfera de competência do Supremo Tribunal Federal, transformar o recurso extraordinário na denominada "ação rescisória extraordinária". Com isso, revoga-se o inciso 111 do mencionado dispositivo constitucional, que contempla o recurso extraordinário. Insere-se, ainda, o § 4° no art. 102, impondo a exigência de repercussão geral da questão constitucional a ser argüida na nova ação rescisória.

Assim, conclui-se que o recurso extraordinário, diante do trânsito em julgado na instãncia ordinária, passa a ser tratado como "ação rescisória extraordinária", mantidas as mesmas hipóteses de cabimento daquele.

Com tal alteração, a competência recursal do Supremo Tribunal Federal ficaria restrita ao julgamento do recurso ordinário (art. 102, 11, CF)

Ademais, esta proposta ainda prevê a inserção da mesma modificação no âmbito da competência do Superior Tribunal de Justiça, com a supressão do recurso especial (revogação do art. 105, 111, CF) e criação, na alínea j, do art. 105, da denominada "ação rescisória especial", estando, as respectivas hipóteses de cabimento, especificadas no art. 105, § 2°.

A proposta é, outrossim, complementada com a previsão, no art. 3º, de instalação de comissão especial mista incumbida de elaborar, no prazo de 60 dias, projeto de lei necessário à regulamentação da matéria.

De aduzir-se que o Senador Aloysio Nunes Ferreira, incumbido de relatar, no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, esta PEC n. 15/2011, a despeito de ter manifestado expressa concordância com a idéia central defendida pelo Ministro Cezar Peluso e pelo Senador Ricardo Ferraço, em prol da efetividade da justiça e firme na garantia da duração razoável do processo, apresentou substitutivo que se afeiçoa à PEC originada da "proposição Peluso".

Com efeito, mantida a redação precedentemente proposta, o substitutivo do Senador Aloysio Nunes Ferreira, justificada na distinção entre "eficácia suspensiva e "sustação da eficácia", insere um parágrafo único no art. 105-A, do seguinte teor:

"Art. 105-A...

Parágrafo único. A execução da decisão recorrida somente poderá ser sustada por deliberação colegiada, nos termos do Regimento Interno do Tribunal",

4. Flagrante incongruência e quebra do sistema

Seja como for, à luz das propostas lançadas pelo Ministro Cezar Peluso e pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira, verifica-se, de logo, que os termos da redação proposta para o art. 10S-A contém uma verdadeira contradictio in terminis, uma vez que altera substancialmente o conceito clássico e universal da coisa julgada.

É evidente que tal perplexidade emerge igualmente da proposição subscrita pelo Senador Ricardo Ferraço.

Com efeito, como é cediço, a autoridade da res iudicata, há séculos, é atingida com o trânsito em julgado da decisão, no momento em que não cabe mais nenhum recurso ou, embora cabível, a parte interessa deixa de exercer o ônus de recorrer. Tal fenômeno processual decorre da exigência de segurança jurídica.

Por tal razão é que, em nosso ordenamento jurídico, a garantia da coisa julgada, inserida entre as denominadas "cláusulas pétreas", ostenta dignidade constitucional (art. 5°, XXXVI, CF).

5. Supressão ope legis do poder geral de cautela

Ademais, também se observa que o texto proposto, além de paradoxal, por outro lado, ainda suprime, ex abrupto, o poder geral de cautela do juiz, ao impedir, em qualquer hipótese, a atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário.

Lembre-se que o tradicional "poder de cautela" remonta às fontes do direito romano clássico, cujo escopo sempre foi o de evitar a eclosão de prejuízo iminente.

É evidente que o "pedido de preferência no julgamento", a ser formulado pelo relator do recurso, não obstará pela já alvitrada demora a perpetração de eventual dano irreparável. Ademais, em termos práticos, tal providência será inócua, pelo simples fato de ser impossível antecipar todos os julgamentos urgentes!

