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Para entender a responsabilidade civil objetiva no CDC

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Atualizado às 07:49

Acidentes causados por produtos e serviços acontecem constantemente. E, muitas vezes, feita e perícia técnica não se constata dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia)  do fornecedor. Por isso mesmo, é que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regrou a responsabilidade civil objetiva do fornecedor. Teço alguns comentários a respeito.

Uma das características principais da atividade econômica é o risco. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa a ação do empreendedor está aberta, simultaneamente, ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades  por parte do empresário, é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é dele. 

Muito bem. O CDC, compreendendo o funcionamento do binômio risco/custo (ao qual se deve acrescentar outro: custo/benefício) resolveu cuidar dos elementos ligados ao resultado da produção (no caso dos produtos) e ao resultado da prestação de serviços (que incorpora muitas vezes os produtos com os quais e através dos quais é prestado o serviço). Dito de outro modo: o CDC não se preocupou com os meios em que se produzem objetos ou se prestam os serviços, mas com a qualidade com que eles são entregues ao consumidor, controlando os vícios e defeitos e determinando trocas, devoluções de valores pagos e ressarcimento de prejuízos. 

A responsabilidade civil objetiva do fornecedor prevista na lei tem, assim, foco na relação de causalidade que envolve o consumidor, o produto e/ou serviço e o dano. Há algo de bem inteligente nisso: o CDC sabe que, de um lado, com todo o incremento da tecnologia é bastante difícil provar culpa do fabricante, montador, produtor, prestador do serviço etc., assim como que, mesmo com todos os esforços, sincera e adequadamente empreendidos, por esses agentes econômicos, ainda assim haverá vícios e defeitos.  

Essa é a questão: o produto e o serviço são oferecidos com vício/defeito, mas o fornecedor não foi negligente, imprudente nem imperito. Se não tivéssemos a responsabilidade objetiva, o consumidor terminaria muitas vezes lesado, sem poder ressarcir-se dos prejuízos sofridos (como se dava no regime anterior ao CDC). 

Cito um exemplo de um acidente ocorrido num parque de diversões, por falha em um dos brinquedos (algo que, infelizmente, ocorre). Temos que admitir que a falha do funcionamento do aparelho de diversões possa ter se dado sem que se verifique qualquer grau de culpa dos responsáveis. 

É, num outro exemplo, algo corriqueiro no caso de vícios e defeitos ocorrentes nos veículos automotores (Aliás, é por ocorrências desse tipo, sem participação direta do fornecedor, que em larga medida o CDC prevê o recall, que tem sido largamente utilizado por esse setor). 

Para deixar bem esmiuçado esse aspecto: como se sabe, de regra, o fabricante, produtor, prestador de serviços etc. não agem com negligência, imprudência ou imperícia exatamente por causa das consequências negativas para seu negócio. Como é notório, o negligente é aquele que causa dano por omissão (ex.:o motorista que não coloca óleo no freio do automóvel e, por causa disso, numa brecada, o freio falha, causando um acidente); o imprudente é quem causa dano por ação (ex.: o motorista que, dirigindo seu carro, passa o sinal vermelho de trânsito, atingindo outro veículo); e o imperito é o profissional que não age com a destreza que dele se espera (ex.: o médico que deixa um instrumento cirúrgico dentro do corpo do paciente operado). 

Ora, pode muito bem acontecer - como, repito, ocorre regularmente na indústria automobilística - do fabricante de um aparelho de diversões públicas ou do prestador do serviço por ele responsável, agir dentro de todas as regras técnicas exigidas para a manutenção e funcionamento adequado do produto e ainda assim, este, em algum momento, apresentar falha de funcionamento. Ou seja, pode acontecer do aparelho gerar danos aos usuários a despeito de todos os esforços em sentido oposto feito pelo prestador do serviço; apesar de não se constatar nenhuma das características da culpa (nem dolo). 

Do ponto de vista da lei, a situação é simples, posto que o prestador do serviço responde de forma objetiva, bastando ao consumidor demonstrar o nexo de causalidade entre os danos e o defeito do serviço. 

Em termos técnicos e factuais, a questão é mesmo da inevitabilidade. Por mais que os sistemas de controle de qualidade se desenvolvam, o fornecedor não consegue impedir que, mais cedo ou mais tarde, seu produto ou serviço cause dano por vício ou defeito, sem explicação científica ou técnica, É algo que decorre da própria natureza das coisas. 

Concluo com uma afirmação de meu amigo Outrem Ego: "Não há produto ou serviço sem vício ou defeito. Até foguete da Nasa apresenta falhas".