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Decisão

Grêmio terá que indenizar fotógrafo por uso indevido de imagem

Time lançou um DVD comemorativo e utilizou uma imagem captada pelo fotógrafo na capa do material sem dar o devido crédito ao profissional.

Da Redação

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Atualizado às 08:57

O juiz de Direito Cláudio Eduardo Régis de Figueiredo e Silva, da 2ª vara Cível de Porto Alegre/RS, condenou o Grêmio Foot-Ball Clube Porto Alegrense a indenizar em R$ 30 mil um fotógrafo por uso indevido de imagem produzida pelo profissional.

O fotógrafo prestou serviços ao clube em 1983, por ocasião da decisão do Mundial Interclubes disputado em Tóquio, no Japão, oportunidade em que o clube gaúcho sagrou-se campeão. Em 2009, no 25º aniversário da conquista, o Grêmio lançou um DVD comemorativo e utilizou uma imagem captada pela lente do fotógrafo na capa do material, sem dar o devido crédito ao profissional.

O tricolor gaúcho argumentou ser cotitular dos direitos patrimoniais sobre as fotografias em questão, e ressaltou que financiara a viagem do autor para que este realizasse a cobertura do Mundial, justamente em troca do material fotográfico.

O juiz, contudo, avaliou que o autor provou a violação dos direitos autorais pelo fato de o Grêmio não ter identificado a autoria do material fotográfico utilizado. Também ficou claro, acrescentou o magistrado, que o profissional nada recebeu com a comercialização do DVD.

Veja a íntegra da decisão.

____________

Autos n° 082.09.007575-9

Ação: Reparação de Danos/Ordinário

Autor: J.S.S.

Réu: Grêmio Futebol Clube Porto Alegrense

Vistos, etc.

J.S.S., devidamente qualificado nos autos, ajuizou a presente Ação de Reparação de Danos c/c Tutela Antecipada em face de Grêmio Futebol Clube Porto Alegrense, também devidamente qualificado, alegando, em síntese, que, em dezembro de 1983, prestou serviço ao réu, na qualidade de fotógrafo, para a cobertura do campeonato mundial de futebol interclubes (COPA TOYOTA), em Tóquio (Japão), no qual o réu viria a sagrar-se campeão do mundo. No entanto, aduziu que, em 2009, quando do lançamento de material comemorativo concernente aos 25 anos da conquista do título de campeão, houve, por parte do réu, a publicação de fotos realizadas pelo autor, sem que lhe fossem atribuídos os respectivos créditos, razão por que propôs a presente ação.

Expostas as razões de fato e de direito, requereu a concessão de tutela antecipada liminarmente e, ao final, a procedência dos pedidos, para condenar o demandado ao pagamento de uma compensação por danos morais e de uma indenização por danos materiais, bem como ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Pugnou pela citação do réu, requereu produção de provas, atribuiu valor à causa e juntou procuração e documentos (arts. 282 e 283 do CPC).

Em decisão de fls. 79/81, foi o pedido de antecipação dos efeitos da tutela indeferido.

Devidamente citado, o réu ofereceu resposta na forma de contestação (arts. 300 e ss. do CPC), alegando, preliminarmente, a necessidade de denunciar a lide à empresa responsável pela elaboração da capa do DVD comemorativo. No mérito, afirmou ser o réu co-titular dos direitos patrimoniais sobre as fotografias em questão e asseverou que financiou a viagem do autor, para realizar a cobertura do Mundial de 1983, em troca da obtenção do material fotográfico produzido.

Requereu a improcedência dos pedidos e pugnou pela produção de provas.

Houve réplica.

Após, foram os autos conclusos ao MM. Juiz de Direito, Dr. Guilherme Nunes Born, que julgou antecipadamente a lide nos seguintes termos:

Por fim, quanto aos pedidos realizados em antecipação de tutela, deve-se mencionar a incompatibilidade daqueles com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, vez que poderiam acarretar enormes prejuízos à demandada, atingindo uma proporção muito maior que a própria condenação na presente demanda.

Por esta razão, rejeita-se novamente os pedidos realizados em sede liminar, posto que não guardam conseqüência lógica com os fundamentos expostos acima.