Desse modo, rompendo com o sistema processual em vigor, bem é de ver, outrossim, que as referidas propostas legislativas criam uma espécie de fase rescisória ou de cassação, da decisão transitada em julgado, a se processar nos próprios autos. Novidade discutível, totalmente estranha à tradição do direito brasileiro!

6. Revogação da presunção de inocência

Já sob outro enfoque, importa frisar que, na esfera do processo penal, não há execução provisória de julgamento condenatório recorrível, ou recorrido. Perfeita exegese desse tema foi efetivada no importante e famoso julgamento do pleno do Supremo Tribunal Federal, proferido no Habeas corpus n. 84.078, no qual figurou como relator o Ministro Eros Grau, do qual se extrai a seguinte passagem:

"O art. 637 do CPP estabelece que '[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença'. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5°, inciso LVII, que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória'. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos 'crimes hediondos' exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: 'Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente'. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados ---não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais (leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que 'ninguém mais será preso'. Eis o que poderia ser apontado como incitação à 'jurisprudência defensiva', que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2° da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5° da Constituição do Brasil. Isso porque ---disse o relator ---'a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição'. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1°, 111, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida..".

A determinação de prisão (certamente de caráter, meramente, processual) do condenado, pelo simples fato da condenação, estabelecida em ato decisório de mérito, sujeito a recurso, a par de aberrar do sistema executivo vigorante em nosso ordenamento jurídico, afronta a preceituação contida no inciso LVII do artigo 5° da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trãnsito em julgado de sentença penal condenatória".

Expressa, de maneira clarificada, esse transcrito mandamento constitucional, na esteira de globalizado entendimento, o direito do cidadão, envolvido numa persecução penal, à nãoconsideração prévia de sua culpabilidade, isto é, de não poder ser tido corno culpado até que coberto pela coisa julgada decisum condenatório.11

Adverte, a propósito, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira que:

"com a aprovação do projeto de emenda constitucional, mesmo que se interponha habeas corpus, a decisão condenatória só será apreciada pelos tribunais de Brasília quando a liberdade já tiver sido atingida, pois a sua interposição só poderá ocorrer quando transitar em julgado a decisão, com a conseqüente expedição do mandado de prisão. Percebe-se, ademais, que o Superior Tribunal de Justiça terá substancialmente aumentada a sua carga de trabalho, o mesmo correndo com o STF, caso não se obtenha êxito no STJ.
Mas, o que é mais grave, mesmo que deferido o habeas corpus eventualmente impetrado, não haverá para o condenado a devolução de sua liberdade sacrificada nem a restauração da sua dignidade perdida
".12

Ora, isso significa que o acusado, corno tal, no âmbito do direito positivo brasileiro, somente poderá ter sua prisão provisória decretada quando esta assuma natureza cautelar, ou seja, nos casos de prisão em flagrante, de prisão temporária, ou de prisão preventiva.

7. Causas da ineficiência da prestação jurisdicional tempestiva

Conclui-se, pois, que a PEC sob análise com seus respectivos substitutivos mais uma vez, deixa de combater as causas da ineficiência da prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável.

Na verdade, os motivos determinantes da lentidão dos processos judiciais em outras experiências jurídicas assemelham-se ou são praticamente idênticos àqueles que conspiram contra a celeridade da tutela jurisdicional no Brasil.

Afastem-se de logo as críticas dirigidas à legislação processual, especialmente a de natureza civil. Promulgado há mais de duas décadas, e em vigor desde 10 de janeiro de 1974, o nosso atual Código de Processo Civil representa, inegavelmente, o ponto culminante da evolução científica do Direito Processual Civil em nosso país.

Em tudo superior ao estatuto revogado, o Código de 1973, como é comumente denominado, foi, em grande parte, idealizado tomando-se como paradigma inúmeras legislações modernas da Europa continental, então reverenciadas, há vários lustros, pelos mais insignes especialistas.

