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Decisão

Extinto poder familiar de pai que abusava da filha

Menina tinha menos de 3 anos quando foi violentada.

Da Redação

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Atualizado às 09:24

A 4ª câmara de Direito Civil manteve a extinção do poder familiar de um homem que abusava sexualmente da filha.

O desembargador Luiz Fernando Boller, relator da apelação, advertiu que o CC/02 e o ECA estabelecem a perda e a suspensão do poder familiar caso os genitores não cumpram com seus deveres de sustentar, assistir, criar, educar e proteger seus filhos.

"Restou suficientemente demonstrada a violação dos direitos da menininha por parte de seu próprio genitor, ofendida que foi em sua integridade física, moral e psicológica", afirmou o magistrado.

Boller também declarou que "a detida análise dos autos assevera que ele [réu] não reúne as condições necessárias para manter sob sua responsabilidade a filha menor".

Assim, considerando a gravidade dos fatos, o relator entendeu que a extinção do poder familiar é medida necessária para evitar outros danos à criança.

Veja a íntegra da decisão.

__________

Apelação Cível n. 2012.072029-5, de Criciúma

Relator: Des. Luiz Fernando Boller

APELAÇÃO CÍVEL - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO DE PERDA E SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR, PROPOSTA PELA GENITORA EM DESFAVOR DO PAI BIOLÓGICO DA INFANTE.

PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - INSURGÊNCIA QUE, NESTE TEMA, DESTACA A IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, DEFENDENDO A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO PARA OITIVA DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS, ALÉM DA COLHEITA DO DEPOIMENTO PESSOAL DA AUTORA/APELADA - QUESTÃO CONTROVERSA, SUFICIENTEMENTE ELUCIDADA PELOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO CONSTANTES DOS AUTOS - DESNECESSIDADE DA PRETENDIDA DILAÇÃO PROBATÓRIA - APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 935 DO CÓDIGO CIVIL - PREJUDICIAL AFASTADA.

MÉRITO - ALEGAÇÃO DE QUE NÃO ESTARIAM DEMONSTRADAS QUAISQUER DAS HIPÓTESES ENSEJADORAS DA PERDA E SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR - CENÁRIO PROCESSUAL QUE, AO CONTRÁRIO, EVIDENCIA A PRÁTICA REITERADA, POR PARTE DO REQUERIDO/APELANTE, DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA A FILHA QUE, À ÉPOCA, CONTAVA APENAS 2 (DOIS) ANOS DE IDADE - CONFIRMAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DE ABUSO SEXUAL PELA VÍTIMA, COM RIQUEZA DE DETALHES, DEIXANDO CLARO QUE O RESPONSÁVEL ERA O PRÓPRIO PAI - DECLARAÇÕES EM HARMONIA COM AS DEMAIS PROVAS (TESTEMUNHAL, INCLUSIVE DAS PROFISSIONAIS DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR DO PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL) - GENITOR QUE, PELA PRÁTICA DE TAIS ATOS, RESTOU CONDENADO POR SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO - AÇÃO PENAL QUE TRAMITOU DE FORMA REGULAR, OBSERVANDO OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - CONJUNTO PROBATÓRIO ESCLARECEDOR, REVELANDO A AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DO REQUERIDO PARA TER A MENINA SOB SUA GUARDA E RESPONSABILIDADE, ANTE O COMPORTAMENTO CONTRÁRIO AOS PRECEITOS DA MORAL E DOS BONS COSTUMES - GRAVIDADE DA SITUAÇÃO QUE TORNA PROPORCIONAL A MEDIDA DE EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR, A FIM DE EVITAR MAIOR PREJUÍZO À INTEGRIDADE FÍSICA, MORAL E PSICOLÓGICA DA INFANTE - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, E DA PROTEÇÃO INTEGRAL.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

O poder familiar consiste em um munus, um poder-dever exercido em favor e no interesse do filho, que impõe aos genitores o dever de prestar-lhes assistência, respeitá-los, zelar por sua educação e integridade física e psíquica, além de proporcionar-lhes toda a proteção possível para o mais completo desenvolvimento do infante (RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 39-40).

