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Advocacia

Associação que prestava serviços jurídicos irregularmente é condenada

Prestação de assessoria jurídica por sociedade profissional não inscrita na OAB fere o Estatuto da Ordem.

Da Redação

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Atualizado às 08:43

O TRF da 4ª região determinou que a Anaprevis - Associação Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social se abstenha de praticar atos privativos de advogado, notadamente os de assessoria, consultoria, assistência jurídica e postulação judicial.

A instituição convencia os segurados a propor demandas judiciais, com a assinatura de procuração, conferindo poderes à entidade, sem indicar qual profissional da advocacia iria ajuizar a ação.

Conforme o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, relator, "as atividades desenvolvidas pela associação agravante efetivamente se caracterizam como exercício irregular da advocacia".

A JF de SC também decidiu que a Anaprevis deixe de divulgar em seu site pareceres de natureza jurídica e fazer propaganda alusiva à possibilidade de que seja procurada para viabilizar ou intermediar o ajuizamento de ações judiciais por terceiros.

A associação ainda ficou proibida de efetuar visitação e envio de material publicitário realtivos a consulta ou assessoria jurídica.

Veja a íntegra da decisão.

___________

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5010756-14.2012.404.0000/SC

RELATOR: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

AGRAVANTE: ANAPREVIS - ASSOCIACAO NACIONAL DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DA PREVIDENCIA SOCIAL

ADVOGADO: CARLOS BERKENBROCK; SAYLES RODRIGO SCHÜTZ; RODRIGO FIGUEIREDO

AGRAVADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE SANTA CATARINA

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão interlocutória que deferiu a liminar nos seguintes termos, in verbis:

Ante o exposto, acolho o pedido formulado na inicial para, em antecipação da tutela jurisdicional invocada, determinar que a parte requerida, considerando as razões expostas na fundamentação da presente decisão, (a) promova, em 5 dias contados da intimação da presente decisão, a adequação do conteúdo divulgado em seu site, abstendo-se de através dele divulgar pareceres de natureza jurídica e fazer propaganda alusiva à possibilidade de que seja procurada para de algum modo viabilizar ou intermediar o ajuizamento de ações judiciais por terceiros; (b) abstenha-se de efetuar, de imediato após a intimação da presente decisão, através de seus agentes, visitação e envio de material publicitário a quaisquer cidadãos, se o contato com estes estabelecido tem relação com a obtenção ou fornecimento de informações relativas a pedidos perante o Poder Judiciário que eventualmente já foram ou serão formulados em favor dos mesmos, ou se tem relação com o fornecimento a eles de consulta ou assessoria jurídica sobre determinada situação; e (c) abstenha-se de efetuar, de imediato após a intimação da presente decisão, através de seus agentes, atos privativos de advogado, notadamente os de assessoria, consultoria, assistência jurídica e postulação judicial, emissão de procurações e substabelecimentos contemplando poderes para o ajuizamento de ações judiciais em favor de terceiros, e emissão de contratos de honorários relacionados a estas mesmas ações antes mencionadas.

Eventual descumprimento da determinação ora exarada poderá ensejar fixação de multa, sem prejuízo da imposição de outras sanções, inclusive na esfera penal.

Nas razões recursais, sustenta, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal para o julgamento do feito. No mérito, afirma que a sua intervenção jamais foi técnica, mas meramente administrativa, razão pela qual não teria ocorrido usurpação de atividades privativas de advogado. Aduz que a atividade de consultoria que presta não é ilegal. Refere que as procurações que constam nos autos nunca foram utilizadas. Alega a ausência dos requisitos para a concessão da antecipação da tutela.

DECIDO.

Preliminarmente, a competência da Justiça Federal para julgar a demanda é patente, conforme o seguinte precedente, in verbis:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DA OAB. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. A OAB é uma autarquia sui generis, que presta o serviço público de fiscalizar a profissão de advogado, função esta essencial à administração da Justiça - conforme o art. 133 da Constituição Federal - e típica da Administração Pública. Assim, é da competência da Justiça Federal julgar ações do interesse ativo ou passivo desta.