A despeito do individualismo que plasma a integralidade de seu texto, a exemplo, aliás, dos diplomas que lhe serviram de fonte de inspiração, e não obstante a existência de aspectos criticáveis concernentes à falta de rigor terminológico e, de certo modo, sistemático, a verdade é que, paradoxalmente, muitas das novidades que somente em época bem mais recente foram adotadas, v. g., pelo processo civil italiano, já haviam sido consagradas em nosso Código de Processo Civil, evidenciando a conspicuidade científica do estatuto brasileiro.13

E essa diretriz revela-se, outrossim, nas sucessivas reformas processuais introduzidas nas duas últimas décadas, com a instituição de mecanismos visando a imprimir maior agilização à marcha procedimental.

É certo que se vingar o Projeto n. 8.04612010, de um novo Código de Processo Civil, em tramitação na Câmara dos Deputados, nada será alterado, na seara do processo civil, no âmbito do cotidiano da praxe brasileira.

Na realidade, o exame conjunto da problemática que circunda a intempestividade da tutela jurisdicional aponta que as causas da demora em nosso país podem, em princípio, ser agrupadas em três itens, a saber:

-fatores institucionais;

-fatores de ordem técnica e subjetiva;

-fatores derivados da insuficiência material.

Examinemos, ainda que nos limites do presente relatório, cada uma delas.

7.1. Fatores institucionais

A atual experiência mostra que, tradicionalmente, a questão relativa a uma eficiente administração da justiça não é meta digna de ser elevada ao vértice da escala das prioridades almejadas pelos Poderes Executivo e Legislativo.

No Brasil, desde o início da República, "tem havido sempre nítida prevalência do Executivo, secundado pelo Legislativo, aparecendo o Judiciário, na prática, como o Poder mais fraco".14

A ideologia conservadora, mesquinha e extremamente personalista, que predomina entre grande número de políticos brasileiros constitui inequívoco obstáculo para que haja uma mobilização destemida e disposta a pagar o preço e a suportar o peso da luta política para lograr meios e aIternativas visando a implementar a operatividade da lei processual.

Basta observar, na história legislativa recente, que a tramitação do projeto de reforma da justiça penal ficou completamente esquecida nos escaninhos do Congresso Nacional.

Na verdade, como já enfatizamos15, quando o tema da agilização da justiça reaparece no cenário das discussões, as atenções concentram-se em valores de natureza técnico-jurídica, olvidando-se totalmente que o problema da intempestividade da tutela jurisdicional está ligado a vetores de ordem política, econômica e cultural.

Entre nós, desde há muito, as controvérsias mais sensíveis, que colocam em jogo valores de maior interesse político e econômico para as classes dominantes, escapam do procedimento demorado e ineficiente, prolongado e desastroso. Explica, a propósito, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que para "esses litígios criaram-se, simplesmente, procedimentos especialíssimos, geralmente com total desconhecimento do tão decantado princípio da igualdade das partes no processo, gerando-se, com isso, dupla desigualdade: desigualdade de procedimento e desigualdade no procedimento".16

Essa circunstância tem, na verdade, ensejado, um clima de total insatisfação e angústia nos mais diversificados estratos da sociedade civil, que se traduz em perene decepção.

Chegou-se, até, a cunhar a expressão litigiosidade contida para traduzir o estado proporcionado por tal situação. 17

Ademais, deve ser ressalvado, de logo, que não se permite atribuir exclusivamente aos operadores do direito juízes, promotores e advogados o pecado capi tal. Impende reconhecer que, em nosso país, presume-se a solução de reiteradas e profundas crises econômicas mediante a edição de legislação intervencionista e emergencial de última hora - quase sempre em antinomia ao ius positum fator que, via de regra, gera uma proliferação generalizada de demandas entre particulares e entre estes e o Estado.

A demora da tutela jurisdicional no âmbito de competência da Justiça Federal de primeiro grau, pelo menos em São Paulo, é a mais expressiva prova dessa afirmação ...

