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Produto essencial: o desrespeito à lei

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Atualizado às 08:57

O que um fabricante gostaria que acontecesse com seu produto lançado no mercado? Sucesso ou esquecimento? A resposta é óbvia e, naturalmente, todo fabricante se esforça para que seu produto caia no gosto do consumidor. Ou melhor ainda: que se torne necessário e até imprescindível. 

Isso: imprescindível. Esse é o sonho de todo fabricante: que seu produto se torne imprescindível, necessário, de compra obrigatória pelo consumidor. Quando isso acontece, basta fabricar novos modelos e vende-los facilmente. 

Ora, esse produto tornou-se essencial. É caso típico de produto essencial. É aquele que o consumidor não pode viver sem, pois sua vida cotidiana, seu trabalho, seu estudo, seu lazer etc. depende desse produto. 

Vitória do fabricante! 

E o Código de Defesa do Consumidor (CDC) sabe disso. Por isso, regula de forma especial as garantias que os envolve.   

Infelizmente, ainda falta muito para que o mercado de consumo brasileiro se alinhe com o que há de mais moderno em termos de respeito aos direitos dos consumidores. Nem mesmo as empresas estrangeiras, que vendem ou se apresentam como de alta qualidade no atendimento ao consumidor, conseguem fazê-lo quando chegam aqui. Por causa dos abusos praticados repetidamente, eu volto ao assunto. 

Meu caro leitor, veja o que aconteceu com meu amigo Outrem Ego. Ele tem um smartphone de última geração. E, como acontece com milhões de consumidores, dele se utiliza para trabalhar, para cuidar de sua família e tudo o mais que esse produto propicia. Mas, eis que o aparelho simplesmente deixou de funcionar. 

Meu amigo, então, levou o aparelho à assistência técnica do fabricante que lhe informou que aquele produto estava muito danificado, o que, naquele modelo, já havia ocorrido com outros clientes. Se não conseguissem consertar em uma semana, então, lhe dariam um novo que, aliás, viria do exterior. Ele protestou: disse que não podia ficar sem o produto, pois era essencial para seu trabalho e que o fornecedor devia, ao menos, emprestar um, funcionando adequadamente até que o dele ficasse pronto. 

Bem, o atendente citou a lei e disse que eles tinham 30 dias para fazer o conserto. 

Será? 

Claro que não! 

Vejamos o que diz a lei. 

Com efeito, dispôs o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor: 

"Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas."

É verdade que a lei fala em 30 dias. Veja:

"§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço."

Porém, o parágrafo 3º do mesmo artigo diz: 

"§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo, sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial".

Ou seja, o consumidor, sempre que tiver produto enquadrado nas hipóteses do § 3º, poderá fazer uso imediato - isto é, sem conceder qualquer prazo ao fornecedor - das alternativas previstas no § 1º, quais sejam: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;  a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; o abatimento proporcional do preço. A escolha, naturalmente, é do consumidor.

Das hipóteses previstas, a que nos interessa é a da relativa ao produto essencial, que, todavia, a lei não define. E o que seria? 

Ora, como já mostrei no início deste artigo, produto essencial é aquele de que o consumidor necessita para a manutenção de sua vida pessoal com dignidade, para os cuidados com sua família e de sua vida privada e, também, ligado à saúde, segurança etc. E, claro, se o consumidor adquire o produto para fins profissionais, a essencialidade está ligada ao uso necessário e urgente para seu mister.

Caro leitor: isso não é novidade alguma. No mundo todo é assim: smartphone é, evidentemente, um produto essencial! 

No caso narrado por meu amigo, o aparelho havia de ser trocado na hora, sem mais delongas por outro igual em perfeitas condições de uso. Bastava fazer a troca e pronto. Aliás, como uma boa empresa deve fazer.