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Um nacionalista preso por delito contra a Segurança Nacional

Apesar de ser conhecido como escritor de histórias infantis, Monteiro Lobato também foi advogado, fazendeiro, editor de livros e jornalista. Acima de tudo, foi um nacionalista. Não se conformava com o desenraizamento cultural, não gostava dos modismos importados que nada tinham a ver com a realidade brasileira e condenava a utilização de vocábulos estrangeiros sem necessidade

Da Redação

terça-feira, 21 de julho de 2009

Atualizado em 13 de julho de 2009 14:33

Um nacionalista preso por delito contra a Segurança Nacional

Getúlio Vargas manda Monteiro Lobato para a cadeia

Apesar de ser conhecido como escritor de histórias infantis, Monteiro Lobato também foi advogado, fazendeiro, editor de livros e jornalista. Acima de tudo, foi um nacionalista. Não se conformava com o desenraizamento cultural, não gostava dos modismos importados que nada tinham a ver com a realidade brasileira e condenava a utilização de vocábulos estrangeiros sem necessidade.

Mas um episódio que ganhou destaque foi o ocorrido em 20 de março de 1941. Nesse dia, Monteiro Lobato foi preso por delito contra a segurança nacional. A história que explica esse episódio começa, na verdade, muito antes dessa data. Por isso, voltemos um pouco no tempo.

Depois de se entediar com o Direito, vender a fazenda herdada do avô, montar e falir uma editora - e, claro, escrever as obras que o consagraram - o personagem dessa história real muda-se, em 1926, para Nova Iorque e por lá fica até 1931. No exterior, trabalha como adido comercial brasileiro. Impressiona-se com o crescimento econômico dos Estados Unidos e passa a militar em prol da pesquisa e exploração do petróleo.

É fácil entender.

Para Monteiro Lobato o poderio americano tinha suas bases no petróleo e apontava as grandes empresas estrangeiras - conhecidas depois como "sete irmãs" - como um dos entraves com o qual se deparava o crescimento do Brasil. Para ele, a melhor coisa era que o petróleo fosse explorado pela iniciativa privada, como era feito no exterior, e não pelo governo que, na sua opinião, era ineficiente.

Como se vê, pouca coisa mudou na ordem do dia.

A carta

O fato é que, em vista disso, em 24 de maio de 1940, durante o Estado Novo, Monteiro Lobato escreve uma carta ao presidente Getúlio Vargas, seguida de outra ao general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, reprovando a "displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch".

Para Monteiro Lobato, as exigências estabelecidas pelo decreto nº 2.179, de 8 de maio de 1940 - que, entre outras coisas, criava um imposto único federal sobre os combustíveis e lubrificantes líquidos minerais - apenas dificultava a exploração do subsolo, retardando o progresso do Brasil.

Diante da missiva, em 17 de dezembro de 1940, o general Júlio C. Horta Barbosa, presidente do Conselho Nacional do Petróleo, reportou-se ao Tribunal de Segurança Nacional condenando a carta lobatiana, por considerá-la injuriosa, tanto para os agentes envolvidos no setor do petróleo, como também no que diz respeito aos poderes públicos. Com isso, queria que Monteiro Lobato fosse enquadrado no crime previsto pelo decreto-lei nº 431, de 18 de maio de 1938, artigo 3º, nº 25 - que dispunha ser crime contra a segurança do Estado e a ordem social injuriar os poderes públicos ou os agentes que os exercem, com penas que podiam levar de seis meses a dois anos de prisão.

Em 6 de janeiro de 1941, abriu-se inquérito a mando do ministro F. de Barros Barreto para averiguar o caso. No dia 27 do mesmo mês, a Superintendência de Segurança Política e Social de São Paulo já realizava buscas no escritório de Monteiro Lobato, localizado na Rua Felipe de Oliveira, 21, 9º andar, sala 4, apreendendo documentos. Dentre eles, uma cópia da carta enviada ao general Góes Monteiro com o mesmo conteúdo da que fora enviada ao presidente Getúlio Vargas.