Em contrapartida, esse mesmo Estado, como asseverado, não se dispõe a prestar qualquer contribuição material para imprimir maior celeridade procedimental com o escopo de minimizar o espaço temporal entre o início do processo e a satisfação do direito lesado.

A oportuna e importante recente pesquisa da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro -O Supremo em números -"identificou que o maior usuário da Suprema Corte é novamente -o Setor Público, figurando como parte em 90% de todos os processos que lá tramitam. As pesquisas revelam também que, desse total, o Poder Executivo Federal é o principal usuário, com 68% das causas e que os 12 maiores litigantes no STF são empresas estatais (s6 a CEF com 16%), seguidos da pr6pria União".18

7.2. Fatores de ordem técnica e subjetiva

Daí, decorre também o desprestígio e a fraqueza do Judiciário, que não é atraente nem mesmo para preencher os cargos de juízes iniciantes na importante carreira da magistratura.

Com efeito, apesar da regra da oralidade ter sido acolhida, com veemente rigor, pelo C6digo de Processo Civil19, é certo que a sentença proferida pelo juiz de primeiro grau, salvo nas excepcionalíssimas hipóteses em que pode ser executada, na prática, não ostenta valor algum.

Esse paradoxo decorre da ampla recorribilidade das decisões, mesmo em questões exclusivamente de fato, que põe a perder, à evidência, a utilidade inquestionável da imediatidade, da identidade física do juiz e da concentração.

De aduzir-se, por outro lado, que, nos sistemas processuais de origem romanística, a tutela de natureza condenatória, por incrível que possa parecer, é, como observa José Roberto dos Santos Bedaque, a menos completa, pois não dá solução definitiva ao episódio da vida que se tornou controvertido. Sua utilidade prática, na maioria das vezes, fica na dependência de sucessivo processo -o de natureza satisfativa consubstanciado na tutela executiva, visto que nem sempre o acatamento do direito precedentemente declarado se faz de modo espontâneo.20

Ora, essa peculiaridade do sistema processual acarreta inexorável demora para que o litigante vitorioso possa obter o bem de vida que o Judiciário já afirmou que lhe cabe.

Acrescente-se que, além dessa circunstância, com a pletora do serviço judicial -muitas vezes, aliás, desumano os juízes não encontram tempo para o necessário aperfeiçoamento cultural. Verifique-se, apenas, a pluralidade de interpretações equivocadas atinentes aos novos institutos da antecipação da eficácia da sentença e do cumprimento da sentença, para concluir-se que realmente algo não vai bem...

A aferição do preparo intelectual dos candidatos a juiz é um ponto de extrema relevância, que se liga diretamente às concepções relativas ao papel social do juiz.21

Na verdade, o problema da falta de tirocínio profissional dilata-se na medida em que dá azo à suscitação de inúmeros incidentes e à interposição de sucessivos recursos de agravo, tudo em detrimento da brevidade na produção dos atos processuais.

De salientar-se, por outro lado, a desatenção (não raro voluntária) do principal protagonista do processo no que se refereà observância dos prazos e à direção do processo, ao inteiro arrepio do disposto no art. 262 do Código de Processo Civil, segundo o qual "o processo Civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial".

Na realidade, entre esses fatores de ordem subjetiva, sobressai a displicência quanto ao cumprimento dos prazos que têm como destinatários os juízes e auxiliares da justiça, e não aqueles estabelecidos para as partes únicas obrigadas, efetivamente, a tê-los na devida conta, em prol da integral preservação dos respectivos direitos.