Ante o exposto, com base no art. 269, inc. I, CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos da presente Ação de Reparação de Danos c/c Tutela Antecipada, ajuizada por J.S.S. em face de Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, ambos qualificados para: 1) condenar a associação requerida ao pagamento de R$15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos morais, valor que deverá sofrer correção monetária de acordo com a tabela da e. CGJ/TJ-SC, a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ), e juros de mora de 01% ao mês a partir da citação (art. 405, CC); 2) condenar a demandada ao pagamento de três mil exemplares comercializados, a título de danos materiais, no valor unitário de R$27,90, a serem corrigidos a partir da data que estes deveriam ter sido pagos, conforme o Provimento 13/95 da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado e juros de mora de 01% ao mês a contar da citação. Tendo em vista que o autor decaiu de parte mínima do pedido, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, quais fixo em R$2.000,00 (dois mil reais), conforme §4º, art. 20, CPC. Adverte-se a parte vencida que o pagamento do débito deverá ser promovido no prazo de 15 dias a partir do trânsito em julgamento independentemente de intimação, sob pena de incidência da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC.

Inconformada, a parte ré interpôs recurso de apelação (fls. 111/120), no qual repisou, em preliminar, o argumento da necessidade de denunciação da lide à empresa Nova Forma Industrial e Distribuição Ltda., responsável pela elaboração da capa do DVD comemorativo, bem como sustentou a ocorrência de cerceamento de defesa, em face do julgamento antecipado da lide, posto que pretendia produzir prova testemunhal para comprovar o contrato de prestação de serviços que ligava o autor ao réu e, em consequência, a co-titularidade dos direitos de autor sobre as imagens utilizadas.

No que tange ao mérito, reafirmou os argumentos desenvolvidos na contestação, insistindo na ideia da co-titularidade dos direitos autorais como forma de excluir o alegado uso indevido do material.

Em conformidade, requereu a anulação da sentença, com o acolhimento das preliminares suscitadas e, subsidiariamente, na eventualidade de análise do mérito, o afastamento da condenação por danos morais e materiais ou a redução dos valores fixados, pleiteando, por fim, a condenação do autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios.

O autor apresentou contrarrazões à apelação (fls. 259/269) e interpôs recurso adesivo (fls. 291/297), com o intuito de majorar o quantum compensatório arbitrado a título de danos morais e o valor dos honorários advocatícios. Postulou, ainda, a aplicação da Súmula 54 do STJ, a fim de que os juros de mora fossem fixados à razão de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso e não da citação.

Foram apresentadas, pela parte ré, contrarrazões ao recurso adesivo (fls. 291/297), após o que subiram os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Em sede de julgamento da apelação, a Terceira Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça, por votação unânime, deu provimento ao recurso para acolher a preliminar de cerceamento de defesa, anulando o processo desde a sentença, inclusive, a fim de que se procedesse à instrução do feito.

Assim, retornaram os autos à 1.ª instância e designou-se audiência de instrução e julgamento, na qual foi tomado o depoimento pessoal do autor e inquirida uma testemunha por ele arrolada. Sem mais provas, foi encerrada a instrução.

Após, vieram os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.

Da denunciação da lide:

Alegou o réu na contestação a necessidade de denunciar a lide à empresa responsável pela elaboração da capa do DVD comemorativo, com fundamento na aplicação do art. 70, inc. III, do CPC, que dispõe ipsis verbis:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

(...)

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Face à redação do dispositivo codicístico supracitado, não restam dúvidas que a mobilização do instituto processual da denunciação da lide depende, em tal hipótese, de previsão legal ou contratual específica do direito de regresso ou da ação regressiva.

É exatamente o que decorre da sólida exposição retórico-argumentativa de Humberto Theodoro Júnior, em termos que convém reter:

O pressuposto da denunciação da lide fundada no art. 70, n. III, do CPC, segundo decidiu o TJSP, é que a ação de regresso, contra o terceiro, decorra do texto específico da lei ou de relação contratual com o denunciante. O que não se admite é a denunciação da lide simplesmente à vista de qualquer alegação de relação jurídica do demandando com terceiro, que pudesse guardar alguma conexão remota com a questão debatida no processo. (Curso de direito processual civil, vol. I, 18. ed., São Paulo: Forense, 1997, pp. 127-128).

