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Cotas

Estudante que cursou ensino particular com bolsa pode matricular-se como cotista

Desembargador ressaltou que intenção das costas é proporcionar acesso à educação superior às classes menos privilegiadas.

Da Redação

sábado, 5 de maio de 2012

Atualizado às 11:48

O desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, do TRF da 4ª região, modificou decisão de primeiro grau e autorizou a matrícula de um estudante em vagas reservadas a candidatos cotistas autodeclarados negros oriundos de escolas públicas, ainda que este tenha cursado os dois primeiros anos do ensino médio com bolsa de estudos em escola privada.

O autor ajuizou ação com pedido de liminar na 6ª vara Federal de Porto Alegre/RS, após a UFRGS ter negado sua matrícula sob o argumento de que não preenchia os requisitos para vaga de cotista. Ele pretende cursar Direito Noturno e recorreu ao tribunal para a obter o direito. Após analisar o recurso, Lenz, que é relator do processo na corte, entendeu que é preciso examinar a intenção da norma contida no edital, que é reduzir as desigualdades sociais proporcionando acesso à educação superior às classes menos privilegiadas.

"Examinando a vida escolar do impetrante, não é possível afirmar que não possui direito de ser incluído entre os denominados cotistas. Escapa da finalidade da norma penalizar o estudante por ter conseguido obter bolsa de estudos para cursar escola particular", afirmou o desembargador.

Veja a íntegra da decisão.

_____________

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5006573-97.2012.404.0000/RS

RELATOR: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

AGRAVANTE: SAMUEL DAVILA DA SILVA

ADVOGADO: WANDA MARISA GOMES SIQUEIRA; DENISE GOMES SIQUEIRA; ANDRE FREIRE DE FREIRE

AGRAVADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu a liminar, pela qual o Autor visa à matrícula em curso superior - Direito Noturno da UFRGS - em vagas reservadas aos candidatos cotistas autodeclarados negros oriundos de escolas públicas, ainda que tenha cursado o 1º e 2º anos do ensino médio em escola particular, ainda que com bolsa de estudos, e o 3º ano do ensino médio em escola do SESI, que é gratuita e destinada a filhos de industriários, sendo equiparada a escolas públicas.

É o relatório.

Decido.

Ao julgar o AI nº 5001226-83.2012.404.0000, versando sobre questão análoga, proferi a seguinte decisão, verbis:

'Vistos, etc.

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu a liminar, pela qual o impetrante visa à matrícula em curso superior em vagas reservadas a alunos oriundos de escolas públicas, ainda que tenha cursado o 3o ano do ensino médio em escola particular, com bolsa de estudos.

É o relatório.

Decido.

Efetivamente, de acordo com o edital (Edital Evento 1, Edital 9), o concurso vestibular ao qual o Autor se submeteu previa reserva de 50% das vagas para os candidatos que tivessem cursado e concluído com êxito todas as séries do Ensino Médio regular ou equivalente (técnico, magistério ou Educação de Jovens e Adultos) em escolas(s) pública(s), ressalvando expressamente a impossibilidade de inclusão em tal regra do candidato que tivesse recebido bolsa de estudos em escola privada. Trata-se, portanto, de norma objetiva, que em uma primeira análise não se aplica ao agravante.

Contudo, cabe examinar o escopo da norma contida do edital, introduzida no âmbito das ações afirmativas, qual seja, atuar na redução das desigualdades sociais, proporcionando o acesso à educação superior às classes menos privilegiadas. Nessa seara, examinando a vida escolar do impetrante, não é possível afirmar que não possui direito a ser incluído entre os denominados cotistas, tratando-se de aluno que estudou todo o ensino fundamental e quase a integralidade do ensino médio em escolas públicas. Escapa, assim, da finalidade da norma penalizar o agravante por ter conseguido obter bolsa de estudos para cursar tão-somente o 3o ano do ensino médio em instituição privada, sendo certo que tal fato não o equiparou a disputar as demais vagas em igualdade com concorrentes do acesso universal, na sua maioria oriundos da rede privada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente, in verbis:

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS SOCIAIS. EDITAL Nº 06/2010 DA UFPR.

