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Ação

Credor mordido por cachorro de devedor não recebe dívida nem dano moral

Para juiz da ação, o ferimento de apenas um centímetro de diâmetro não comprovou perigo de morte.

Da Redação

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Atualizado às 08:54

Credor mordido na panturrilha esquerda por cão de devedor não tem direito à indenização, de acordo com decisão da câmara Especial Regional de Chapecó/SC, que confirmou sentença da comarca de Dionísio Cerqueira.

O apelante alega que foi exposto a situação vexatória ao ir até a residência do devedor para cobrar uma dívida e ser atacado pelo cão. O devedor não negou a mordida do animal, mas disse não ter atiçado cão, de modo que não se caracteriza o dolo. Disse, ainda, que efetuou acordo com o autor, em audiência realizada na Casa da Cidadania de Palma Sola sobre esses fatos.

O desembargador substituto Jorge Luis Costa Beber, relator, observou que o laudo pericial confirmou a lesão na panturrilha causada pelo cão do apelado, mas destacou que o ferimento tinha apenas um centímetro de diâmetro e que não foi comprovado, por documentos, o "perigo de morte" apontado na ação inicial.

"Não se nega que o autor tenha sofrido contratempos e dissabores. Contudo, não há na petição inicial a imputação de qualquer fato que pudesse ensejar o reconhecimento de uma dor íntima ou um profundo abalo psíquico", finalizou Beber. A decisão foi unânime.

  • Processo: 2010.030553-0

__________

Apelação Cível n. 2010.030553-0, de Dionísio Cerqueira

Relator: Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MORDIDA DE CACHORRO. ABALO MORAL NÃO COMPROVADO. PEQUENA LESÃO, INCAPAZ DE OCASIONAR MAIORES TRANSTORNOS. MERO DISSABOR QUE NÃO IMPORTA NO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

A função primordial do Direito é harmonizar as relações sociais, compatibilizando os desencontros que dimanam das razões opostas, não se amalgamando com esses propósitos a benevolência que vislumbra em qualquer contratempo ou sensação de desgosto a obrigação de indenizar danos supostamente anímicos. A perpetuar-se tal entendimento, as relações humanas, em muito pouco tempo, se tornarão insuportáveis, justo que ao menor deslize ou a mais ínfima e involuntária conduta que venha a provocar um breve desassossego, será motivo para a deflagração de mais uma lide indenizatória.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.2010.030553-0, da comarca de Dionísio Cerqueira (Vara Única), em que é/são apelante J.S.P., e apelado U.A.:

A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, e dele participou o Exmo. Des. Subst. Guilherme Nunes Born, como revisor.

Chapecó, 28 de fevereiro de 2012.

Jorge Luis Costa Beber

RELATOR

RELATÓRIO

J.S.P. interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou improcedente a ação de indenização por danos morais que moveu contra U.A..

Disse que sofreu situação vexatória ao ser atacado pelos cachorros de propriedade do apelado, além de ter tido a sua saúde posta em risco.

Defendeu que além do apelado não adimplir o acordo que efetuou com o autor, provocou seus cães, que lhe causaram as lesões descritas no laudo juntado aos autos.

Além disso, afirmou que não lhe foi oportunizada a produção de prova testemunhal, clamando, ao arremate, pelo provimento do apelo.

Embora intimada, a parte contrária deixou fluir in albis o prazo para oferecimento de suas contrarrazões.

Após, ascenderam os autos a este Aerópago.

VOTO

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Alega o apelante que, ao contrário do entendimento do Juiz sentenciante, foi exposto à situação vexatória, justo que, quando foi até a residência do apelado cobrar uma dívida, esse teria instigado seu cachorro a avançar sobre ele, tendo o cão mordido sua panturrilha esquerda, ocasionando-lhe lesões.

Analisando as provas encartadas aos autos, denota-se, especialmente pelo laudo pericial, que o apelante, de fato, sofreu uma lesão na panturrilha, sendo incontroverso que a mesma foi ocasionada por um cão de propriedade do apelado.

Entretanto, colhe-se da descrição constante às fls. 11 que o ferimento possui "01 centímetro de diâmetro", o que revela que a lesão foi de pequena monta.

Não se nega que o autor tenha sofrido contratempos e dissabores.

Contudo, não há na petição inicial a imputação de qualquer fato que pudesse ensejar o reconhecimento de uma dor íntima ou um profundo abalo psíquico.

Em ações dessa natureza, segundo estimo, deve ser perscrutado pelo prudente arbítrio do julgador a existência de um mínimo de razoabilidade e sintonia entre os fatos narrados e o direito almejado, ou seja, entre o ato supostamente ilícito e a sua eventual repercussão em desfavor do patrimônio moral daquele que se diz ofendido, buscando-se evitar abusos de toda a sorte.