Estando confirmado pela prova contida nos autos o não cumprimento, pela família natural, dos deveres legais para com o infante, prejudicando-lhe o ideal desenvolvimento, inclusive no aspecto emocional, é de ser acolhido o pleito de perda do poder familiar, com fulcro no que estabelecem os arts. 227, caput, e 229 da CF/88, 3º, 4º, 5º, 22 e 24 do ECA, e 1.634, 1.635, inc. V, 1.637 e 1.638, estes últimos do Código Civil.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.072029-5, da comarca de Criciúma (Vara da Infância e da Juventude e Anexos), em que é apelante M. dos S. M., e apelado A. da S. C. M.:

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Substitutos Jorge Luís Costa Beber e Saul Steil. Funcionou como Representante do Ministério Público, o Excelentíssimo Senhor Doutor André Carvalho.

Florianópolis, 6 de dezembro de 2012.

Luiz Fernando Boller

PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por M. dos S. M., contra sentença prolatada pelo juízo da Vara da Infância e da Juventude e Anexos da comarca de Criciúma, que nos autos da ação de Perda e Suspensão do Poder Familiar nº 020.11.018564-1 (disponível em , acesso nesta data), ajuizada por A. da S. C. M., resolvendo o mérito, julgou procedente o pedido formulado na exordial, declarando extinto o poder familiar do requerido, ora recorrente, em relação à sua filha K. C. M. (fls. 73/75).

Malcontente, o réu/apelante sustenta, preliminarmente, estar caracterizado o cerceamento de defesa, justificando a impossibilidade de julgamento antecipado da lide, pretendendo a retomada da instrução processual, com a realização da audiência de instrução e julgamento para oitiva das testemunhas arroladas, além da colheita do depoimento pessoal da autora/apelada.

No mérito, afirma o desacerto do decisum combatido, defendendo não haver demonstração segura de quaisquer das hipóteses ensejadoras para a perda e suspensão do poder familiar.

Alegou, neste particular, que as provas existentes no caderno processual são frágeis, incapazes de impor o acolhimento do pleito deduzido na peça proemial, visto que produzidas em ação penal na qual não teria sido garantida a sua efetiva participação, estando configurada afronta ao devido processo legal.

Com base em tais argumentos, clamou pela cassação da sentença, com a determinação para o prosseguimento do feito na origem, a fim de que seja efetivada a dilação probatória, requerendo, no mérito, a reforma do decisum objurgado, com a improcedência do pedido formulado na inicial do processo originário (fls. 78/83).

Recebido o recurso em seu efeito devolutivo (fl. 85), intimada, a autora/apelada apresentou contrarrazões (fls. 87/92), reiterando as manifestações anteriormente esposadas nos autos, que denunciam a ausência de condições do genitor para se responsabilizar pela filha, clamando, em razão disto, pela confirmação da sentença combatida.

Mantida a decisão pelo magistrado de 1º Grau à fl. 96 (art. 198, inc. VII, do ECA), ascenderam os autos a este pretório, tendo sido encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Vânio Martins de Faria, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 102/108).

Ato contínuo, o recurso veio-me concluso.

É o relatório.

VOTO

Conheço do presente apelo porque, além de tempestivo, atende aos demais requisitos de admissibilidade.

No que diz respeito à alegação de cerceamento de defesa, alçada por M. dos S. M. nas razões do reclamo, registro que, com efeito, no caso em liça mostra-se desnecessária a dilação probatória, visto que a questão controversa encontra-se suficientemente elucidada pelos elementos de convicção já constantes dos autos, especialmente os documentos de fls. 13/48, oriundos da Ação Penal respectiva, os quais, assim como as alegações consignadas na peça exordial, não foram objeto de fundada impugnação, que pudesse sugerir a necessidade de prosseguimento do feito na origem.

Ademais, é de considerar, por aplicação analógica, as disposições do art. 935 do Código Civil vigente, o qual após fixar que as esferas de responsabilidade civil e criminal são distintas e independentes entre si, faz a ressalva de que 'não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.'

Dito isto, convém avultar que, no mérito, melhor sorte não socorre o réu/apelante.