1. Quanto ao mérito da questão trazida a Juízo, cumpre destacar que o sistema de cotas instituído pela Universidade Federal do Paraná guarda em seu escopo a estimulação da igualdade material no meio social, como corolário das ações afirmativas implementadas pelo Estado no intento de diminuir as manifestas desigualdades observadas entre as classes sociais, de modo que possam ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Com efeito, constituindo o sistema de cotas meio de exercício de discriminação positiva, afigura-se inegável que o intento da ação é o de beneficiar aqueles considerados como socialmente desfavorecidos, a fim de viabilizar a sua inclusão social e, especificamente no caso, seu ingresso nos quadros acadêmicos de Universidades Públicas.

Destaque-se que os fatos em estudo encontram-se insertos em contexto de implantação pela UFPR de política de cotas para o ingresso de estudantes negros e advindos do ensino público, sendo inegável o intento de propiciar a inclusão racial e social pela via de ações afirmativas realizadas na instituição.

Por outro lado, tem-se que a questão atinente ao sistema de cotas raciais e sociais não se encontra, ainda, disciplinada por Lei Federal, de modo que a sua adoção pelas Universidades decorre de sua autonomia preconizada no art. 207 da Constituição Federal, incumbindo às próprias Instituições de Ensino Superior deliberar sobre as regras de regência, o que restou implementado pela UFPR por intermédio da Resolução nº 37/2004-COUN (e alterações advindas pela Resolução nº 17/07 COUN) e, quanto ao processo seletivo em debate, também pelo Edital nº 06/2010-NC, nos seguintes termos:

Art. 3º. (...)

§ 2º Das vagas oferecidas para os cursos, 20% serão de inclusão social, disponibilizadas para estudantes que tenham realizado todo o ensino fundamental (1ª a 8ª séries) e o médio exclusivamente em escola pública no Brasil, entendidas como tais aquelas mantidas e administradas pelo poder público.

No caso dos autos a impetrante admite, expressamente, não ter cursado a integralidade do ensino fundamental em instituição de ensino pública, na medida em que cursou a 1ª do ensino fundamental em escola não pública. Alega, contudo, que tal somente ocorreu por ser beneficiária de bolsa de estudos, salientando que nunca despendeu qualquer quantia para subsidiar seus estudos, porque não tinha condições financeiras para tanto, sendo hipossuficiente e, portanto, preenche os pressupostos para usufruir a vaga do sistema de cotas sociais.

Não se discute, neste feito, o sistema de cotas, ou mesmo a veracidade das arguições desfiladas pela impetrante. Questiona-se, apenas, se há o seu enquadramento como beneficiária do sistema de cotas, à luz de sua situação específica.

E nesse particular conclui-se que, apesar de ter estudado por um ano em colégio privado, tal circunstância não tem o condão de afastar a certeza quanto às suas precárias condições financeiras ao longo de toda sua vida estudantil e, ainda, quanto à ausência de vantagem intelectual relativamente àqueles concorrentes do sistema de cotas que estudaram apenas em escolas públicas.

Primeiro, porque nunca prestou retribuição financeira para as escolas em que estudou, exatamente por não ter condições para tanto. Depois, por alvitrar que cursou escola privada apenas na 1ª série do ensino fundamental, voltando a estudar em escolas públicas nos anos subsequentes, até o término de seu ensino médio, sendo de rigor o reconhecimento de sua condição de beneficiária das cotas sociais.