O resultado da carta

Em 1° de Fevereiro de 1941 é concluído o inquérito. Com base em tudo o que fora levantado nas investigações, o delegado Rui Tavares Monteiro, da Superintendência de Segurança Política e Social de São Paulo, declarou a respeito do escritor : "procura com notável persistência desmoralizar o Conselho Nacional de Petróleo, apresentando-o a soldo de companhias estrangeiras, em cujo exclusivo benefício toma todas as suas deliberações, o que, a ser verdade, constituiria, sem dúvida um crime de lesa-pátria, que comprometeria o próprio Governo Federal, de que ele é representante".

Quanto a Monteiro Lobato, este também foi ouvido no inquérito e disse que, de fato, escreveu uma carta ao Presidente da República, "na qual, entre outras coisas, acusa o Conselho Nacional de Petróleo de retardar a criação da grande estrutura petrolífera nacional, como perseguir sistematicamente as empresas nacionais; que assim procedendo, o Conselho Nacional de Petróleo agia única e exclusivamente no interesse do truste Standard Royal Dutch; que confirma inteiramente os dizeres da carta em questão, esclarecendo que suas afirmações ali se encontram plenamente justificadas pelos fatos apresentados; que escreveu ao General Góes Monteiro uma outra carta onde tachou o Sr. Presidente da República de displicente, porque não tomava, em relação ao petróleo, as medidas reclamadas pelo declarante, como sendo as que melhor consultavam os interesses nacionais, com a presteza que o declarante desejava".

O inquérito foi enviado ao Tribunal de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro. O procurador Gilberto Goulart de Andrade concluiu: "à vista do exposto, é de concluir-se que José Bento Monteiro Lobato está incurso no artigo 3º, inciso 25 do decreto-lei nº 431, de 18 de maio de 1938, sujeito à pena de seis meses a dois anos de prisão".

Monteiro Lobato tentou sair do país e, por isso, em 18 de março de 1941, Gilberto Goulart solicitou ao Presidente do Tribunal, Coronel Maynard Gomes, sua prisão preventiva. O presidente da Corte acatou o pedido e dois dias depois, 20 de março, Monteiro Lobato estava preso na Casa de Detenção de São Paulo.

Em busca da liberdade

Hilário Freire e Waldemar Medrado Dias foram os advogados que atuaram na defesa do escritor. Sobre a carta escrita, argumentaram que : "o autor não divulgou nem autorizou o destinatário ou outrem a divulgá-la, e que, portanto, não produz injúria".

A defesa também se valeu da trajetória literária de Monteiro Lobato, afirmando ser ele um grande nome dentro e fora do país, um verdadeiro representante da cultura do Brasil. E não apenas isso, para os advogados o escritor era um verdadeiro nacionalista, "tanto que foi justamente às classes armadas de seu país que o denunciado ofereceu a expressiva dedicatória do livro 'O Escândalo do Petróleo', o qual, em três meses, de agosto a outubro de 1936, se esgotaram quatro edições, num total de 25 mil exemplares". Nesse livro, Monteiro Lobato identificava o petróleo como a "alma da indústria moderna", a "eficiência do poder militar", "a soberania" e a "dominação".

Outro argumento que também foi utilizado para defender Monteiro Lobato foi sua amizade com Getúlio Vargas. De acordo com os advogados, "essa carta de 5 de maio, no seu tom pessoal e quase íntimo, dirigida ao 'dr. Getúlio', é igual a tantas outras, escritas antes e depois dela, ao Sr. Presidente da República. É bem uma fotografia, moral e cívica, do escritor, vivaz e bem intencionado, tomado pelas paixões impessoais do bem público e da verdade, com seu amor às grandes causas, com seu feitio, com seu temperamento, com sua impulsividade, com seu talento literário, com o colorido do seu estilo e com a independência de suas idéias. Essa carta não constitui injúria ao presidente da República e, por isso, o presente processo, formado em redor dela, é um manifesto erro judiciário, pois falta à espécie o "animus injuriandi" e o "animus nocendi."

Até que foi feita a pergunta: "Por que não agiu contra o denunciado o Sr. Presidente da República?"

Sem hesitar, os advogados afirmaram: "o caso, positivamente, não é o de injúria, nem o Sr. Presidente da República nem aos órgãos de sua administração. A remessa da carta de 5 de maio ao Conselho Nacional do Petróleo obedeceu a uma simples praxe que o chefe de Estado estabeleceu normalmente em reclamações análogas, para ser convenientemente informado dos assuntos que motivam as críticas formuladas".