Embora os juízes "estejam também sujeitos à observância de prazos, estes, por várias razões (algumas que se entrelaçam com questões mais profundas de organização da estrutura judiciária) não são, em geral, cumpridos, acarretando, pois, uma lentidão na administração da justiça". 22

Entre o não fazer aquilo que se espera, isto é, julgar, e negar-se a julgar, não parece haver senão uma sutilíssima diferença, a despeito de, na prática, corresponderem a situações absolutamente idênticas: a não prestação da tutela jurisdicional. 23

Ocupando-se dos predicados que desprestigiam a judicatura, anota Vito Marino Caferra que o magistrado desqualificado tem um perfil que se caracteriza por suas qualidades negativas em relação a um modelo aceitável de juiz. E, pois, "não deixa de possuir qualidades abstratamente positivas para exercer outras funções sociais, que lhe consentem fazer um tráfego impróprio -no limite do abuso -das prerrogativas inerentes ao cargo e de ser absorvido por tarefas que não lhe dizem respeito. A conseqüência disso tudo é o total descumprimento pelo juiz de suas reais atribuições".24

7.3. Fatores derivados da insuficiência material

Por fim, é bem de ver que a dramática e crescente aflição dos consumidores da justiça em decorrência da escandalosa demora na prestação jurisdicional, à míngua de dados estatísticos, constitui, por certo, um diagnóstico conclusivo da existência de um inequívoco descompasso entre a legislação codificada e a realidade do serviço judiciário.

Não é concebível -apenas para dar dois singelos exemplos, dentre tantos que poderiam ser invocados que, em pleno século XXI, o tribunal ad quem, após quase 2 anos de angustiante expectativa dos interessados, não conheça de um recurso, por entender intempestivo ou incompleto o seu respectivo preparo, ou, ainda, por não estarem autenticadas as cópias trasladadas, mesmo quando a outra parte, maior e capaz devidamente representada, não formulou qualquer impugnação quanto à força probante daquelas!

Efetivou-se, outrossim, ao longo do tempo, a necessária exegese da abrangência do dispositivo em apreço, tendo-se, unanimememnte, como dilações indevidas, "os atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários".25

Aduza-se: é normal aguardar-se mais de 2 anos pelo exame, no juízo a quo, da admissibilidade do recurso especial ou extraordinário? É normal esperar por mais de 4 anos, após encerrada a instrução, a prolação de sentença num determinado processo em curso perante a Justiça Federal? É normal a publicação de um acórdão do Supremo mais de 3 anos depois do julgamento?

É normal etc. etc. etc.?!? A resposta, em senso negativo, para todas estas indagações, é elementar...

Ou então, como elucida, com hipótese análoga, José Lebre de Freitas: "é por vezes kafkiana (e Kafka habitou Praga nos anos 30 e não um país da Comunidade Européia nos anos 90) a sucessão de atos processuais (judiciais e das partes) que a prática judiciária exige para atingir determinado resultado. Por exemplo: a citação de um réu que se esquiva é efetivada depois de vários requerimentos, muitos despachos, intimações e conclusões, cartas expedidas e diligências inúteis do oficial de justiça, mas que, se a lei fosse observada desde o início, muitas vezes encurtaria o tempo perdido para a realização do ato ... ".26

A tudo isso contabilizem-se as precárias instalações que, em várias regiões do país, inclusive nas mais privilegiadas, albergam dependências do Poder Judiciário.

A inadequação relativa às condições de trabalho dos órgãos de primeiro grau salta aos olhos, sobretudo no tocante à Justiça Estadual. Como observa Dalmo Dallari, em muitos Estados, há juízes trabalhando em condições incompatíveis com a responsabilidade social da magistratura: "Na realidade, não poucos magistrados são constrangidos a exercer a judicatura em dependências improvisadas ou com instalações muito precárias, com deficiência de espaço e sem o mínimo conforto necessário para o eficiente desempenho de suas tarefas. Desse descaso dos tribunais acabam sendo vítimas também, os demais participantes indispensáveis das atividades judiciárias, como os advogados, os membros do Ministério Público e os funcionários forenses. o grande sacrificado por essa discriminação contra a primeira instância, motivada sobretudo pela acomodação ou indiferença das cúpulas judiciárias, é o povo, em nome de quem o Poder Judiciário decide e que é quem paga as despesas para instalação e manutenção dos serviços judiciais ... ".27

Igualmente, na esfera penal, dado o notório sucateamento dos respectivos instrumentos, é até ridículo o desempenho dos órgãos responsáveis para coibir a criminalidade e, conseqüentemente, a perene multiplicação de processos.