De fato, o que se pondera, no caso concreto, que a manutenção da exigência consubstanciada no art. 3º, § 2º do Edital 06/2010-NC destoaria das próprias razões da política de cotas sociais, que visa justamente possibilitar o acesso à Universidade para aqueles alunos em desvantagem social, que tiveram acesso a ensino gratuito e, como regra, de menor qualidade. Ora, como de sabença, estes alunos encontram maiores dificuldades para ingressar no Ensino Superior, visando as cotas, outrossim, a redução das desigualdades sociais, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil expresso no art. 3º, III, da Carta Constitucional de 1988.

Na hipótese, especialmente em vista do momento e curto período em que frequentou escola privada, torna-se forçosa a conclusão de que a impetrante não deteve qualquer vantagem intelectual em relação àqueles estudantes que cursaram toda sua vida estudantil em escola considerada pública.

A impetrante cursou apenas um ano letivo em escola particular (conforme consta na declaração do evento 1 - DECL7), o que não tem o condão de afastar sua desvantagem em relação aos alunos egressos de escolas particulares, pois cursou todas as demais séries em instituições da rede pública de ensino.

Com efeito, a desarazoabilidade fica patente, ao considerar-se que o ensino fundamental e médio somam onze ou doze anos de estudo e a impetrante cursou apenas um ano letivo em escola particular.

Assim sendo, conquanto a demandante não se enquadre nos estritos termos previstos no edital regulador do vestibular da UFPR, porque não cursou TODO o ensino fundamental e médio em escola pública brasileira, não se afigura razoável nem proporcional que alguém, tendo cursado quase todos os anos (menos um ano letivo) do ensino fundamental e do ensino médio em escola pública, não possa ser equiparado a quem cursou integralmente a escola pública brasileira nesses dois níveis.

Assim, ainda que, como regra, este juízo entenda como legítimas as condições estabelecidas pela UFPR relativamente ao sistema de cotas, afere-se no caso concreto a ausência de razoabilidade na manutenção da proibição a impetrante de usufruto do benefício em discussão, cumprindo afastar no caso concreto a aplicação do disposto no art. 3º, § 2º do Edital nº 06/2010-NC, concluindo-se pelo enquadramento da impetrante à situação de merecedora do usufruto do sistema de cotas, fazendo jus, portanto, à matrícula ora postulada.

2. Improvimento da apelação e da remessa oficial.

(TRF/4a Região, Apelação/Reexame Necessário Nº 5003505-28.2011.404.7000/PR, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Terceira Turma, Sessão de 20-07-2011)

Assim, adotando-se uma interpretação em conformidade com a finalidade da implementação das cotas sociais e de acordo com a razoabilidade, entendo que nesse momento processual, especialmente tendo em vista o periculum in mora, deve ser deferida a liminar.

Por esses motivos, com fulcro no art. 557, § 1º-A do CPC e 37, § 1º, II, do R.I. da Corte, dou provimento ao agravo de instrumento para reconhecer o pedido liminar.'

É o caso dos autos.

Referido decisum restou mantido, à unanimidade, pela Terceira Turma deste Tribunal, em acórdão assim ementado, verbis:

AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS SOCIAIS. EDITAL Nº 06/2010 DA UFPR.

Quanto ao mérito da questão trazida a Juízo, cumpre destacar que o sistema de cotas instituído pela Universidade Federal do Paraná guarda em seu escopo a estimulação da igualdade material no meio social, como corolário das ações afirmativas implementadas pelo Estado no intento de diminuir as manifestas desigualdades observadas entre as classes sociais, de modo que possam ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Com efeito, constituindo o sistema de cotas meio de exercício de discriminação positiva, afigura-se inegável que o intento da ação é o de beneficiar aqueles considerados como socialmente desfavorecidos, a fim de viabilizar a sua inclusão social e, especificamente no caso, seu ingresso nos quadros acadêmicos de Universidades Públicas.

