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Decisão

STJ admite reclamação contra decisão que impunha obrigações impossíveis

Decisão impunha à empresa obrigações que dependiam da vontade de terceiro.

Da Redação

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Atualizado às 15:47

Decisão

STJ admite reclamação contra decisão que impunha obrigações de cumprimento impossível

A ministra Isabel Gallotti admitiu o processamento de reclamação proposta por uma revendedora de carros contra acórdão proferido pela 3ª turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do RJ. Segundo a empresa, a decisão contraria a jurisprudência do STJ, pois manteve condenação cujas determinações são impossíveis de cumprir.

Em ação declaratória de inexistência de débito ajuizada por uma cliente, a empresa foi condenada a rescindir o contrato de financiamento de automóvel celebrado entre a cliente e uma financeira; cancelar os débitos existentes em nome da cliente referentes ao valor do carro; e providenciar a exclusão de qualquer apontamento restritivo em cadastros de proteção ao crédito. A sentença deu o prazo de 30 dias, com multa igual ao dobro de qualquer valor que fosse cobrado em desconformidade com a decisão.

A revendedora alega ser impossível rescindir o contrato entre a cliente e a financeira, pois apenas intermediou o acerto e, por isso, é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação. De acordo com a empresa, a jurisprudência consolidada do STJ considera descabido impor obrigação e fixar multa caso se trate de cumprimento de ato que dependa da vontade de terceiro.

Embora a reclamação não se equipare ao recurso especial, que não é cabível contra as decisões das turmas recursais dos juizados estaduais, ela pode ser utilizada para dirimir divergências entre essas decisões e súmula ou jurisprudência consolidada do STJ, e serve para impedir a consolidação de entendimentos que divirjam da jurisprudência do tribunal. Além disso, segundo definiu o STJ, só serão admitidas reclamações baseadas em súmulas ou teses adotadas no julgamento de recurso repetitivo.

Para a ministra Isabel Gallotti, ainda que a divergência apontada pela reclamação não seja baseada em súmula ou recurso repetitivo, a decisão é absurda, pois impõe à empresa obrigações que dependem da vontade de terceiro, tornando impossível o seu cumprimento.

Veja a decisão na íntegra.

______________

RECLAMAÇÃO Nº 6.587 - RJ (2011/0190091-1)

RELATORA: MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

RECLAMANTE: EUROBARRA RIO LTDA

ADVOGADO: MARTA MARTINS FADEL E OUTRO(S)

RECLAMADO: TERCEIRA TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - RJ

INTERES. : DILVÂNIA DOS SANTOS OLIVEIRA

DECISÃO

Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta por Eurobarra Rio Ltda em face de acórdão proferido pela Terceira Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro - RJ, que negou provimento a recurso inominado interposto pela reclamante, mantendo condenação em prestação supostamente impossível estabelecida na sentença, e, dessa forma, teria contrariado a orientação jurisprudencial desta Corte.

Relata a reclamante, em síntese, que, em ação declaratória de inexistência de débito ajuizada por Dilvânia dos Santos Oliveira, foi condenado a:

1) rescindir contrato de financiamento para aquisição de veículo celebrado entre a autora e terceiro (Banco Itauleasing S/A);

2) cancelar todo e qualquer débito existente em nome da autora referente ao valor do automóvel;

3) providenciar a exclusão de qualquer apontamento restritivo nos cadastros de proteção ao crédito realizado com base no objeto deste litígio;

Ficando estabelecido prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento, sob pena de multa do dobro do que viesse a ser cobrado em desconformidade com a decisão.

Aduz ser impossível cumprir as determinações impostas já que apenas intermediou o contrato entre a consumidora e a financeira (Banco Itauleasing S/A), sendo parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação, argumento que vem defendendo desde a contestação.

Mencionando precedentes desta Corte, defende a reclamante que a jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de ser "descabido impor obrigação de fazer e fixar astreinte caso se trate de ato que dependa da vontade de terceiro, pois, caso este decida não praticar o ato indispensável ao cumprimento da obrigação, esta se torna impossível" (e-STJ fl. 32), em verdadeira afronta ao art. 248 do Código Civil.

Requer, liminarmente, a suspensão do processo originário até decisão desta Corte, evitando-se a incidência da multa estabelecida e, no mérito, a procedência da presente reclamação, para cassar o acórdão reclamado e julgar improcedentes os pedidos autorais.

Assim delimitada a controvérsia, passo a decidir.

Cumpre, inicialmente, ressaltar que a Corte Especial, apreciando questão de ordem levantada na Rcl 3752/GO, em razão do decidido nos EDcl no RE 571.572/BA (STF, Rel. Ministra Ellen Gracie), admitiu a possibilidade do ajuizamento de reclamação perante o STJ, objetivando, assim, adequar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Estaduais à súmula ou jurisprudência dominante nesta Corte.

A mencionada espécie de reclamação foi disciplinada pela Resolução 12/2009. Ela não se confunde com uma terceira instância para julgamento da causa, e tem âmbito de abrangência necessariamente mais limitado do que o do recurso especial, incabível nos processos oriundos dos Juizados Especiais. Trata-se de instrumento destinado, em caráter excepcionalíssimo, a evitar a consolidação de interpretação do direito substantivo federal ordinário divergente da jurisprudência pacificada pelo STJ.

A 2ª Seção, no julgamento das Reclamações 3.812 e 6.721, interpretando a citada resolução, decidiu que a jurisprudência do STJ a ser considerada para efeito do cabimento da reclamação é apenas a relativa a direito material, consolidada em súmulas ou teses adotadas no julgamento de recursos repetitivos (CPC, art. 543-C). Não se admitirá, desse modo, a propositura de reclamações somente com base em precedentes tomados no julgamento de recursos especiais. Questões processuais resolvidas pelos Juizados não são passíveis de reclamação, dado que o processo, nos juizados especiais, orienta-se pelos princípios da Lei 9.099/95. Fora desses critérios foi ressalvada somente a possibilidade de revisão de decisões aberrantes.

Ficou decidido, também, que quando se tratar de contrariedade a enunciado de Súmula, deve o reclamante trazer à colação os acórdãos que deram origem ao enunciado, demonstrando similitude fática entre as questões confrontadas.

No caso em exame, a questão jurídica objeto da reclamação não é definida em súmula e nem foi decidida sob o rito do art. 543, do CPC. Verifico, todavia, em juízo perfunctório, que a decisão se mostra teratológica haja vista impor ao reclamante prestações que, segundo evidenciam, dependeriam da vontade de terceiro, constituindo-se em verdadeira hipótese de obrigação de impossível cumprimento pela reclamante.

Admito, portanto, a presente reclamação, nos termos do art. 2º da Resolução n. 12/2009-STJ.

Oficie-se à Terceira Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro - RJ, comunicando o processamento da reclamação e solicitando informações.

Após, publique-se, na forma do inciso III do mesmo dispositivo, para as partes, caso julguem necessário, pronunciarem-se.

Brasília (DF), 19 de dezembro de 2011.

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

Relatora