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Imprensa

Reportagem que divulgou salário de servidor não gera dano moral

Divulgação do salários dos servidores é de interesse de toda a sociedade.

Da Redação

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Atualizado às 10:55

O juiz Matheus Santarelli Zuliani, da 10ª vara Cível de Brasília, julgou improcedente o pedido de indenização proposto por um servidor do Senado, que alega ter sofrido danos morais em razão da divulgação pública do seu salário em matéria jornalística.

O autor sustentou que a publicação ofendeu a sua intimidade, além de provocar a inveja de vizinhos, familiares e demais pessoas de sua convivência. Os réus pediram a improcedência da ação, citando jurisprudência que decidiu que a publicação do salário de servidores públicos não ofende a intimidade e a privacidade.

Acerca do caso, o magistrado explicou que "hoje encontra-se pacificado que a divulgação do salários dos detentores de cargos públicos é de interesse de toda a sociedade, passando a ter natureza objetiva, não afrontando os direitos da personalidade do indivíduo." E acrescenta: "A reportagem contestada, revestida de natureza de interesse público, objetiva noticiar a todos os cidadãos quem são as pessoas que recebem salários públicos acima do teto instituído pela Constituição Federal. Em nenhum instante se ofende a honra do servidor, dizendo que se trata de 'marajá' ou funcionário fantasma".

O julgador também citou a lei 12.527/11, que viabiliza o acesso às informações do Poder Público, incluindo os salários de seus servidores.

  • Processo : 2011.01.1.227261-7

_____________

SENTENÇA

Vistos, etc...

Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS proposta por H.F.T. em desfavor de SYLVIO ROMERO DA COSTA E EDUARDO MILITÃO. Alega o autor que sofreu danos em sua moral em razão da divulgação pública do seu salário como servidor do Senado Federal.

Ainda em suas considerações iniciais aduz que a publicação da quantia recebida a título de salário no Senado Federal ofendeu a sua intimidade, além de provocar a inveja de vizinho, familiares e demais pessoas que convivam com o autor.

Diante disso postula a condenação dos réus no pagamento de indenização a título de danos morais, no valor de R$ 82.615,86 (oitenta e dois mil seiscentos e quinze reais e oitenta e seis centavos).

Com a inicial vieram documentos (fls. 11/38).

Os réus foram devidamente citados, apresentando contestação. Alegaram, em resumo, que não ofensa á direito da personalidade. Que a jurisprudência já decidiu que a publicação do salário de servidores públicos não ofende a intimidade e privacidade. Pede a improcedência da ação.

Acostou documentos à contestação (fls. 83/245).

A parte autora apresentou réplica onde rebate os argumentos levantados na contestação e ratifica os suscitados na peça inaugural (fls. 252/259).

O requerido S.R.C.C. comparece aos autos para requerer o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva para figurar no polo passivo da demanda, vez que a reportagem foi construída pelo jornalista, ora outro requerido na presente demanda (261/263).

Recebi os autos conclusos para sentença.

Esse é o breve relato dos autos.

Fundamento e decido.

Procedo ao julgamento antecipado, porquanto a questão é prevalentemente de direito, o que atrai a normatividade do art. 330, I, do Código de Processo Civil. No mais, o Juiz, como destinatário final da prova, consoante disposição do art. 130 do CPC, fica incumbido de indeferir as provas inúteis ou protelatórias. A sua efetiva realização não configura cerceamento de defesa, não sendo faculdade do Magistrado, e sim dever.

No que tange à preliminar de ilegitimidade passiva do 1º requerente, rejeito-a. explico.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 221 que dispõe:

"São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação".

Sendo o 1º requerente proprietário do sítio no qual se deu a publicação da reportagem em análise, deve ele permanecer no polo passivo da demanda, para ao final, descortinar se há ou não ofensa à honra pela reportagem publicada.

O pedido do autor é improcedente. Justifico.

A imprensa melhora a qualidade de vida e, por isso, passou a ser essencial. Embora a sociedade quase sempre ganhe com a informação, indivíduos ou grupos de pessoas podem perder algo pela reportagem incompleta ou com sentido dúbio, o que é perfeitamente assimilável, devido a não se exigir que a imprensa seja justiceira, mas, sim, que atue com imparcialidade. O homem primitivo, que jamais imaginava o poder da comunicação massificada que ocorre hoje pelos jornais, revistas e televisores, reunia-se em volta do fogo para intercâmbio de idéias e de conhecimento, surgindo daí movimentos que fizeram mudar o mundo e evoluir a raça humana. Embora diluído o contato físico diuturno, que era costume, a imprensa se encarregou do trabalho da conexão atual que nos lembra os acontecimentos contemporâneos, realçando o interesse comum que evita o enfraquecimento do espírito coletivo do homem, estimulando para que não perca a piedade pela miséria, e que jamais esqueça a vocação pela causa pública justa. O homem desinformado é como corpo sem alma tateando no escuro do obscurantismo (ZULIANI, Ênio Santarelli in Responsabilidade Civil pelos abusos na Lei de Imprensa - Responsabilidade Civil na Internet e nos demais meios de comunicação - Série GVLaw - Editora Saraiva).

