COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Circus >
  4. Caixinha de surpresas

Caixinha de surpresas

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Atualizado em 8 de julho de 2010 14:42

"Eu não pagaria um centavo para assistir a um jogo dessa seleção brasileira."

Johan Cruyff
(o maior jogador de futebol
da Holanda em todos os tempos)

A vida é, efetivamente, uma caixinha de surpresas, pois os acontecimentos nem sempre surgem como e quando nós esperávamos que ocorressem.

Veja se não é.

Conheço uma senhora, casada, mãe de dois filhos, que nos conta que, jovem ainda, dirigindo um automóvel, provocou colisão dele com outro veiculo, dirigido por um belo rapaz. Saiu ela do seu automóvel chorando, argumentação em que as mulheres são mestras, quase sempre com resultado favorável a elas. O fato é que o rapaz consolou-a, não só naquele como em outros dias e, atualmente, é o pai do casal de filhos acima referido.

Certo deputado estadual, que me honra com sua amizade, quando solteiro, morava em um apartamento onde, como seria natural, reunia de vez em quando amigos e amigas. Quando a reunião avançava no horário, a bela síndica tocava a campainha, pedindo moderação, pois alguns vizinhos estavam a reclamar do barulho. Lá pela terceira ou quarta vez, ele sugeriu à síndica que discutissem o assunto no dia seguinte, durante o jantar. Ou porque um só jantar não foi suficiente, ou porque houvesse outros assuntos a tratar, foram eles multiplicando-se e hoje eu cruzo com o simpático casal no elevador do prédio onde moramos, levando eles no colo uma bela menina de olhos verdes.

Os esportes, por pertencerem à atividade dos seres humanos vivos, não poderiam deixar de incluir-se na tal caixinha.

Veja se não é.

Uma partida de tênis costuma durar, no máximo, 3 horas. Recentemente, em Wimbledon, uma partida dessas durou inimagináveis 11 horas, com o placar também inimaginável de 78 a 80 no derradeiro set. Surpreendente, não?

Quando eu jogava basquete, lá se vão décadas e décadas, houve uma partida final entre dois clubes cujos nomes me escapam. O clube A precisava ganhar por 6 pontos ou mais para sagrar-se campeão. A partida aproximava-se do final e ele ganhava por apenas 2 pontos. Um de seus jogadores, talvez instruído pelo técnico, fez uma cesta contra, empatando a partida. Houve a prorrogação e o clube B foi derrotado por mais de 6 pontos de diferença.

Segundo nos conta Eduardo Galeano, na Ucrânia há uma estátua para registrar um fato insólito. Em 1942, plena ocupação alemã, o Dínamo de Kiev foi "convidado" a disputar uma partida de futebol contra uma equipe alemã, no estádio local. Mesmo advertidos pelo treinador, que pressentia que os nazistas não engoliriam fácil uma derrota, os jogadores locais empenharam-se para valer, vencendo o jogo. Em consequência, "los once fueron fusilados con las camisetas puestas, en lo alto de un barranco, cuando terminó el partido", registra Galeano.

Mas, fale a verdade: você pensou que eu iria falar de futebol, é ou não é? Pois acertou, só que eu não vou falar da inacreditável e recente partida entre a seleção do Uruguai e a de Gana; ou a da seleção da Holanda versus seleção do Brasil. Serei mais genérico.

Se nos dispusermos a estudar a origem e a motivação dos esportes, veremos que eles estão ligados a fatos naturais da vida do homem, sendo, quase sempre, resultado de uma sublimação, atrevo-me a dizer. Seria cômodo ilustrar isso com o óbvio esporte do boxe, onde, sem subterfúgio algum, temos a briga entre dois homens. A correspondência entre a agressividade natural e a agressividade sublimada é evidente, até porque as normas de civilidade exigem que os punhos sejam cobertos por uma luva acolchoada. Ou exigiam, pois hoje também se pratica luta de boxe com as mãos desprotegidas, um fato bastante sintomático da "evolução" do ser humano a caminho de Cro-Magnon (clique aqui).

Recorde-se que inúmeros esportes coletivos são disputados em torno de uma bola. E que é a bola senão a simbolização da cabeça do adversário, que o vencedor primitivo trazia para sua tribo, como prova do êxito na guerra? Eis o que nos diz um admirador do futebol, o já citado Galeano, a respeito da figura do torcedor típico: "El fanático llega al estadio envuelto en la bandera del club, la cara pintada con los colores de la adorada camiseta, erizado de objetos estridentes y contundentes, y ya por el camino viene armando mucho ruido y mucho lío. Nunca viene solo. Metido en la barra brava, peligroso ciempiés, el humillado se hace humillante y da miedo el miedoso." Em suma, guerra é guerra.

E já que estamos em época de Copa do Mundo, qual a origem da mais clássica das provas olímpicas, a corrida da maratona? Segundo reza a lenda, após uma árdua batalha na região de Marathon, quando os persas acabaram desistindo de invadir a Grécia, no ano 490 a.C., o soldado Filípides foi encarregado de avisar os seus compatriotas da vitória dos atenienses. Para isso, correu cerca de 36 quilômetros, para levar a boa-nova. Depois de fazer o feliz anúncio, morreu de exaustão. Aquela prova seria uma homenagem àquele herói grego (e, portanto, recordação de uma batalha sangrenta).

Não é de admirar, pois, que ao vencedor de uma disputa desportiva se entregue uma taça, onde, simbolicamente, ele beberá o sangue dos vencidos.

Portanto, quando se transforma uma simples partida de futebol em festa cívica, algo está errado, pois estamos invertendo o processo civilizatório. Fechar repartição pública em dia de jogo, então, é algo simplesmente impensável.

Não chegamos, é verdade, ao desvario do governo de um país africano que teria decretado que os jogadores da seleção nacional lá deles não poderão sair do país nos próximos dois anos, como punição pela desclassificação da equipe na recente Copa da África. Nem à xenofobia francesa que considerou a diminuta presença de franceses puro-sangue na seleção a causa maior da sua precoce desclassificação.

Como diria certo estadista europeu, "ces là ne sont pas des pays sérieux".