Isto porque a proteção integral à criança e a efetivação de seus direitos, tem previsão no art. 227, caput, da Constituição Federal, de acordo com o qual

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

De igual modo, o ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) dispõe que:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. [...]

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

O ordenamento jurídico brasileiro também inclui normas que tratam, especificamente, dos deveres dos pais para com seus filhos, a exemplo do art. 229 da Constituição Federal, segundo o qual 'os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.'

E do Código Civil infere-se que

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

O art. 22 do ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, ordena, determinando que 'aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.'

Consoante a lição de Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos,

O poder familiar consiste em um munus, um poder-dever exercido em favor e no interesse do filho, que impõe aos genitores o dever de prestar-lhes assistência, respeitá-los, zelar por sua educação e integridade física e psíquica, além de proporcionar-lhes toda a proteção possível para o mais completo desenvolvimento do infante (in O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 39-40).

Do contrário, caso venham a ser desatendidas tais obrigações, os genitores poderão ser destituídos do poder familiar, consoante infere-se do art. 24 do ECA, que assim estabelece:

A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

Além disso, ao estatuir sobre a questão, o Código Civil estabelece que:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: [...];

V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

E mais especificamente em seu art. 1.638:

Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

In casu, em que pese a argumentação desenvolvida pelo pai apelante, a detida análise dos autos assevera que ele não reúne as condições necessárias para manter sob sua responsabilidade a filha menor K. C. M., que conta hoje 10 (dez) anos de idade (Certidão de Nascimento com cópia à fl. 12).

Neste sentido, após detidamente perscrutar o substrato probatório encartado nos autos, constato a prática reiterada, por parte de M. dos S. M., de abuso sexual contra a infante, sendo que na época dos fatos K. C. M. contava apenas 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de idade.

Inicialmente, a desventurada menininha revelou para sua avó materna as violências que sofria, tendo esta, então, cientificado a genitora da pequena vítima, o que deu margem a investigações, inclusive na esfera criminal, resultando na condenação de M. dos S. M. ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, pela prática do crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), em continuidade delitiva, cujo decisório, confirmado por este pretório (acórdão de fls. 28/38), transitou em julgado em 09/10/2009 (fl. 41).

Os fatos restaram confirmados pela própria vítima, constando da sentença condenatória dos autos da Ação Penal nº 020.05.013391-8, no que se refere às suas declarações na fase policial, que

[...] perguntado à declarante se gostava de seu pai a mesma respondeu que "não"; que a declarante disse que seu pai faz cócegas e coloca o sabonete dele em sua perereca, fazendo buraco; que, perguntado à declarante se doía a mesma disse que sim; que, ao pedir que desenhasse o sabonete de seu pai, a declarante desenhou o mesmo como formato de um pênis, conforme desenho juntado nos autos. (fl. 18)

E ao ser ouvida em juízo, a pequena K. C. M. afirmou que [...] "enquanto esteve na companhia do pai, este vez por outra dava banho na informante, usando sabonete, que passava na perereca, igual ao que os meninos tem. Quando o pai assim agia sentia dor na genitália. A informante esclarece que o sabonete do papai é o 'pinto'." (fls. 18/19, grifo meu)

Pertinente, também, a transcrição do depoimento da genitora da menina, senão vejamos:

A informante é mãe, enquanto o denunciado é pai da vítima. Considerando que a informante trabalhava das 3h00min., até as 15h00min., o pai permanecia com a criança em casa. Em certa data, K., a vítima, contou para a avó materna "que o pai passava o sabonete na perereca, e ela dizia que o sabonete era igual ao que os meninos têm". A avó, sabedora dos fatos, comunicou o fato ao programa `Sentinela'. Conversou com a filha sobre os fatos, tendo esta confirmado que o pai passava 'sabonete' na sua genitália. Falou com o acusado sobre os fatos e este negou a prática. [...] Conversou com a vítima, tendo esta dito que o pai "deitava ela na cama, tirava a roupa dela e fazia tipo punheta em cima dela", chegando a esfregar o pênis no corpo da criança. (fl. 19, grifei)

A avó materna de K. C. M., por sua vez, ao ser questionada sobre os fatos, bradou, enfatizando que