No mesmo sentido, ensina Vicente Greco Filho:

Parece-nos que a solução se encontra em admitir, apenas, a denunciação da lide nos casos de simples ação de regresso, isto é, a figura só será admissível quando, por força da lei ou do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante. Em outras palavras, não é permitida, na denunciação, a intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na demanda originária, que não seja responsabilidade direta decorrente da lei e do contrato. (Intervenção de terceiros. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 91) (grifei).

Ora, da análise atenta do contrato firmado para a realização do material comemorativo deflui que não há qualquer cláusula contratual que preveja expressamente a obrigação da empresa Nova Forma Industrial e Distribuição Ltda. de ressarcir qualquer prejuízo no caso de o presente réu perder a demanda.

Aliás, conforme pôs em evidência o MM. Juiz de Direito, Dr. Guilherme Nunes Born, o contrato em causa (fl. 152) contém um item - o item 31 - que reforça o entendimento precedente. Senão vejamos:

31. As partes se responsabilizam, cada qual, sem qualquer espécie de solidariedade entre si, pelos impostos, taxas e contribuições, obrigações de natureza cível e criminal, bem com encargos trabalhistas, previdenciários e acidentários, que incidam ou venham a incidir sobre as atividades da LICENCIADA.

Portanto, e uma vez que não existe no contrato previsão específica de direito de regresso, que se arvora em condição sine qua non de aplicação da normatividade da denunciação da lide, a rejeição da preliminar é a medida que se impõe.

Do mérito:

Trata-se de ação de reparação de danos, pela qual o autor requer a condenação do réu ao pagamento de uma compensação por danos morais e de uma indenização por danos materiais, pelo fato de o demandado, alegadamente, ter violado os direitos autorais do demandante, ao utilizar material fotográfico de sua autoria em encarte de DVD comemorativo, sem lhe atribuir os respectivos créditos.

In limine, importa dilucidar uma questão não despicienda, que é a questão de saber qual é a lei aplicável à realidade fática concreta, dado que, em abstrato, há duas leis que se sucedem no tempo e apresentam campos de aplicação suscetíveis de serem mobilizados para enquadrar o presente caso, a saber: a Lei 5.988/73 e a Lei 9.610/98, ambas reguladoras dos direitos autorais.

A este propósito, o MM. Juiz de Direito pronunciou-se, em sede de julgamento antecipado da lide, pela aplicação da Lei 9.610/98, sob o fundamento de que o ato violador - objeto da lide - se deu no ano de 2009, com o lançamento do DVD comemorativo, e não em 1983, como destaca o réu (fl. 215).

Todavia, de modo diverso, o e. Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso de apelação, preconizou a aplicabilidade da Lei 5.988/73, pelo fato de ser essa a lei vigente à época da produção das imagens em discussão (fl. 310).

Quid iuris? Deve-se aplicar a lei antiga ou a lei nova?

Em matéria de direito intertemporal, cumpre observar, desde logo, a regra insculpida no art. 5.º, XXXVI, da Constituição Federal, que dispõe o seguinte: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

Além desta regra, merece imperiosa referência a regra do artigo 6.º, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.° 4.657, de 4 de setembro de 1942), segundo a qual "a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", sendo que, no que diz respeito aos direitos adquiridos, o artigo 6°, § 2º, da mesma lei estabelece: "consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".

Consagra-se, destarte, no seio do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da proibição da retroatividade das leis, pois os atos normativos legislativos não podem retroagir para prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Tal princípio normativo reveste-se de tanta relevância jurídica, que a doutrina mais autorizada, encabeçada por Gomes Canotilho, erige-o em vetor fundamental de um dos quatro subprincípios concretizadores do princípio do Estado de Direito (art. 1.º da CF), qual seja o subprincípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos (relativamente a atos normativos):

O princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjectiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas. Daqui a ideia de uma certa medida de confiança na actuação dos entes públicos dentro das leis vigentes e de uma certa protecção dos cidadãos no caso de mudança legal necessária para o desenvolvimento da actividade de poderes públicos. (Direito constitucional e teoria da constituição, 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, pp. 252-253).

Especificamente, no tocante ao direito das obrigações, colhe-se da jurisprudência do STJ:

Consoante as regras de direito intertemporal, as obrigações regem-se pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham elas base contratual ou extracontratual. No campo dos contratos, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram. (STJ, Resp 656678/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 03.03.2005) (grifei).