Além dessa realidade, deve também ser reconhecido que, com a promulgação da Constituição Federal era previsível que a idéia de cidadania fosse disseminada.

Esse fato notório, resultante da aguda conscientização da titularidade de direitos de cidadão e de consumidor, implicaria como implicou um formidável aumento de litígios de conotação individual e coletiva: cada vez mais a sociedade aflui aos tribunais para obter a satisfação de pretensões que, há pelo menos duas décadas, não se pensava serem tuteláveis (por ex: no âmbito dos direitos do consumidor).28

A época contemporânea é, na verdade, gizada pelo advento de rápida evolução e irrefreado desenvolvimento que as estruturas judiciárias não acompanharam com a mesma presteza. É evidente que a introdução de alterações expressivas no plano do direito material reclama, de modo imediato, modificações no sistema processual e no perfil (imóvel) dos órgãos judiciais.

Para atender a tal demanda, era necessário que o Judiciário brasileiro, já que lhe prometida autonomia financeira (art. 99 CF), envidasse esforço para lograr um aparelhamento adequado ou, no mínimo, satisfatório ...

Na experiência de outros países, antecipa-se a apontar, a propósito, Ladislao Gaspardy, como importante fator esoprocessual da lentidão da tutela jurisdicional na Hungria, a falta de infraestrutura dos tribunais, que não se adaptaram às novas exigências sociais determinadas pela democratização do país, após a queda do muro de Berlim. 29

Em idêntico sentido, Teresa Sapiro Anselmo Vaz, reportando-se precipuamente à experiência do direito português, afirma que se assiste, atualmente, a uma crescente importância social do processo civil, "tendo em consideração os princípios constitucionais estabelecidos no âmbito dos direitos fundamentais (sendo, alguns deles, relativamente recentes dada a promulgação, também recente, de constituições políticas ou alterações profundas do quadro constitucional anterior, v. g., em Portugal e Espanha), o que conduz, necessariamente, a uma revisão dos modelos processuais mais antigos. Por outro lado, a crescente litigiosidade a que se constata na generalidade dos países (provocando uma 'socialização do processo') , decorrente do alargamento do recurso aos tribunais por parte das grandes massas e de novas questões que os órgãos aplicadores do direito têm sido chamados a resolver (por ex.: na área do direito do consumo e doambiente) , veio implicar, proporcionalmente, uma crescente lentidão na administração da justiça". 30

Aduz Garth, a seu turno, que se as cortes não se adaptarem às exigências procedimentais decorrentes dos processos de natureza coletiva megalitigation haverá incontornável frustração dos escopos de celeridade e economia que os exornam; " we can predict that such megalitigation wil contribute generally to the delay and expense of litigation. It also follows that such a demand, if it exists, will have an impact on the structure of the courts, since the courts typically will adjust to service the demand".31

Até hoje, nem mesmo no campo da informática, o Poder Judiciário do Estado de São Paulo logrou o resultado esperado: cada um dos tribunais, hoje extintos, implantou, em diferentes momentos, máquinas e programas que não guardam entre si qualquer similitude operacional; daí a dificuldade encontrada, até o presente momento, da seleção e armazenamento dos acórdãos de época não tão remota!

Por força de todos estes motivos, é realmente imperioso que se desfira uma luta obstinada visando a determinadas reformas, não técnicas, mas sobretudo institucionais, calcadas em métodos modernos de gestão.

8. A posição contrária da OAB, do IASP e da AASP

Diante de tais premissas, que revelam flagrante afronta ao Estado de Direito, não se delineia possível distorcer o foco da morosidade da justiça "as causas da demora" imputando ao sistema recursal o cerne da ineficiência da prestação jurisdicional.

A expressiva transformação do ordenamento jurídico pátrio, na hipótese de ser aprovada a polêmica PEC - em qualquer uma de suas versões importa enorme retrocesso e verdadeiro golpe às garantias constitucionais do processo.