É importante consignar que a Constituição Federal possibilita a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, em processo ou veículo, impedindo qualquer restrição (art. 220 CF). Ademais, nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, desde que observado os direitos individuais previstos no art. 5° da própria carta maior.

A matéria jornalística publicada, seja a televisionada ou a escrita, deve cingir-se a transmitir a notícia de interesse público, para que a sociedade tome conhecimento de fatos que lhe digam respeito. Esse é o substrato da liberdade de informação consagrada no Texto Constitucional. Ainda que a notícia acabe por trazer fatos desabonadores a respeito do personagem envolvido na reportagem, isso não tem o condão de gerar direito à indenização por danos morais.

Nessa trilha, verifica-se que a atividade jornalística envolve a colisão de dois direitos fundamentais, quais sejam, a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). Portanto, tal atividade não é absoluta, devendo ser exercida com ponderação, sempre objetivando transmitir a notícia, sem ingressar na esfera subjetiva do personagem envolvido.

E é nessa questão que reside a celeuma da presente ação judicial. A divulgação do subsídio ou salário de um servidor, em sentido lato, pertence à esfera objetiva ou subjetiva de direitos?

Hoje encontra-se pacificado que a divulgação do salários dos detentores de cargos públicos é de interesse de toda a sociedade, passando a ter natureza objetiva, não afrontando os direitos da personalidade do indivíduo. A reportagem contestada, revestida de natureza de interesse público, objetivo noticiar a todos os cidadãos quem são as pessoas que recebem salários públicos acima do teto instituído pela Constituição Federal. Em nenhum instante se ofende a honra do servidor, dizendo que se trata de "marajá" ou funcionário fantasma.

Também não se pode perder de vista o conteúdo incentivador da reportagem, já que os concursos públicos atualmente trazem oportunidades que atraem a maioria dos estudantes, o que dá ao Senado Federal uma importância de destaque, atraindo candidatos preparados para a disputa de um cargo. Assim, profissionais de alto nível estarão inscritos e aptos a concorrerem ao ingresso na carreira. A sociedade, por via transversa, é quem sai vencedora, pois terão profissionais altamente capacitados exercendo cargos que visam atender ao interesse da própria sociedade.

Tanto é que o Poder Legislativo criou a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regulamenta o art. 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal, e assim viabilizar o acesso as informações do Poder Público, incluindo os salários dos servidores.

Também existe a Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009, Acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que possibilita a publicidade das finanças.

A relevância do tema é tão acentuada que atualmente todos os Poderes da República possuem o portal da transparência, onde se permite a qualquer do povo ter acesso à informação acerca do salário dos servidos, inclusive do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O próprio Conselho Nacional de Justiça incentiva a transparência: "A transparência é o caminho para o aperfeiçoamento dos gastos do Judiciário de maneira mais racional. A melhora da gestão financeira tem impacto na eficiência e melhora a prestação de serviços aos jurisdicionados", acrescenta Marcelo Neves. Com o Portal da Transparência, a gestão financeira do Judiciário pode ser acompanhada com maior facilidade pelo setor público e pelos cidadãos. "Agora o cidadão tem a possibilidade de verificar em que estão sendo empregados os recursos orçamentários", explica Antonio Carlos Rebelo, diretor do Departamento de Acompanhamento Orçamentário do CNJ. No portal, o cidadão pode saber o que foi comprado pelo tribunal e qual o fornecedor do serviço ou bem (CNJ lança Portal da Transparência do Judiciário na internet in Portal Migalhas - publicado dia 20/01/2011 acesso https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI125027,71043-CNJ+lanca+Portal+da+Transparencia+do+Judiciario+na+internet).

Ademais, a Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 15, dispõe que "A Sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua administração". A república significa coisa pública, sendo que todos que os cidadãos devem saber como o Estado administra o país, inclusive tomando ciência dos salários que recebe aqueles que estão exercendo um cargo público.

Nesse sentido é a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. Confira:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.

