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Perpetuidade

Magna Carta completa 800 anos

Documento influenciou constituições mundo a fora

Da Redação

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Atualizado em 12 de junho de 2015 18:07

Considerada a primeira Constituição que houve no mundo, a Magna Carta foi um documento imposto em 15 junho de 1215 pelos nobres ingleses rebelados contra o rei João Sem Terra, com o intuito de dar um basta aos atos arbitrários reais, mediante a edição de um corpo de leis a que o rei deveria prestar obediência.

O documento completa hoje 800 anos. Sua perpetuidade está no fato de ser um dos primeiros documentos a conceder direitos aos cidadãos, garantias fundamentais, devido processo legal, penas proporcionais, júri e, em última análise, o Estado democrático de Direito.

A Magna Carta foi o primeiro passo para a criação da common Law e ideais que influenciam Constituições mundo a fora até hoje. Para o ministro Carlos Ayres Britto, a Magna Carta é um fonte de inspiração permanente ; um documento que dividiu a história do Direito em dois períodos. Antes e depois de sua existência. "Mais do que um embrião ou uma semente de Constituição, ela foi uma Constituição positiva, com as características de uma Constituição positiva, embora sem o elemento central da democracia no sentido de soberania popular como fonte de legitimidade do poder. Ela continha o que as Constituições centralmente contém hoje, como separação dos poderes, contenção do poder, distribuição do poder, proclamação de direitos fundamentais e devido processo legal (com contraditório e ampla defesa)."

Entre outras disposições, a lei dizia que o rei não poderia mais criar impostos ou alterar as leis sem antes consultar o Grande Conselho, composto por 25 integrantes, representados pelo clero e pela nobreza (o princípio do Parlamento). Além disso, nenhum súdito poderia ser condenado a prisão sem antes passar por um processo judicial. "Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra."

No Brasil, a Constituição de 88 se beneficia da influência norte-americana, que por sua vez é composta pelas cláusulas de ouro da magna carta, que tem como princípios a submissão de governantes a lei, limitação dos poderes, separação entre Estado e Igreja, devido processo legal, razoável duração do processos e a Idéia de rulle of Law, em que ninguém está acima da lei, nem o rei, nem o Presidente da República.

De acordo com o constitucionalista Clèmerson Merlin Clève, o Brasil está evoluindo na percepção dos valores constitucionais. "Já estamos melhor do que estivemos no passado e certamente pior do que estaremos à frente. Nosso processo tem sido um processo de evolução constante. Se for um olhar focado, de perspectiva, direto, nós podemos ficar decepcionados. Mas se for um olhar que apanha o processo histórico de modo geral, com uma lente grande angular, mais poderosa, podemos ver que estamos avançando e evoluindo. Certamente mais do que boa parte dos nossos vizinhos."

Seminário Internacional - Os 800 anos da Magna Carta

Em evento realizado na última semana na sede do escritório Pinheiro Neto Advogados, um time de peso discutiu, de forma eloquente e aprofundada, a influência da Magna Carta no Direito atual.

Um raríssimo exemplar do octocentenário documento britânico, com o selo real de João Sem Terra, estava em exposição. "Emprestada" pela british library, a cópia oficial foi sumariamente apresentada pela cônsul britânica, Helen Jamieson,que a descreveu como "o maior produto de exportação do Reino Unido dos últimos tempos."

No encerramento do evento, Fernão Justen de Oliveira, resumiu o encontro como "uma jornada cumprida com talento, generosidade, sofisticação, competência, originalidade, erudição, inteligência, criatividade e, por que não, bom-humor." Confira o resumo do seminário feito pelo sócio de Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

CESAR A. GUIMARÃES PEREIRA contou-nos como surgiu a iniciativa deste magnífico evento, que enfoca um antigo documento voltado a configurar um governo de leis, não de homens, estipulava remédios para o caso de seu descumprimento e ainda o que hoje seria um projeto de constituição econômica, juntamente com a inspiração maior de sujeição dos governantes à lei, como expressão mais pura do Estado de Direito.

JOSÉ HORÁCIO HALFELD REZENDE RIBEIRO destacou premonitoriamente a simbologia do conteúdo da Magna Carta, um caráter presente em todas as exposições.