A Ordem dos Advogados doe Brasil, Secção São Paulo, o Instituto dos Advogados de São Paulo e a Associação dos Advogados de São Paulo manifestam-se veementemente contrárias à idéia proposta na supra referida PEC (incluindo-se os aludidos substitutivos), até porque, a exemplo de outras alterações mais recentes é certo que de menor relevância não se vislumbra qualquer resultado prático efetivo a justificar inarredável violação do devido processo legal!

São Paulo, agosto de 2011

Ordem dos Advogados do Brasil-SP

Instituto dos Advogados de São Paulo

Associação dos Advogados de São Paulo

1.Tendências contemporâneas do direito processual civil, Temas de direito processual, 3" s., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 3. V., ainda, Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da "efetividade" do processo, Ajuris, 29(1983):77 ss.; e o volume L'effectivité des décisions de justice (journées françaises), Travaux de l'Association Henri Capitant, 1. 36, Paris, Economica, )987.

2.Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 5" ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 271.

3. V., nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell, Tutelajurisdicional, São Paulo, Atlas, 1998, p.35.

4. Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna, in Studi in onore di Enrico Tullio Liebman, v. 3, Milano, Giuffre, 1979, p. 1.738-9, valendo-se, como é notório, de clássica doutrinação de Chiovenda quanto ao escopo do processo.

s. Cf. Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, São Paulo, Ed. RT, 1997, p. 20. A efetividade das decisões judiciais, confonne lição de Carnelutti, poderá ser assegurada pelas medidas cautelares, que constituem antídoto contra a demora do processo (Diritto e processo, Napoli, Morano, 1958, p. 355-6). V., nesse sentido, Dinamarco, A instrumentalidade do processo, cit., p. 302.

6. Cf. Rafael Bielsa e Eduardo Grana, El tiempo y el proceso, Revista dei Colegio de Abogados de La Plata, La Plata, 55(1994):189.

7. Cf. Bielsa e Grana, El tiempo y el proceso, cit., p. 189, com lastro em doutrinação de Giuseppe Tarzia, que se referiu a tal dicotomia no artigo intitulado Quali ri/orme pela la giustizia civile?, Giurisprudenza italiana, 1987, pt. IV.

8. Cf., ainda, Bielsa e Grana, El tiempo y el proceso, cit., p. 190.

9. Lauria Tucci, Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, 38 ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 290, com arrimo em Alejandro O. Carri6, Garantias constitucionales en el proceso penal, Buenos Aires, Hammurabi, 1984, p. 132.

10. V., a respeito, José Luis Albacar Lopez, La durata e il costo dei processo nell 'ordinamento spagnolo, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, tr. it. Gigliola Funaro, 1983, p. 1.102; Les temps dans la procédure, obra coletiva dirigida por Jean-Marie Coulon e Marie-Anne Frison-Roche, Paris, Dalloz, 1996; Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1,5" ed., São Paulo, Ed. RT, 2000, p. 114.

11. Cf. Rogério Lauria Tuccí, Direítos e garantias individuais no processo penal brasileiro, cít., p. 231-232. V., no mesmo sentido, o oportuno artigo de Alberto Zacharias Toron e Fábio Tofic Simantob, A panacéia da Justiça rápida, O Estado de S. Paulo, ed. de 11-04-2011, p. A2.

12. Redução dos recursos: violação da liberdade, O Estado de S. Paulo, ed. de 11-06-2011, p. A2.

13 Cf. Apresentação da Revista do Advogado (da AASP), v. 40, 1993, p. 3.

14. Cf. Dalmo de Abreu Dallari, O poder dos juízes, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 77.

15. Cruz e Tucci, Garantia da prestaçào jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do devido processo legal, Devido processo legal e tutela jurisdicional, São Paulo, Ed. RT, 1993, p. 101-2. V., ainda, nesse sentido, Geoffrey C. Hazard Jr., La durata eccessiva dei processo: verso nuove premesse, tr. it. Roberta BalJerini, Rivista di diritto civile, I986(n. 3), p. 279. V., nesse mesmo volume, vários trabalhos específicos sobre o tema aqui versado (de Vittorio Denti, Michele Taruffo, Edward D. Re e Vincenzo Vigoritti), e que foram apresentados no Convegno su costo e durata dei processo in Italia e in USA, realizado em Firenze, em novembro de 1985.