Assim, ainda que, como regra, este juízo entenda como legítimas as condições estabelecidas pela UFPR relativamente ao sistema de cotas, afere-se no caso concreto a ausência de razoabilidade na manutenção da proibição ao agravado de usufruto do benefício em discussão, tendo em vista que apenas cursou o terceiro ano do ensino médio em instituição privada, por meio de bolsa de estudos integral.

(AI nº 5001226-83.2012.404.0000/PR; TERCEIRA TURMA; RELATOR : CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ; Data Julg. 29.12.2012)

No mesmo sentido, os seguintes precedentes desta Corte, verbis:

ADMINISTRATIVO. VESTIBULAR. UNIVERSIDADE FEDERAL. COTAS SOCIAIS. DUAS PRIMEIRAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL CURSADAS EM ESCOLA PARTICULAR. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. É razoável considerar que, tendo o impetrante cursado como bolsista apenas os dois primeiros anos letivos em escola não pública, não resta afastada sua desvantagem em relação aos alunos egressos de escolas particulares, pois cursou todas as demais séries em instituições da rede pública de ensino. (TRF4, APELREEX 5002968-32.2011.404.7000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 09/01/2012)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. VESTIBULAR. SISTEMA DE COTAS. ACESSO IMPOSSIBILITADO PORQUE O ESTUDANTE CURSOU O ENSINO FUNDAMENTAL E O 1º ANO DO ENSINO MÉDIO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PARTICULAR, COM BOLSA INTEGRAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. FINALIDADE DA NORMA. CONFIRMAÇÃO DA VAGA E DA MATRÍCULA. Provimento do agravo de instrumento. (TRF4, AG 5008606-94.2011.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 25/08/2011)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COTAS SOCIAIS. PRIMEIRA SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL CURSADA EM ESCOLA PARTICULAR. 1. A impetrante cursou a primeira série do ensino fundamental em educandário que, além de ser entidade filantrópica e sem fins lucrativos e seu corpo discente formado por Irmãs Franciscanas. 2. Merecedora de inclusão social em vista a gratuidade do ensino é a característica precípua da escola pública em relação à particular, sob o ponto de vista social e comunitário. 3. Não obstante seja atribuída à universidade autonomia didática para regulamentar a matéria, esta deve restar prejudicada e inoperante em face do princípio da razoabilidade. 4. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF4, APELREEX 2009.71.02.000684-2, Terceira Turma, Relator João Pedro Gebran Neto, D.E. 08/10/2009)

DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. VESTIBULAR. RESERVA DE VAGAS PARA ALUNOS EGRESSOS DO ENSINO PÚBLICO. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. EXCEÇÃO.

1. O fato de ter a impetrante cursado apenas parte do 2º ano do Ensino Médio em instituição de ensino privado, na modalidade de supletivo, não a põe em vantagem em comparação aos demais candidatos cotistas. Adoção do critério da razoabilidade no caso concreto, pois a impetrante estudou apenas cinco meses do ensino médio em instituição particular.

2. De outra parte, a Impetrante obteve nota suficiente para aprovação no certame independentemente do sistema de cotas, restando evidente a abusividade da norma que estabelece a desclassificação do candidato pelo preenchimento equivocado da ficha de inscrição. Presente o direito líquido e certo, nos moldes previstos pelo art. 5º, LXIX, da Constituição Federal.

(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5000173-29.2011.404.7008/PR, 4ª Turma, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, por maioria, foi negado provimento à apelação e à remessa oficial na sessão do dia 20/03/2012).

Assim, adotando-se uma interpretação em conformidade com a finalidade da implementação das cotas sociais e de acordo com a razoabilidade, entendo que nesse momento processual, especialmente tendo em vista o periculum in mora, deve ser deferida a liminar.

Por esses motivos, com fulcro no art. 557, § 1º-A do CPC e 37, § 1º, II, do R.I. da Corte, dou provimento ao agravo de instrumento para reconhecer o pedido liminar.

Intime-se. Publique-se.

Porto Alegre, 02 de maio de 2012.

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

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