[...] Em certa oportunidade, há dois anos atrás, por ser avó materna da criança, apanhou a neta em casa e a conduziu até o colégio, quando soube pela mesma "que o pai estava dormindo com o sabonete na perereca dela". No retorno do colégio, a vítima, enquanto a informante lhe dava banho, disse "olha aqui o que o pai fez. Um buraco na minha perereca com o sabonete dele". (fl. 19, grifei)

De igual forma, as declarações da psicóloga E. C. de S. - profissional que fez o acompanhamento da infante -, a confirmar a ocorrência do abuso sexual:

[...] na época dos fatos, por ser psicóloga do programa `Sentinela', atendeu a vítima, deixando a criança muito bem claro "que o pai colocava o sabonete dele aqui - aí ela apontou para a vagina". Mostrando um boneco para a vítima, com o pênis à mostra, a vítima dizia que era igual ao do pai dela, esclarecendo que complementava "só que o dele era grandão assim", mostrando com as mãos tamanho diverso daquele. Vendo o desenho de folhas 12, tem a depoente, como psicóloga, que ali está retratado um pênis, esclarecendo que o desenho foi feito por uma criança de dois anos de idade. A vítima disse à depoente que, toda vez que o pai lhe dava banho, praticava o ato libidinoso como antes descrito, o que ocorreu por incontáveis vezes. (fls. 19/20, grifo meu)

E do informado pela Assistente Social do programa `Sentinela', ao ser ouvida durante a investigação criminal, amealha-se

[...] que, em atendimento à vítima K. C. M. de 03 anos de idade, quando a mesma adentrou à sala, perguntou à declarante "onde está teu pai?"; que a declarante disse que seu pai não estava e perguntou sobre o de K; que, K disse: "o meu pai bota o sabonete aqui", apontando para sua vagina e fez gestos de masturbação masculina; que, K. ainda disse "ele fez buraco na minha perereca"; que, a declarante acrescenta que no atendimento, K. se referia ao pênis como sendo o sabonete. (fl. 20, grifei)

Como se vê dos elementos de convicção ora ponderados, restou suficientemente demonstrada a violação dos direitos da menininha K. C. M. por parte de seu próprio genitor, ofendida que foi em sua integridade física, moral e psicológica.

Com efeito, as declarações da infante, e os depoimentos das testemunhas e informantes - pessoas próximas a ela, parentes e profissionais da equipe multidisciplinar - são harmônicos entre si, todos corroborando as denúncias consignadas na inicial por A. da S. C. M., mãe da infante, no sentido de que K. C. M. foi vítima de odiosa e frequente prática de abuso sexual, perpetrado pelo próprio pai, o ora apelante M. dos S. M., não sendo necessário muito dizer acerca dos traumas e demais danos que de atitudes desta natureza podem resultar para o sadio desenvolvimento da menina.

O réu/apelante busca desconstituir o decisum combatido por meio de singela negativa e vagas alegações, sem qualquer evidência de veracidade, não tendo acostado ao caderno processual qualquer informativo que pudesse pôr em dúvida o acerto da conclusão registrada no decisum rechaçado.

Neste particular, mais especialmente no que tange à desqualificação por M. dos S. M. efetuada quanto às provas que embasam aludida decisão - dizendo-as frágeis e inconsistentes por não ter sido respeitado o devido processo legal -, seu reclamo não merece acolhida.

Ao contrário do que tenta convencer, infere-se que tais esclarecimentos foram obtidos em ação penal que foi instruída e processada de forma regular, com fiel observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

De fato, consoante revela o Relatório com cópia às fls. 15/16, o réu ora apelante foi por 2 (duas) vezes instado para o Interrogatório, não tendo comparecido, restando seu Defensor cientificado para apresentação da Defesa Prévia, o que fez tardiamente.

E mais: a defesa foi intimada para manifestar-se acerca do interesse na oitiva das testemunhas arroladas, tendo permanecido silente, sem tampouco requerer qualquer diligência ao findar a instrução probatória.

Logo, não merece credibilidade a afirmação no sentido de que foi vedada a M. dos S. M. a efetiva participação na referida ação penal.

Deste modo, e considerando a gravidade dos fatos confirmados pelo soberbo acervo probatório constante nos autos, entendo proporcional a extinção do poder familiar.