O quadro normativo e jurisprudencial que se vem de dar conta é, insofismavelmente, a bússola norteadora da resolução da questão da lei aplicável, mas, acentue-se, tem de ser adequadamente compreendido ou interpretado.

Senão vejamos. A resposta à indagação acerca do direito aplicável pressupõe o conhecimento da dicotomia que opõe o plano do direito subjetivo ao plano da violação do direito subjetivo.

No plano do direito subjetivo, está em causa o direito de autor, que, como se sabe, reveste um caráter absoluto, na justa medida em que apresenta uma eficácia erga omnes, opondo-se a todos os membros da comunidade jurídica, indiscriminadamente. Por isso, a ele se contrapõe o que a doutrina convencionou chamar de dever geral de abstenção ou obrigação passiva universal, direcionada à tutela do status quo pessoal ou patrimonial do titular do direito.

Ocorrida, porém, a violação do dever geral de abstenção por parte de um ou mais sujeitos integrantes da comunidade jurídica, transita-se, ipso fato, para o plano da violação do direito subjetivo (in casu, do direito de autor), no seio do qual passa agora a vislumbrar-se uma relação jurídica constituída pelo direito à indenização e correspectiva obrigação de indenizar.

Ora, a separação ou cisão entre estes dois planos é de primordial importância, posto que é ela que ilumina a solução da questão em apreço.

Assim, com base nas considerações precedentes, é lídimo afirmar que os direitos de autor do demandante nasceram em 1983, quando da produção do material fotográfico em Tóquio, ao abrigo do que dispunha a Lei 5.988/73, então vigente.

Porém, o ato violador dos direitos de autor, do qual emergiu o direito à reparação, que se pretende efetivar com a presente demanda, só se deu no ano de 2009.

Note-se que a obrigação de que se cuida hic et nunc ou, melhor dito, a obrigação conformadora do objeto da presente lide é a obrigação de indenizar, em que se traduz a responsabilidade civil (extracontratual), como sanção cominada para a violação dos direitos de autor. E, como já se evidenciou, a obrigação de indenizar constituiu-se em 2009, com o lançamento do DVD comemorativo, sem a atribuição dos respectivos créditos ao demandante.

Deste modo, tal obrigação inscreve-se no campo de validade e eficácia (em uma palavra, vigência) da lei nova acerca dos direitos autorais, de harmonia, aliás, com o precedente judicial do STJ a que se aludiu supra.

Com o que se conclui pela aplicação da Lei 9.610/98 ao caso concreto decidendo.

Isto posto, cabe perscrutar o conteúdo dos direitos de autor, antes de se passar à análise das sanções aplicáveis (previstas nos artigos 101 e ss. da lei supracitada).

A respeito dos direitos de ordem intelectual, retira-se da doutrina de Arnaldo Rizzardo:

São aqueles que objetivam garantias à propriedade da obra, de sorte a manter intocável a paternidade na criação intelectual, que reflete a própria personalidade do autor. Visam, assim, proteger a personalidade do criador, que se manifesta na obra, e dizem com o direito do inédito, o direito de reivindicar a paternidade da obra, o direito de sua integralidade, de arrependimento e de retirar a obra de circulação, de destruição, de tradução e de modificação. (Responsabilidade civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. pp. 829-831).

Observa, também, Alexandre Dias Pereira:

(...) os direitos de propriedade intelectual são informados por uma específica intenção de justiça, que decorre do valor comunitário constitucionalmente consagrado no princípio da "liberdade de criação cultural". Na verdade, os bens protegidos no quadro da propriedade intelectual revestem natureza imaterial, sendo relativos a "criações do espírito", isto é, a frutos da "liberdade de criação cultural". Ora, a propriedade intelectual tem por função essencial a promoção da ontogenia do espírito humano, ao nível da originalidade literária e artística, da novidade inventiva e, até, da capacidade distintiva empresarial, bem como, ainda, de prestações de outros agentes do processo económico relativo à criação cultural. (Informática, direito de autor e propriedade tecnodigital. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 176).

Numa linha essencialmente coincidente, que aponta a "riqueza" da propriedade intelectual, veja-se Michel Vivant e Jean Michel Bruguière:

Hodiernamente, a verdadeira riqueza não é concreta, é abstrata. Não é material, é imaterial. Ora, quem diz imaterial, diz propriedade intelectual: 'a propriedade intelectual ocupa um lugar central na economia do imaterial. Com efeito, numa economia em que primam as ideias, em que é a inovação que cria o valor, é normal que os sujeitos procurem proteger as suas ideias ou, a todo o custo, o benefício econômico que podem tirar delas'. (Droit d`auteur. 1. ed. Paris: Dalloz, 2009, p. 4) (tradução minha).