Outro ponto de destaque foi a reprodução, por parte da defesa, da carta de Ronald de Carvalho, do gabinete da Presidência da República, de 31 de outubro de 1934, lembrando que o próprio Getúlio Vargas havia estado com Monteiro Lobato para tratar de estudos sobre os problemas do ferro e do petróleo. A carta dizia : "Meu caro Lobato. O presidente deseja conversar com v. sobre assunto de grande interesse para o Brasil. Peço-lhe, por isso, que venha ao Rio, se lhe for possível, na próxima semana. Aqui fico às suas ordens".

Em 1° de abril de 1941 foi pedida a absolvição de Monteiro Lobato. Em 8 de abril foi realizada a audiência de julgamento no Tribunal de Segurança Nacional. Depois de considerar os argumentos da acusação e da defesa, o coronel Augusto Maynard Gomes, juiz incumbido do caso, proferiu a sentença em favor de Monteiro Lobato, tendo em vista a amizade que havia entre ele e Getúlio, o livre exercício de crítica e o caráter privado da carta. No entanto, houve recurso e o caso foi parar no Tribunal Pleno e por unanimidade de votos o escritor foi condenado a seis meses de prisão - grau mínimo do artigo 3º, inciso 25, do decreto-lei nº 431, de 1938.

Monteiro Lobato ficou preso por três meses por causa de sua intransigente luta em prol da soberania do país nos direitos de exploração do subsolo. Mas, em 20 de junho de 1941 foi posto em liberdade em virtude do alvará expedido pelo mesmo Tribunal que o mandou prender, o Tribunal de Segurança Nacional, por ter-lhe sido concedido, por decreto de Getúlio Vargas, em 17 desse mês, o benefício de indulto.

O espírito de Emília fala mais alto

Poderia até ter saído antes, mas o espírito imprudente de Monteiro Lobato não deixou. Ao receber a notícia de que seria solto, escreveu uma carta ao presidente do Conselho Nacional do Petróleo, o general Horta Barbosa, dizendo-se "profundamente reconhecido pelos deliciosos e inesquecíveis dias passados na Casa de Detenção". Longe do "tumulto humano e das mil distrações" do mundo teve a oportunidade que "sempre havia sonhado" para "meditar sobre o livro de Walter Pitkin, 'A Short Introduction to the History of teh Human Stupidity'".

Resultado : a sentença de soltura foi revogada e Monteiro Lobato ganhou mais algumas semanas na cadeia.

  • Clique nas imagens abaixo para ver ampliadas algumas páginas do inquérito, constante no arquivo migalheiro.

Um pouco mais do espírito sarcástico de Monteiro Lobato você acompanha no áudio que segue. Trata-se da última entrevista concedida pelo autor, em 2 de julho de 1948. Entre os temas tratados estão o petróleo, os escândalos do governo e as personagens infantis criadas. Aproveite!

"O BURRO JUIZ"

Monteiro Lobato

Disputava a gralha com o sabiá, afirmando que a sua voz valia a dele. Como as outras aves rissem daquela pretensão, a bulhenta matraca de penas, furiosa, disse:

- Nada de brincadeiras. Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. Canta o sabiá, canto eu, e a sentença do julgador decidirá quem é o melhor artista. Topam?

- Topamos! piaram as aves. Mas quem servirá de juiz ?

Estavam a debater este ponto, quando zurrou um burro.

- Nem de encomenda! exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeiríssima para julgamento de música, pois nenhum animal possui maiores orelhas. Convidemo-lo.

Aceitou o burro o juizado e veio postar-se no centro da roda.

- Vamos lá, comecem! ordenou ele.

O sabiá deu um pulinho, abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam sabiás, garganteando os trinos mais melodiosos e límpidos. Uma pura maravilha, que deixou mergulhado em êxtase o auditório em peso.

- Agora, eu! disse a gralha, dando um passo à frente.

E abrindo a bicanca matraqueou uma grita de romper os ouvidos aos próprios surdos.

Terminada a justa, o meritíssimo juiz deu a sentença:

- Dou ganho de causa à excelentíssima senhora dona Gralha, porque canta muito mais forte que mestre sabiá.

Quem burro nasce, togado ou não, burro morre (*)

(*) A condenação de Monteiro Lobato, citada anteriormente, confirma a velha fábula. A sentença deu razão ao que cantava mais forte.

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