(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.017547-2, 3ª Turma, Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR UNANIMIDADE, D.E. 15/10/2009)

De resto, tenho que deve ser mantida a antecipação dos efeitos da tutela, em virtude da presença dos seus requisitos legais.

Inicialmente, em sede de cognição sumária, penso estar caracterizado o fumus boni iuris. Conforme a prova documental já produzida, as atividades desenvolvidas pela associação agravante efetivamente se caracterizam como exercício irregular da advocacia. Isso porque foram apresentadas declarações no sentido de que os representantes da ANAPREVIS procuravam segurados para convencê-los a propor demandas judiciais, com a assinatura de procuração conferindo poderes à entidade, sem indicação de qual profissional da advocacia que efetivamente iria ajuizar a ação.

Nesse sentido, a alegação de que as procurações judiciais conferidas à ré nunca foram utilizadas não encontra amparo nos autos. Conforme decisão proferida pelo MM. Juiz Federal Adamastor Nicolau Turnes nos autos do processo n° 2008.72.55.005327-4, a parte efetivamente outorgou procuração à ANAPREVIS, o que embasou a determinação de que a parte regularizasse a sua representação, além de que se oficiasse a OAB. Consta, ademais, cópia de tal procuração, e não apenas do modelo, pela qual a demandante em tal litígio confere poderes à ré, com a fixação de honorários de 20% sobre os valores atrasados.

De mais a mais, o material publicitário da ANAPREVIS parece retratar a prestação de serviços de advocacia, tendo em vista que solicita, no caso de interesse, que a parte traga todos os documentos necessários para o ingresso da ação, o que demonstra que não se trata de mera consultoria ou aconselhamento, como alega. Ainda, o folheto menciona expressamente a possibilidade do ajuizamento da ação, conforme se observa do seguinte trecho, in verbis:

'Para maiores informações ou ingressar com a ação judicial, procure nosso escritório no endereço abaixo munido de seu CPF, Carteira de Identidade, comprovante de residência (talão de água, luz, telefone, etc.), carta de aposentadoria ou outro documento contendo número de seu benefício previdenciário.

Outrossim, informamos que para ingressar com a demanda judicial não haverá despesas processuais (CUSTO ZERO), mas tão somente os honorários do profissional que patrocinar a causa com pagamento ao final do processo, caso a demanda judicial seja favorável.

Procure logo a ANAPREVIS, pois existe um prazo para ingressar com a ação.' (Evento 1, Outros 12)

Assim, tenho que, diante das provas já apresentadas, há indícios da prestação de assessoria jurídica por parte da ré, ofendendo os seguintes dispositivos do Estatuto da OAB, já citados na decisão agravada, in verbis:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

(...).

§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.

(...).

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

(...).

Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta lei e no regulamento geral.

(...).

§ 2º Aplica-se à sociedade de advogados o Código de Ética e Disciplina, no que couber.

(...).

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;

II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;

III - valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber;

IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;

(...).

O periculum in mora também está presente, tendo em vista que, acaso fosse indeferida a liminar, a ré permaneceria praticando a ilegalidade impugnada, com potencial lesivo não apenas aos princípios da advocacia, mas também aos segurados que viesse a atender até o julgamento final da demanda.

Cito, por oportuno, recente precedente desta Eg. Terceira Turma, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. OAB. EMPRESA DE CONSULTORIA. PRÁTICA DE ATOS INERENTES À ADVOCACIA. 1. O Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94), estabelece que são privativas da advocacia 'as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas' (art. 1º, II), bem como veda a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade (§3º). 2. Apesar da apelante sustentar que apenas pratica requerimentos e diligências no âmbito administrativo, há, na verdade, uma vinculação com a prática de atos privativos da advocacia. (TRF4, Apelação Cível Nº 5001593-75.2011.404.7200, 3a. Turma, Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/09/2011)

Por esses motivos, nego seguimento ao agravo de instrumento, com fulcro no art. 557 do CPC e art. 37, § 2º, II, do Regimento Interno da Corte.

Publique-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 05 de julho de 2012.

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator

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