16. Procedimento e ideologia no direito processual brasileiro atual, in Ajuris, v. 33, 1985, p. 81, que se refere aos procedimentos previstos nos decretos-lei 70/66, 167/67 e 911/69. V., ainda, Hebe de Souza Campos Silveira, O problema da aplicabilidade real da lei processual civil brasileira: a crise do Poder Judiciário, Revista da OAB (Seccional de Pernambuco), Recife, v. 29, 1990, p. 145 ss..

17. V., e. g., Kazuo Watanabe, Filosofia e caracteristicas básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas, Juizado Especial de Pequenas Causas (obra coletiva), São Paulo, Ed. RT, 1985, p. 2; Amoldo Wa1d, Rapport brésilien, L'effectivité des décisions dejustice, Travaux de l'Association Henri Capitant, cit., p. 73.

18. Cf. Parecer da Comissão Mista Extraordinária do Instituto dos Advogados Brasileiros, subscrito por José Ribas Vieira, Oscar Argollo, Jackshon Grossman e João C. Castellar.

19. V., a respeito, por último, Cibele Pinheiro Marçal Tucci, Bases estruturais do processo civil moderno (comparação jurídica), Processo civil -evolução -20 anos de vigência (obra coletiva), São Paulo, Saraiva, 1995, p. 48 ss..

20. Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo, 58 ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 43, com apoio em Tomás Pará Filho.

21. V., a propósito das expectativas sociais dos juizes em época moderna, Julie Allard e Antoine Garapon, Les juges dans la mondia/isation, Turriers, La République des Idées e Seuil, 2005, p. 64 ss.

22. Cf. Teresa Sapiro Anselmo Vaz, Novas tendências do processo civil no âmbito do processo declarativo comum (alguns aspectos), Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, v. 55, 1995, p. 90 I.

23 Mercedes García Arán, La prevaricaciónjudicial , Madrid, Tecnos, 1990, p. 160.

24 11 magistrato senza qualità, 28 ed., Roma, Laterza, 1996, p. 3.

25 Cf. José Antonio Tomé Garcia, Protección procesal de los derechos humanos ante los tribunales ordinarios, Madrid, Montecorvo, 1987, p. 119; com lastro em José Almagro Nosete. V., ainda, Vicente Gimeno Sendra, Constitución y proceso, Madrid, Tecnos, 1988, p. 144 ss.; Cruz e Tucci, Garantia da prestação jurisdicional sem di/ações indevidas como corolário do devido processo legal, Devido processo legal e tuteJajurisdicional, cit., p. 104

26 Em torno da revisão do direito processual civil, Revista da Ordem dos Advogados, cit., p. 15.

27. Cf. Dallari, opoder dosjuízes, cit., p. 156-7.

28. V., nesse sentido, Teresa Sapiro Anselmo Vaz, Novas tendências do processo civil, cit., p. 924; Jethro K. Liebennan, The litigious society, New York, Basic Books, 1981, p. 3-4: "Hoje, no entanto, foram outorgados a várias camadas da sociedade meios para atingir a satisfação de direitos. Decisões judiciais têm modificado a face da ordem socia!...".

29. I tempi dei processo civile ne//'ordinamento ungherese, Studi in onore di Vittorio Denti, v. 2, Padova, Cedam, 1994, p. 197-8.

30. Novas tendências do processo civil, cit., p. 849-50.

31. Delay and settlement in civillitigation: notes toward a comparative and sociological perspective, Studi in onore di Vittorio Denti, v. 2, cit, p. 165.

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