Por outras palavras: não basta o fator em si do acontecimento, pois há erros suportáveis e erros que devem ser punidos. Para o acolhimento da pretensão, é imprescindível que o suposto ato ilícito tenha carga suficiente para infligir no ofendido um sofrimento moral intenso, causador de sequelas de induvidosa repercussão.

Colhe-se do magistério de ANTÔNIO JEOVÁ DOS SANTOS:

"O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subsequente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo ao direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade de lesionar sentimento ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja a justa medida do ultraje às afeições sentimentais. As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade e algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista o autêntico dano moral" (Antônio Jeová dos Santos. Dano moral indenizável, 3ª ed., SP: Método, 2001, p. 122).

PONTES DE MIRANDA, discorrendo sobre o tema, preleciona:

-O que se há de exigir como pressuposto comum da reparabilidade do dano não patrimonial, incluído, pois, o moral, é a gravidade, além da ilicitude. Se não teve gravidade o dano, não se pode pensar em indenização. De minimis non curat praetor.- (Tratado de Direito Privado, t. 26/34-35, § 3.108, n.2).

A Corte Catarinense, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 96.010568-9, de Canoinhas, Rel. Des. Silveira Lenzi, transcrevendo sentença da lavra do Juiz Hélio do Valle Pereira, consignou:

-... o fenômeno jurídico não abarca todos os fatos da vida cotidiana.

Acontecimentos há, amiúde, que passam ao largo do regramento normativo, sendo fatos não-jurídicos. Igualmente, nem todo o fenômeno que redunde em revolta por parte da pessoa humana representará caso passível de indenização por danos morais. É dizer, os atos da vida cotidiana, os contratempos e desventuras corriqueiras não estão abrangidos pela responsabilidade civil. É que os termos amplíssimos do art. 159, do Código Civil, e do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, devem ter seu alcance limitado ao razoável; ou seja, às hipóteses de destaque que rompam com um padrão de aceitabilidade e normalidade; que tragam, por assim dizer uma afronta moral acima da suportabilidade exigida para os atos comezinhos.

Daí se dizer, com muito maior autoridade, que -transtornos, aborrecimentos ou contratempos que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normais na vida de qualquer um, não geram direito à reparação por danos morais- (TJSP, JTJ 158/83, rel. Des. Pinheiro Franco).-

Ademais, o autor sequer apresentou documentos que comprovassem que a mordida teria afetado a sua saúde, ocasionando-lhe "perigo de morte", como afirmado na inicial.

De outro norte, não se pode desprezar a tese apresentada pelo réu, no sentido de que o apelante teria entrado na sua propriedade sem o seu consentimento, o que motivou o animal a avançar sobre a sua pessoa.

O Magistrado singular Murilo Leirião Consalter, com inteiro acerto, deixou registrado na sentença recorrida:

"Para que fosse possível reconhecer o dano moral, necessário que restasse efetivamente demonstrado que, com a situação, o autor foi humilhado, desmerecido, atingido em sua honra. Entretanto, absurdo se considerar que uma pequena mordedura sem maiores consequencias seja apta a ensejar o dano moral".

Outrossim, tenho que a oitiva de testemunhas em nada alteraria o quadro fático constante nos autos, pois é incontroversa a mordida, e, na inicial, o autor não relatou qualquer fato mais grave que pudesse ser comprovado pela prova testemunhal. Na verdade, o demandante sequer esclareceu se o fato foi presenciado por terceiras pessoas.

Em situação semelhante, esta Casa decidiu:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. MORDIDA DE CÃO. ATAQUE OCORRIDO EM MOMENTO DE INTENSA EXALTAÇÃO ENTRE VIZINHAS BRIGUENTAS. PROVA INSUFICIENTE (ART. 333, I, DO CPC). TÊNUES DANOS FÍSICOS. MERO DISSABOR. PRECEDENTE DA CORTE. RECURSO IMPROVIDO.

Não obstante o incômodo sofrido pela autora - mordida pelo cão da vizinha desafeta - essa circunstância não enseja, contudo, reparação por dano moral, não só porque tênue as lesões dela decorrentes e ausente prova do pertinente dano psíquico, como também porque a ação do animal ocorreu em meio a intensa discussão travada entres as vizinhas briguentas" (Grifos meus, Apelação Cível n. 2008.045796-6, de Caçador, rel: Des. Eládio Torret Rocha, julgado em 05/08/2011).

A função primordial do Direito é harmonizar as relações sociais, compatibilizando os desencontros que dimanam das razões opostas, não se amalgamando com esses propósitos a benevolência que vislumbra em qualquer contratempo ou sensação de desgosto a obrigação de indenizar danos supostamente anímicos. A perpetuar-se tal entendimento, as relações humanas, em muito pouco tempo, se tornarão insuportáveis, justo que ao menor deslize ou a mais ínfima e involuntária conduta que venha a provocar um breve desassossego, será motivo para a deflagração de mais uma lide indenizatória.

Por isso, voto pelo desprovimento do recurso aviado, mantendo-se incólume a sentença de primeiro grau.

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