HELEN JAMIESON esboçou a história da Magna Carta com os seus três dispositivos que permanecem em vigor: a liberdade da Igreja, a liberdade da cidade de Londres e as garantias individuais que hoje se identificam como o embrião dos direitos fundamentais, e apontou que a relativa estabilidade jurídica subsequente estimulou o progresso econômico.

A magistral conferência de abertura de JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA brindou-nos com uma análise acurada sobre a influência da Magna Carta no processo administrativo desenvolvido pelo direito continental europeu.

JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI narrou a história do sistema da Common Law a partir do direito canônico e romano, e os reflexos contemporâneos à Magna Carta na produção jurídico-científica da Península Ibérica.

CELSO CINTRA MORI realizou um colorido e detalhado retrato do contexto histórico que antecedeu e que sucedeu a emissão da Magna Carta, em especial como o poder religioso condicionou os interesses temporais oligárquicos.

CARLOS AYRES BRITTO desbastou a rocha bruta e produziu uma escultura hermenêutica, expondo à luz a principiologia da Magna Carta.

CLÈMERSON MERLIN CLÈVE revelou a mitificação da Magna Carta e os meios de sua contaminação do constitucionalismo continental e americano, também como mito apropriado pela realidade e a permanente adaptação ora para alterar essa realidade, ora para perpetuá-la.

EDUARDO TALAMINI esmiuçou o conteúdo da Magna Carta, em especial a cláusula 39 e os princípios processuais dela derivados, embora não como fonte única, como a proporcionalidade, a isonomia, a competência, o devido processo, a universalidade da jurisdição, a imparcialidade.

GUSTAVO BADARÓ identificou na estrutura da Magna Carta o estímulo a penas proporcionais, ao júri, ao habeas corpus, ao devido processo; e referiu o estado atual do processo penal brasileiro, com o regime aberto diferenciado, a consensualização da pena, o recurso sem efeito suspensivo e a admissão da prova ilícita.

GILBERTO GIUSTI, em resultado de uma análise histórica, indicou como uma novidade relevante da Magna Carta a promoção da efetividade da decisão judicial, a enforceability, além de lançar a semente da pacificação dos conflitos e da autocomposição.

CARLOS ALBERTO CARMONA questionou o alcance jurídico atribuído atualmente ao conteúdo da Magna Carta, revelando que posteriores iniciativas régias tiveram mais impacto para a concepção de Estado de Direito e dos atuais sistemas adequados de composição de litígios, que compõem o sistema multiportas.

MARÇAL JUSTEN FILHO criticou a estrutura e a função da administração pública brasileira, cujo contexto não contempla a realização dos princípios originalmente contidos na Magna Carta, como as garantias fundamentais, o devido processo legal e, em última análise, o Estado democrático de Direito.

PAULO DE BARROS CARVALHO apontou a influência decisiva da Magna Carta para que preceitos nele contidos fossem transferidos para várias leis de lugares distintos na forma de regras tributárias, culminando, passados 800 anos, no aperfeiçoando da teoria das relações jurídicas tributárias e genericamente na teoria geral do direito.

GUSTAVO TEPEDINO ressaltou a capacidade de a Magna Carta interferir no âmbito público e privado, especialmente a promoção pela cultura anglo-saxã de um enorme respeito pelo direito alheio, pela liberdade, pelo espaço do outro.

MAIRAN MAIA trouxe profusa informação trouxe profusa informação sobre a influência do IusCommune sobre a Magna Carta, que derivou em cláusulas de proteção a múltiplos aspectos da vida civil do indivíduo, inclusive com reflexo no direito civil brasileiro.

Por fim, destaco que a mim espanta o longo caminho de transição entre a afirmação pela Magna Carta de privilégios oligárquicos paroquiais e a atual consolidação universal dos direitos fundamentais como pilar do Estado de Direito democrático.

Intriga-me a perenidade de um mito, um fato histórico, uma obra de arte, um produto de marketing, um símbolo. Impressiona a transcendência da Magna Carta, que sublimou uma limitada dimensão temporal e espacial para nos alcançar, aqui e agora.

Este evento bem deixa marcado para a comunidade jurídica que a Magna Carta integra o processo civilizatório do Brasil. Do Brasil que temos para o Brasil que todos queremos.

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