Por fim, mais especificamente sobre o conteúdo dos direitos de autor, assevera, com propriedade, Carlos Alberto Bittar:

Na análise do conteúdo dos direitos autorais, observa-se a existência de dois distintos, mas integrados, conjuntos de prerrogativas que o compõem, relacionados aos vínculos morais e pecuniários do titular com sua obra, a saber: os direitos morais e os direitos patrimoniais (....). Com efeito, cada bloco de direitos cumpre funções próprias: os direitos de cunho moral se relacionam à defesa da personalidade do criador, consistindo em verdadeiros óbices a qualquer ação de terceiros com respeito à sua criação; já os direitos de ordem patrimonial se referem à utilização econômica da obra, representando os meios pelos quais o autor dela pode retirar proventos pecuniários. Os direitos morais são reconhecidos em função do esforço e do resultado criativo, a saber, da operação psicológica, com a qual se materializa, a partir do nascimento da obra, verdadeira externação da personalidade do autor. Os direitos patrimoniais advêm, como resultado da utilização econômica da obra, da decisão do autor de comunicá-la ao público e sob os modos que melhor atendam ao seu interesse. (Direito de autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, pp. 45-46).

Foi precisamente o direito de autor delineado nos termos anteriores que o demandante alega ter sido violado pelo demandado, com o lançamento de material fotográfico produzido pelo demandante, sem menção de seu nome, o que configura, segundo exposição lapidar de Rui Stoco, um caso de responsabilidade (extracontratual) objetiva:

Note-se que a responsabilidade é objetiva, pois basta a utilização sem divulgação da identidade do autor para caracterizar-se o ato ilícito. Não se indaga da intenção do agente nem se releva o fato de ter incorrido em erro, ter sido apenas imprudente ou negligente (desidioso). (Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 820).

É sabido que a mobilização do Tatbestand da responsabilidade objetiva depende do preenchimento de três requisitos ou pressupostos indefectíveis, a saber: conduta do agente, dano e nexo de causalidade entre o fato e o dano.

E tais requisitos devem, por via de regra, ser provados pelo autor, enquanto fatos constitutivos do direito alegado, nos termos do disposto no art. 333, I, do Código de Processo Civil:

"Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

[...]"

Pois bem. Compulsando os autos e analisando mais especificamente a prova documental carreada pelo autor, chega-se às mesmas conclusões a que chegou o MM. Juiz de Direito, quando julgou antecipadamente a lide, conclusões essas que ora se reproduzem (fls. 217/218):

Observando detidamente as provas apresentadas, verifica-se que o DVD em comemoração aos 25 anos da conquista da copa mundial interclubes, não conferiu o nome do autor junto ao item atinente às fotografias realizadas nos encartes (fl. 49).

As mesmas fotografias do encarte do DVD estão presentes em outras revistas, tais como Revista Gol e Placar (fls. 53, 54, 55, 56, 57, 61), inclusive a capa do DVD (fl. 53), que menciona o crédito ao autor, comprovando assim, sua autoria.

Deve-se salientar que a foto numerada como 03 na fl. 47 não é de autoria do demandante, indicando terceiro profissional como responsável pela fotografia, restando excluída do pedido.

Ademais, no tocante à imagem reproduzida à fl. 59, não se pode determinar que seja de autoria do demandante, inexistindo prova que configure a titularidade.

Desta forma, com base nas provas apresentadas, conclui-se que plenamente visível a ausência dos créditos ao autor no DVD lançado em 2009 (fl. 49), uma vez que deixou de atribuir o nome do requerente como fornecedor das fotografias do encarte, violando os direitos inerentes à personalidade e à regra do art. 79, § 2º, Lei 9.610/98.

Ademais, o depoimento do autor e o depoimento da testemunha por ele arrolada, em sede de audiência de instrução e julgamento, corroboram o que resulta da prova documental. Com efeito, o demandante confirmou em audiência os fatos alegados na petição inicial e o mesmo foi feito pela testemunha por ele arrolada, de nome Luiz Antonio Braga Guerreiro, ambos insistindo que as fotografias em causa são de autoria do demandante e que os créditos pelas mesmas jamais foram cedidos ao réu pelo autor, por via contratual.

