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A casa-da-mãe-joana, a Fórmula Indy e o Direito do Consumidor

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Atualizado em 4 de maio de 2011 11:49

Joana I era a rainha de Nápoles e considerada a protetora cultural de poetas e intelectuais por causa de sua beleza e inteligência. Ela viveu na Idade Média (entre 1326 e 1382). Joana se casou com seu primo Andrew, irmão de Luís I, rei da Hungria. Algum tempo depois, Andrew foi assassinado em uma conspiração, na qual ela foi acusada de ter participado. Daí, o irmão da vítima, enfurecido, resolveu invadir Nápoles em 1348 perseguindo Joana, que se viu obrigada a fugir para a cidade de Avignon, na França.

Lá se instalou num palácio que já havia sido a moradia de sete papas e com sua habilidade passou a mandar na localidade. Tanto que, resolveu regulamentar os bordéis existentes. Uma das normas dizia: "O lugar terá uma porta por onde todos possam entrar." A partir disso, cada bordel ficou conhecido como "Paço da Mãe Joana".

Joana foi assassinada em 1832 por seu próprio sobrinho e herdeiro, Carlos de Anjou.

Transposta para Portugal, a expressão "paço-da-mãe-joana" virou sinônimo de prostíbulo. No Brasil, a palavra "paço" foi modificada para "casa", gerando a expressão como é conhecida até hoje: "Casa-da-mãe-joana". Os dicionaristas dizem que, por extensão, "casa-da-mãe-joana" indica o lugar ou situação em que cada um faz o que quer, onde imperam a desordem e a desorganização; um local onde vale tudo, onde predomina a confusão, a balburdia, etc.

Às vezes, leitor, quando penso na cidade de São Paulo, lembro da expressão. Parece terra de ninguém, quer dizer de alguns que a utilizam como bem entendem. Veja, meu caro leitor, o episódio da Fórmula Indy (não comentarei a incapacidade administrativa dos operadores da atração, porque isso não interessa). Alguém em sã consciência acredita mesmo que as ruas da capital paulista podem servir de palco para corridas de automóveis? E qual o interesse público relevante que justifica ceder as vias públicas de transporte de uma das maiores metrópoles do mundo para que empresários as explorem?

Enquanto alguns empresários faturam milhões em dinheiro, graças a eles, centenas de milhares de pessoas sofrem sérias rstrições ao seu direito de ir e vir. Perdem horas e até o dia de trabalho, são obrigados a modificar seus compromissos, deixam de cumprir suas obrigações, perdem aulas, adiam consultas médicas, adoecem, etc..

Na sexta-feira próxima passada, dia 6, São Paulo teve um congestionamento monstro causado pela interdição de parte das pistas da marginal do Tietê, por causa da corrida. Na segunda-feira - dia em que a prova finalmente se realizou - novamente o congestionamento foi insuportável. Ia do local da corrida até a cidade de Guarulhos, paralisando por horas as vias Dutra e Airton Senna, na chegada a São Paulo e também do lado oposto da marginal porque a via de acesso ao aeroporto de Cumbica ficou apinhada de motoristas desesperados, buscando uma alternativa para exercer seu simples direito de trafegar.

Será que as pessoas que perderam seus negócios, perderam horas e dia de trabalho, perderam aulas, que sofreram algum tipo de prejuízo podem se ressarcir de algum modo? (respondo mais abaixo).

Po ora, pergunto: para quê se impôs tal sacrifício à população? Para quê se gerou deliberadamente tanto prejuízo às pessoas que precisavam das vias públicas para cumprir suas obrigações?

Respondo: para que meia dúzia de empresários ficassem mais endinheirados.

Até quando nossa cidade parecerá mais a casa-da mãe-joana que um local adequado para se viver? Até quando a população paulista assistirá a esse absurdo passivamente?

Lembro que as ruas e avenidas de uma cidade são bens públicos ou, para ficar com a melhor doutrina, são bens difusos, bens ambientais difusos pertencentes a toda a coletividade1. Bens difusos, como as ruas e avenidas são de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida2. Não pode a administração de uma cidade entregar suas vias de rodagem à exploração privada sem qualquer utilidade pública. Essa corrida de automóveis não trouxe, nem traz nenhum benefício para a cidade de São Paulo (E, claro, nem citarei aqui o sofisma dos administradores públicos que dizem que há benefícios. É tão risível que não merece comentário).

Falo nessse ponto não como jurista, mas como cidadão paulistano que vê a cada dia mais esta nossa querida cidade ser vilipendiada, com crescimento desordenado que permite o adensamento irresponsável em seus bairros, que tem um crescimento vertical desproporcional aos serviços de estrutura implantados, gerando tráfego absurdo, inundações que nunca existiram, etc; que reconhece a cada rua, a cada avenida uma cidade das mais esburacadas do mundo; que vê o funcionamento eficaz da máquina estatal para aplicar multas, mas recebe um serviço de má qualidade em contrapartida; que ouve o tempo todo as reclamações das violações diuturnas do direito ao sossego, do qual deveria gozar; enfim de um cidadão paulistano cansado.

Você que me lê e que é cidadão de alguma cidade, nascendo ou não nela, mas aí vivendo, sabe muito bem da importância que ela tem para o relacionamento pessoal e o crescimento individual. Como dizia o saudoso professor Franco Montoro, os políticos se esquecem que as pessoas que vivem no país em primeiro lugar e muito concretamente habitam as cidades, vivem nos bairros, trafegam por ruas e avenidas, andam nas calçadas (em São Paulo em algumas calçadas nem isso é possível...). Mas, acontece que toda a vida se desenvolve nas cidades e, infelizmente, como em Sampa as pessoas estão por demais ocupadas com seus afazeres, acabam não percebendo as violações que são contra elas praticadas e, talvez, por isso, não se movimentam, não reclamam, não se reúnam em grupos de protestos tanto quanto poderiam, exercendo a garantia constitucional de lutar por seus direitos.

Mas, voltando ao assunto, pergunto novamente: E os prejuízos? Há como a pessoa prejudicada se ressarcir? Respondo, levantando uma hipótese que pode ser explorada.

Em matéria de responsabilidade civil, diz o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que "equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento" (art. 17 - clique aqui).

Ora, a responsabilidade do prestador dos serviços de diversões públicos (como é o caso de uma corrida de automóveis que, de fato, divertiu uma pequena minoria e gerou sofrimento em milhares) é patente, definida no art. 14 do CDC. A responsabilidade dele é objetiva, independendo da apuração de culpa, pelos danos causados aos consumidores que participaram diretamente da atração (isto é, os que compraram ingressos). Além disso, a responsabilidade se estende a todo aquele que, não tendo dela participado, tenha sofrido prejuízos por causa dela, com base no definido art. 17 citado.

Vê-se, pois, que todas as pessoas que sofreram danos por causa do evento esportivo, podem pleitear ressarcimento.

Anoto, também, que o parágrafo único do artigo 7º do CDC coloca os parceiros das ofertas e efetiva prestação do serviço em pé de igualdade, ao dispor que eles respondem solidariamente pela reparação dos danos causados, o que inclui na hipótese a própria municipalidade de São Paulo, agente que autorizou a atração e dela participou ativamente.

Aliás, como se trata além de direito individual, também de direito coletivo (individual homogêneo) pode ser proposta ação coletiva para apuração dos danos e, como há possibilidade de novos eventos futuros, cabe também a propositura da ação coletiva preventiva para buscar impedí-los, com o fito de evitar mais danos à população.

_________

1Conf. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 8ª. edição, 2007, ps. 64 e segs.

2Idem, ibidem, pág. 67.