1. Hipótese em que o Tribunal de origem condenou o Estado do Rio Grande do Sul a pagar indenização por ter vazado lista com os duzentos maiores salários pagos pelo ente federativo à imprensa, o que teria gerado dano moral ao recorrido. O dano seria oriundo de reportagem jornalística, que publicou o nome do servidor e seu

salário corretamente, mas atribuiu-lhe o cargo de "operador de VT", função que jamais exercera.

2. De acordo com a Corte local, "o fato do autor, servidor que exerceu inúmeras funções de relevo na Administração Pública, ser indicado, em um jornal de grande circulação, como um suposto operador de VT, possuidor de um dos duzentos maiores salários do Estado, por si só, traria abalo íntimo a qualquer homem de sensibilidade razoável. Não pela atividade em si, por óbvio. Mas porque a preparação e a responsabilidade necessária para exercê-lo não justificariam um rendimento mensal de R$ (...)".

3. É direito da coletividade conhecer os salários dos servidores públicos, pois, ao final de cada mês, suporta, como contribuinte, a conta da folha de pagamento do Estado. Assim, nada mais justo que assegurar a cada cidadão a possibilidade de saber o modo como são remunerados todos os que lhe prestam serviços.

4. No Estado Democrático de Direito, o poder de controle final do Estado e dos seus integrantes reside com os cidadãos. Logo, vedar, inviabilizar, condicionar, dificultar ou retardar informações sobre o funcionamento (ou mal funcionamento) das atividades estatais, bem como sobre o status, privilégios e benefícios dos servidores públicos equivale, pela via transversa, a desautorizar o controle popular, assegurado constitucionalmente.

5. A Corte de origem, com base na prova dos autos, estabeleceu a premissa de que o ato do Estado de fornecer a lista com equívoco para o jornal contribuiu para a causação do dano. A responsabilidade civil, portanto, não decorre in casu da divulgação em si dos salários, mas da imprecisão nos dados apresentados publicamente, erro esse que expôs o recorrido a ridículo. Rever esse entendimento demanda análise de fatos e provas, o que encontra óbice nos termos da Súmula 7/STJ.

6. É incabível aplicação de multa com fundamento no art. 538, parágrafo único, do CPC, quando os aclaratórios são opostos na origem com intuito de prequestionamento de dispositivos legais. Súmula 98/STJ.

7. Recurso Especial parcialmente provido (STJ - REsp 71821/RS - Rel. Min. HERMAN BENJAMIN - julgado em 08/09/2009).

É importante ter em mente a função social da imprensa. É por meio dela que a sociedade toma ciência dos acontecimentos relevantes por todo o mundo. A coragem dos jornalistas em subscreverem suas reportagens, mandando a tona as sujeiras camufladas em repartições públicas e outros locais, sejam públicos ou privados, não pode sofrer represálias, sob pena de incutir no jornalista o temor de ser responsabilizado pelas verdades ditas e escritas.

A questão da responsabilidade civil na imprensa é conturbada quando se tenta classificá-la como objetiva ou subjetiva. A doutrina majoritária, de forma acertada, defende a inclusão da responsabilidade do jornal, por suas reportagens, na vertente subjetiva, ou seja, imprescindível se mostra a demonstração do dolo ou da culpa para providenciar o dever de indenizar.

Para os argentinos, é preciso admitir uma certa "relatividad que tiene el concepto mismo de objetividad y de verdade", permitindo que a difusão de informações se proceda de acordo com a representação humana da realidade apurada, porque "no entenderlo así, implica negar un dato ontológico de base, una concepción mecanicista inaceptable en las denominadas ciencias del hombre, conducente a los objetivismos a ultranza" (EDUARDO A. ZANNONI e BEATRIZ R. BÍSCARO - Responsabilidad de los medios de prensa, p. 84).

Como a reportagem não traz nada além da verdade, onde o autor de fato recebe aquela remuneração, sendo que a sociedade tem o direito de ter acesso aquela informação, mesmo porque sai do bolso de todos nós os salários dos servidores públicos, não vislumbro qual dolo ou culpa no sentido de causar ofensa á honra do autor, não sendo factível, nessa trilha, reconhecer ato ilícito na reportagem.

Ante o exposto JULGO IMPROCEDENTE o pedido do autor, e assim o faço com resolução do mérito calcado no art. 269, I do Código de Processo Civil.

Por fim, em face da sucumbência, condeno o autor no pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que ora arbitro em R$ 1.500,00 (Hum mil e quinhentos reais), nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

Transitada em julgado, após as anotações pertinentes, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

Publique-se. Intimem-se. Sentença registrada eletronicamente.

Brasília - DF, sexta-feira, 14/12/2012 às 10h34.

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