Ou seja: o autor logrou provar, desde logo, que houve uma conduta violadora dos seus direitos, por parte do réu, posto que este não divulgou a sua identidade no material fotográfico de sua autoria.

No que diz respeito aos danos materiais, também resulta claro que existiu e existe a comercialização do DVD comemorativo, sem que ao autor fosse garantida qualquer contraprestação econômica, embora se desconheça concretamente o número de exemplares comercializados.

Relativamente ao dano moral, é entendimento cristalizado em nossos tribunais e em nossa doutrina que, em situações como a vertente, o autor não tem o ônus de demonstrar cabalmente os incômodos ou constrangimentos realmente sofridos, para se efetivar a responsabilização daquele que cometeu o ato ilícito, tendo em vista que o dano moral se presume, derivando do próprio ilícito (in re ipsa).

Colhe-se do TJSC:

É direito do autor ter seu nome veiculado junto à sua obra. A publicação de fotografias sem a indicação do nome do fotógrafo atenta contra os DIREITOS AUTORAIS, ensejando a reparação dos DANOS MORAIS, pouco importando não ser esta a prática corrente na mídia impressa. (Desembargador Jânio Machado, AC n. 2006.011790-1).

Similar é o teor da decisão proferida no STJ:

DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA. A fotografia, quando divulgada, indicará de forma legível o nome do seu autor. (Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indenização por danos morais. Recurso especial não conhecido. (REsp 132896 / MG, Min. Ari Parglender, j. 17.8.2006).

Semelhante linha de argumentação é desenvolvida por Sérgio Cavalieri Filho, que enfatiza:

Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural [...] (Programa de responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 101 e 102).

Complementando este pensamento, pontua Fernando Noronha:

[...] para fazer prova do dano, [...] é necessário recorrer às regras de experiência que são substrato das presunções naturais [...]. Estas presunções, também chamadas de presunções da experiência, do homem ou do juiz (presumptiones hominis ou judicis), têm por base aquilo que a vida nos ensina, o que normalmente acontece na vida real (id quod plerumque accidit) (Direito das obrigações. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 503).

Face ao exposto, incumbiria, então, ao réu, para se eximir à obrigação da compensação pecuniária, elidir a presunção de dano moral, mediante a prova de que o autor não sofreu quaisquer danos imateriais ou extrapatrimoniais, o que não foi logrado.

Resta, outrossim, comprovado pelo autor o nexo de causalidade entre o fato do réu (lançamento de material fotográfico do autor sem divulgação de sua identidade) e os danos produzidos (danos materiais e morais), já que o primeiro constituiu causa adequada dos segundos.

Sublinhe-se que não merecem prosperar os argumentos trazidos à colação pelo réu de que havia sido celebrado um contrato entre as partes, mediante o qual haviam sido cedidos direitos à parte ré, de tal forma que esta seria co-titular de direitos patrimoniais sobre as fotos em questão.

E isto porque o réu não conseguiu provar em nenhum momento tal alegação, enquanto fato impeditivo do direito do demandante, prova essa que lhe cabia, segundo o disposto no art. 333, II, da lei processual civil:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

(...)

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

De fato, analisando os autos, constata-se que foi realizada audiência de instrução e julgamento, em atenção ao Acórdão do TJSC (que se pronunciou favoravelmente ao cerceamento de defesa do réu), mas sem produção de qualquer prova testemunhal por parte do demandado, a qual seria fundamental para a prova da alegação de co-titularidade dos direitos autorais, considerando que o demandado não havia trazido aos autos qualquer contrato ou documento que o ligasse ao demandante.

Provados os fatos constitutivos do direito do demandante, deve ser reconhecida a responsabilidade civil do réu, com a inerente obrigação de reparar os danos causados.

Passe-se, então, à análise da questão do quantum compensatório.

Em matéria de dano moral, é curial observar que, para a fixação do quantum compensatório, devem, em geral, ser sopesados vários fatores não anódinos, tais como a situação sócio-econômica das partes, o grau de culpa do agente (se for o caso) e a proporcionalidade entre o ato ilícito e o dano suportado pela vítima, sem perder de vista que a compensação visa, ainda, o desencorajamento da prática de novos atos lesivos pelo ofensor. Outrossim, não pode a importância pecuniária ser arbitrada em valor irrisório para o ofensor ou proporcionar enriquecimento sem causa ao ofendido.