Aliás, considerando a existência de condenação criminal transitada em julgado, a medida encontra alicerce, igualmente, nas disposições do art. 92 do Código Penal, o qual preceitua, in verbis:

Art. 92 - São também efeitos da condenação: [...]

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; [...]

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Assim - embora drástica e excepcional - a medida aplicada pelo juízo a quo mostra-se necessária para evitar ainda mais danos à desditosa pequena infante, consistindo decorrência lógica da aplicação dos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Portanto, entendo que agiu com acerto o togado singular ao acolher o pedido formulado na preambular da ação de Perda e Suspensão do Poder Familiar nº 020.11.018564-1, destituindo M. dos S. M. do poder familiar sobre sua filha K. C. M.

Aliás, outro não é o entendimento deste sodalício a respeito:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. PROCEDÊNCIA NO JUÍZO A QUO. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OITIVA DAS CRIANÇAS. MENORES COM IDADE SETE E QUATRO ANOS. TENRA IDADE E POUCO DISCERNIMENTO. INTELIGÊNCIA DO § 2º DO ART. 45 DO ECA. PREFACIAL AFASTADA. MÉRITO. CRIANÇAS RECOLHIDAS EM ABRIGO. PROVA PRODUZIDA QUE EVIDENCIA O ABANDONO MATERIAL E MORAL DOS INFANTES. COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA DE ABUSO SEXUAL. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INTELIGÊNCIA DO ART. 24 DA LEI N. 8.069/90 CUMULADO COM O ART. 1.638, II E III, DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. [...]

Evidenciada nos autos a prática, no seio familiar, de abusos sexuais em desfavor de menores indefesos, sem a adoção de qualquer providência de repúdio à prática, bem como a desatenção aos deveres essenciais básicos no cuidado com a prole, a destituição do poder familiar, medida excepcional, é um imperativo ético, moral e jurídico, na perspectiva do artigo 1.638 do Código Civil (AC nº 2008.015130-1, da Capital, rel.: Juiz Henry Petry Junior, j. 28/07/2008).

No mesmo rumo,

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR - RECURSO APENAS DO GENITOR - ALEGAÇÃO DE CONDIÇÕES PARA CRIAR E EDUCAR A MENOR - DOCUMENTOS E ESTUDO SOCIAL EM SENTIDO DIVERSO - INAPTIDÃO PARA O DESEMPENHO DA FUNÇÃO PATERNAL - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

O genitor que não cumpre as obrigações elencadas no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 1.638 do Código Civil deve ser destituído do seu poder familiar (AC nº 2007.003115-4, da Capital, rel.: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari, j. 14/08/2008).

E, mais:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. CONDIÇÕES INADEQUADAS PARA O REGULAR DESENVOLVIMENTO AFETIVO, MORAL E PSICOLÓGICO DOS INFANTES. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS MENORES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DESPROVIDO.

Consoante o disposto no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, "aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores", além dos demais deveres previstos no art. 1.634 do Código Civil.

Assim, a negligência dos genitores no sentido de não fornecer condições adequadas para o desenvolvimento afetivo, psicológico, moral e educacional dos infantes implica no descumprimento injustificado dos direitos e obrigações acima expostos, dando azo à destituição do poder familiar, nos termos do art. 24 do ECA e do art. 1.638 do CC (AC nº 2010.000975-5, de Herval D' Oeste, rel.: Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. 13/10/2010).

Ainda,

DIREITO DE FAMÍLIA - DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR - NEGLIGÊNCIA DOS GENITORES - VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO E CONTUDENTE - AUSÊNCIA DE CUIDADOS BÁSICOS - MÁ HIGIENIZAÇÃO DOS PUPILOS - PRÁTICA DE ABUSO SEXUAL PELO PAI COM CONIVÊNCIA DA MÃE - INQUESTIONÁVEL SITUAÇÃO DO RISCO DAS CRIANÇAS - ARREBATAMENTO DO PODER FAMILIAR - INTELIGÊNCIA DOS ART. 24 DO ECA E ART. 1.638 DO CÓDIGO CIVIL.

