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Retrospectiva 2016

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Atualizado em 19 de dezembro de 2016 09:51

Vitor Frederico Kümpel e Rodrigo Pontes Raldi

Essa coluna tem por finalidade fazer um retrospecto do ano de 2016. O objetivo seria alinhar ou realinhar as principais questões jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais que marcaram o ano, para fins de entretenimento e diversão em uma época natalina. A ideia seria trazer uma certa leveza, mas, na realidade, o Brasil de 2016 está aí para ser esquecido tal é o grau de desmandos e insegurança que reina em terrae brasilis.

Ao lado de uma crise econômica e política sem precedentes, o ano de 2016 foi marcado, no campo jurídico, pela consolidação de uma série de jurisprudências sui generis tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça acerca de uma gama de assuntos relevantíssimos.

Podemos inclusive mencionar uma das últimas no que toca à descriminalização do desacato, decisão que deixou atônita a comunidade jurídica.

A dogmática parece cada vez mais desprestigiada, a insegurança jurídica e o ativismo judicial ganham ainda mais força, por meio de "hermenêutica solipsista", olvidando-se que a norma jurídica, é, em verdade, o produto social que objetiva trazer paz para a comunidade. A norma, por meio de seus princípios e regras, há muito é um mero álibi para atender a interesses pessoais. O intérprete e o aplicado têm escarnecido da norma.

Em primeiro lugar, no entanto, antes de propriamente analisar os julgados significativos no campo do Direito Civil-Notarial ou Civil-Registral, cabe retrospectiva das principais mudanças legislativas que foram importantes para essas áreas do Direito em 2016, com reflexo nas notas e nos registros.

Em 18 de março de 2016, entrou em vigor o novo CPC1 e, com ele, mudanças significativas nas regras processuais e procedimentais, no que diz respeito à Atividade Notarial e Registral. Como principais alterações, cita-se o acréscimo do art. 216-A à Lei dos Registro Públicos, criando a possibilidade de reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial, que antes só podia se dar por meio de sentença judicial de natureza declaratória. O escopo foi facilitar e garantir maior agilidade no procedimento da usucapião.

Extremamente polêmico é o art. 98, § 8o, do NCPC, que previu a possibilidade de o notário ou de o registador, havendo dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos da gratuidade de justiça no momento da lavratura da escritura e/ou do registro, requerer ao juízo competente alteração. Manifestamos nosso entendimento acerca da inconstitucionalidade desse dispositivo, que permite ao juiz corregedor, no exercício de atividade administrativa, revisar decisão jurisdicional, em completa inversão de valores, que subverte o conceito ontológico do sistema2.

A forma da contagem dos prazos administrativos, no âmbito da atividade notarial e registral também foi alterado pelo NCPC. De acordo com o art. 219, do NCPC, devem ser desprezados os finais de semana e os feriados para fins de computo dos prazos processuais (contagem em dias úteis dos prazos processuais). Ademais, o NCPC passou a prever, expressamente, sua aplicação subsidiária aos processos administrativos, quando houver lacuna na lei especial. Não dispondo a Lei dos Registros Públicos sobre a forma de computo dos prazos para prática de atos notarias e registrais, deve ser aplicado o NCPC, contando-se os prazos não mais em dias corridos, e sim em dias úteis3.

Além disso, o art. 53, III, f, do NCPC inovou trazendo regra de competência territorial para o julgamento de ações de reparação de danos causados no exercício da atividade extrajudicial, devendo a demanda ser proposta no foro da sede da serventia notarial ou de registro4, independentemente deste ser ou não domicilio do réu.

Aliás, acerca da responsabilidade do notário e do registrador, em 10 de maio, foi publicada a lei 13.286/16, que alterou, pela segunda vez, o regime de responsabilidade civil desses agentes. Passou a prever o art. 22, da Lei n. 8.935/94, com o advento da nova legislação: "Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso". Instituiu-se, portanto, no âmbito do exercício da atividade típica, o regime de responsabilidade subjetiva. No entanto, como assentamos em artigos anteriores, caso o dano se dê razão da relação de consumo criada entre os prestadores e o usuário (por exemplo, se o usuário escorrega e se machuca no interior do ofício), aplicam-se as regras de responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor (diálogo das fontes)5.

Ademais, em 4 de março de 2016, a Corregedoria Nacional de Justiça no artigo 1º, § 1º, do Provimento n. 52, estabeleceu que os pais em união estável poderão se valer da presunção pater is (art. 1.597, II, do Código Civil) nos mesmos moldes que no casamento. A previsão é polêmica, pois gera extrema insegurança, na medida em que o casamento, dependendo do registro no RCPN, tem certidão que comprova, de forma inconteste, a data de seu início e fim. Entende-se que deverá ser lavrada escritura pública, num período anterior a 180 dias, para fins de presunção da filiação6.

Por fim, tem-se o reconhecimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, a possibilidade de assento duplo da filiação biológica e afetiva na certidão de nascimento. Afirmou o STF, nos auto do RExt n. 898.060: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprio". A questão é extremamente problemática e será objeto de artigo específico em 2017. Em linhas gerais, é de se imaginar os reflexos jurídicos que a decisão impensada pode gerar: duplo dever alimentar, problemas relativos à guarda, complicada situação sucessória, entre outros consectários.

Essas foram, em linhas gerais, algumas mudanças legislativas e decisões judicias que marcaram 2016 no viés notarial e registral.

Para o ano seguinte só nos cabe orar e desejar que os operadores do direito deixem um pouquinho de lado os seus interesses pessoais e pensem no próximo. E no que diz respeito à ciência jurídica, que passem a observar os preceitos ontológicos do sistema em sintonia com a segurança jurídica e com a paz social

Como afirma F. C. Pontes de Miranda: "A falta de precisão de conceitos e de enunciados é o maior mal na justiça, que é obrigada a aplicar o direito, e dos escritores de direito, que não são obrigados a aplica-lo, pois deliberam êles-mesmos escrever. O direito que está à base da civilização ocidental só se revestirá do seu prestígio se lhe restituirmos a antiga pujança, acrescida do que investigação científica haja revelado. Não pode ser justo, aplicando o direito, quem não no sabe. A ciência há de preceder ao fazer-se justiça ao falar-se sôbre direitos, pretensões, ações e exceções"7.

Continuem conosco em 2017!

__________

1 Sobre as principais alterações: V. F. Kümpel - R. P. Raldi.

2 Com maior profundidade, tratamos do tema: V. F. Kümpel - R. P. Raldi, O art. 98, § 8o, do novo CPC e a impossibilidade da revisão de decisão de natureza jurisdicional pelo juízo administrativo, São Paulo, 2016, disponível in

3 Com maior profundidade, tratamos do tema: V. F. Kümpel - R. P. Raldi, A contagem dos prazos no novo Código de Processo Civil e sua repercussão para a atividade de registro, São Paulo, 2016.

4 Com maior profundidade, tratamos do tema: V. F. Kümpel - R. P. Raldi, O novo CPC e suas implicações na atividade notarial e registral: regra de competência para danos causados por notários e registradores, São Paulo, 2016, disponível in

5 Com maior profundidade, tratamos do tema: V. F. Kümpel - R. P. Raldi, A lei 13.286/2016 e a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores no exercício da atividade típica, São Paulo, 2016, disponível in

6 Com maior profundidade, tratamos do tema: V. F. Kümpel - A. L. Pongeluppi, Presunção pater is na união estável, São Paulo, 2016, disponível in

7 Prefácio ao Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, Borsoi, 1954, p. XXIV.