Está em causa, portanto, o respeito ao postulado da razoabilidade, havendo de servir a importância fixada como compensação pelos prejuízos ou constrangimentos suportados pela vítima, levando-se em conta que tais elementos são insuscetíveis de indenização.

Neste viés, já decidiu o STJ:

Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. (Resp n. 355392/RJ, Rel. Min. Castro Filho, j. em 26.3.2002).

Na mesma esteira, ensina com auctoritas Regina Beatriz Tavares da Silva:

O critério na fixação do quantum indenizatório deve obedecer à proporcionalidade entre o mal e aquilo que pode aplacá-lo, levando-se em conta o efeito, que será a prevenção, ou desestímulo. Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a 'inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade', traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo (Código civil comentado, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 819).

No presente caso, não se pode deixar de levar em consideração que, por um lado, o autor já ganhou inúmeros prêmios na qualidade de fotógrafo, tendo granjeado reputação e renome entre os seus pares, de modo que o lançamento de material fotográfico pelo réu, sem a divulgação de sua identidade, é suscetível de lhe causar um abalo maior à honra e à dignidade profissional, repercutindo-se de uma forma especialmente negativa em sua esfera moral.

Por outro lado, no polo passivo, figura o Grêmio Futebol Clube Porto Alegrense, pessoa jurídica de poderosíssima condição econômico-financeira, sobretudo quando comparada à do autor, o que não pode ser desconsiderado para efeitos de fixação do valor da compensação em um patamar que permita exercer um efeito pedagógico sobre o réu.

Deste modo, diante das considerações tecidas, fixa-se a compensação por danos morais em R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

No que concerne à indenização dos danos materiais, conforme já se deixou dito, os danos existem, pois que não foi garantida ao autor uma contraprestação econômica decorrente da comercialização do DVD comemorativo, mas não há dados acerca do número de exemplares comercializados.

Em consequência, é inafastável a aplicação do art. 103, parágrafo único, da Lei 9.610/98:

Art. 103. [...]

Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de 3.000 (três mil) exemplares, além dos apreendidos.

Portanto, fixa-se a indenização por danos materiais no valor de três mil exemplares, a R$ 27,90 (vinte e sete reais e noventa centavos) cada.

Por derradeiro, quanto aos pedidos de tutela antecipada, tais pedidos não se coadunam com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, visto que são passíveis de acarretar prejuízos enormes ao demandado, em proporção incomparavelmente maior à da própria condenação na presente demanda, pelo que devem ser rejeitados novamente.

Ante o exposto, com base no art. 269, inc. I, CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos da presente Ação de Reparação de Danos c/c Tutela Antecipada, ajuizada por J.S.S. em face de Grêmio Futebol Clube Porto Alegrense, ambos qualificados, para:

1) indeferir os pedidos de antecipação dos efeitos da tutela formulados pelo autor;

2) condenar o réu ao pagamento do valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de danos morais, valor que deverá sofrer correção monetária, de acordo com a tabela da e. CGJ/TJ-SC, a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do evento danoso, uma vez que se trata de caso de responsabilidade extracontratual (Súmula 54 do STJ);

3) condenar o réu ao pagamento do valor de três mil exemplares comercializados, a título de danos materiais, no valor unitário de R$ 27,90 (vinte e sete reais e noventa centavos), com correção monetária a partir da data em que deveriam ter sido pagos, conforme o Provimento 13/95 da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ).

Tendo em vista que o autor decaiu de parte mínima do pedido, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao zelo e ao tempo de trabalho despendido pelo mandatário do autor no processo, bem como à natureza da causa e, sobretudo, seu longo tempo de tramitação, em função da existência de duplo grau de jurisdição, tudo nos termos do disposto no art. 20, § 3.º, do CPC.

Adverte-se a parte vencida que o pagamento do débito deverá ser promovido no prazo de 15 dias a partir do trânsito em julgado, independentemente de intimação, sob pena de incidência da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC.

P. R. I.

Florianópolis (SC), 28 de maio de 2012.

Claudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva

Juiz de Direito

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