Em se tratando de crime de abuso sexual de vulnerável no seio familiar, o depoimento harmônico e rico em detalhes das crianças que foram vítimas da agressão, é detentor de imenso valor probatório, pois tal conduta nefasta do genitor é praticada na clandestinidade.

A ausência de cuidados indispensáveis á higienização com os filhos e a prática de abuso sexual pelo pai com conivência da mãe são circunstâncias suficientes a decretação da perda do poder familiar (AC nº 2010.021012-1, de Chapecó, rel.: Des. Guilherme Nunes Born, j. 08/06/2011).

Por sua pertinência, especialmente deste órgão julgador fracionário colhe-se que:

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - PERDA DO PODER FAMILIAR - ATOS CONTRÁRIOS À MORAL E AOS BONS COSTUMES E ABANDONO DE INCAPAZ - PROCEDÊNCIA EM 1º GRAU - INCONFORMISMO DOS PAIS BIOLÓGICOS - CONDIÇÕES PARA CRIAÇÃO DOS FILHOS - INACOLHIMENTO - SERVIÇO SOCIAL FAVORÁVEL À DESTITUIÇÃO - PRÁTICA DE CRIME, VIOLÊNCIA E ALCOOLISMO DO GENITOR - AUSÊNCIA DE CUIDADOS MORAIS E MATERIAIS PELA GENITORA - INVIABILIDADE PARA O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.

Privadas as crianças dos cuidados indispensáveis à saúde, bem-estar e moralidade e estando submetidas a ambiente hostil e violento, impõe-se a perda do poder familiar dos genitores ante o abandono moral e material dos menores, incluindo-se atos contrários à moral e aos bons costumes (AC nº 2008.049986-1, de Santa Cecília, rel.: Des. Monteiro Rocha, j. 02/12/2008).

E, também,

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. GENITOR QUE PERPETROU ABUSO SEXUAL CONTRA A PRÓPRIA FILHA. EXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES EM CRIME DA MESMA NATUREZA E, AINDA, DE AÇÃO PENAL EM VIRTUDE DO COMETIMENTO DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONIVÊNCIA DA MÃE COM A SITUAÇÃO. NEGLIGÊNCIA DE AMBOS OS GENITORES COM A SAÚDE E A EDUCAÇÃO DAS INFANTES. ARCABOUÇO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA, CABALMENTE, A PRÁTICA DE ATOS CONTRÁRIOS À MORAL E AOS BONS COSTUMES. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR QUE, NA ESPÉCIE, MOSTRA-SE DEVERAS IMPERIOSA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.630, 1.635, INC. V, E 1.638, TODOS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, DOS ARTS. 1º E 4º, AMBOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ART. 227, CAPUT E §§ 4º E 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO.

Havendo provas cabais da prática reiterada de crimes sexuais pelo pai contra diversas meninas, inclusive em face de sua filha mais velha, bem ainda da conivência da mãe para com tais atos, a qual priorizou seu relacionamento em detrimento das infantes, e, não bastasse tudo isso, da negligência de ambos para com a saúde e a educação delas, a destituição do poder familiar é medida que atende, à evidência, o princípio da proteção integral à criança (AC nº 2009.010840-6, de Rio do Sul, rel.: Des. Eládio Torret Rocha, j. 15/07/2009).

Assim sendo, atento às circunstâncias do caso, e considerando o direito aplicável à espécie - especialmente o que estabelecem os arts. 227, caput, e 229 da Constituição Federal, arts. 3º, 4º, 5º, 22 e 24 do ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente, e arts. 1.634, 1.635, inc. V, 1.637 e 1.638, estes últimos do Código Civil -, a manutenção do decisum combatido é medida que se impõe.

Dessarte, pronuncio-me no sentido de se conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo a extinção do poder familiar de M. dos S. M. em relação à sua filha K. C. M., indo a remuneração do patrono do apelante (fl. 58) fixada em 7,5 (sete vírgula cinco) URH's, nos termos do disposto no Anexo Único da Lei Complementar Estadual nº 155/97.

É como voto.

Corrija-se a autuação, com a adequada mudança da designação de gênero da apelada A. da S. C. M. no SAJ-Sistema de Automação do Judiciário.