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Grãos de areia

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Atualizado em 16 de dezembro de 2010 16:46

 

 

"Telescópio Hubble é utilizado para prever a movimentação de 100 mil estrelas pelos próximos 10 mil anos."

Folha de S.Paulo
(edição de 4/11/10)

"O valor da descoberta de que o número de astros é o triplo do que se pensou até agora talvez seja a confirmação de que há um elemento além da compreensão humana em um céu estrelado."

Veja
(edição de 15/11/10)

"De longe, o melhor jeito que conheço de deflagrar a sensação religiosa, o sentimento de temor, é olhar para o céu numa noite clara."

Carl Sagan
(Variedades da Experiência Científica
Uma visão pessoal da busca por Deus
Ed. Companhia das Letras)

Há momentos em que me vejo como um grão de areia. Se você pensou em "sentimento de insignificância", saiba que acertou, pois, pensando bem, a vida de um grão de areia costuma ser bem maior do que será a minha, que venho despedindo-me de companheiros de jornada com alguma frequência, Deus conserve a saúde e a capacidade profissional dos médicos que vou encontrando em meu caminho. Você me contestará, dizendo que a palavra "vida" só se aplica aos animais e aos vegetais. Pois a ciência deveria rever isso, já que os grãos de areia, quando submetidos a elevadíssimas temperaturas, transformam-se em vidro, "perdendo-se no grande todo", como dizem alguns entendidos que acontece com nossa alma (clique aqui), quando a hora fatal chega e se acreditamos na existência da alma.

Pois ali estava ainda agora um grão de areia que, diante de meus olhos, acaba de ser bicado e engolido por uma ave. Teria ela confundido aquele mineral com alguma semente? Ou sábia e conscientemente o engoliu para auxiliar na digestão do alimento anteriormente ingerido? Não sei dizer. O que sei é que, mais hora, menos hora, aquele grão será devolvido à terra, envolto por um minúsculo monturo, que ficará exposto a sol e chuva, até desintegrar-se e, ele também, passar a fazer parte do "grande todo" da natureza. Mas o grão ali ficará até não sei quando.

Penso no que acontecerá se um ser minúsculo, não necessariamente unicelular, topar com esse grão. Não será certamente diferente da minha experiência quando topei com a muralha da China, única obra humana que pode ser vista a olho nu desde a Lua, segundo me diz a Maria Helena, que circula com desenvoltura entre o Direito do Espaço (clique aqui) e o Direito do Mar (clique aqui). Positivamente, ela gosta das imensidões. Foi com ela que aprendi que, em vista de tratado internacional, nosso satélite natural é "patrimônio comum da humanidade". Bonito isso!

Por outro lado, para aqueles mesmos olhos nus eu serei tão invisível quanto aquele grão de areia, irmanados assim, inexoravelmente, na mesma insignificância cósmica.

Ouçamos quem entende do assunto:

"Se estamos confinados a um planeta, se só conhecemos este planeta, ficamos extremamente limitados até mesmo na nossa compreensão deste planeta. Se só conhecemos um tipo de vida, somos extremamente limitados até mesmo na compreensão daquele tipo de vida. Se só conhecemos um tipo de inteligência, somos extremamente limitados até mesmo em entender aquele único tipo de inteligência. Mas buscar equivalentes a nós mesmos em outros lugares, ampliar nossas perspectivas, mesmo que não encontremos o que estamos procurando, é algo que nos fornece parâmetros dentro dos quais conseguimos nos compreender muito melhor."

Esse mesmo autor, o astrônomo Carl Sagan, diz, em outro trecho, que "existem mais galáxias no universo do que estrelas dentro da galáxia da Via Láctea". Sabendo-se que uma viagem pela Via Láctea, que tem a forma oval, do extremo Oeste para o extremo Leste, levaria cerca de 100.000 anos-luz, quanto de tecnologia será necessário para esquadrinhá-la por inteiro? De outra parte, sabendo-se que a luz se movimenta a 300.000k por segundo, quantos quilômetros ela percorrerá em um dia? Em um mês? Em um ano? Por outro lado, quanto tempo ainda deverá decorrer até que a tecnologia nos leve a isso? Nosso exaurido planeta, que James Lovelock considera "um planeta doente", terá condições de esperar tanto tempo?

Pierre Teilhard de Chardin (1881 - 1955), com sua autoridade de teólogo e paleontólogo, não fosse também padre jesuíta, em livro (clique aqui) onde expõe a compatibilidade entre crença e ciência, sustenta que "milhares de séculos antes que um ser pensante aparecesse sobre a Terra, a vida aqui já formigava, com seus instintos e paixões, suas dores e suas mortes. E entre milhões de Vias Lácteas que se agitam no espaço, é quase impossível imaginar que nenhuma tenha conhecido ou conhecerá a vida consciente." Algo de escandalizar muito cristão, até porque ele era evolucionista.

Há mais: da mesma forma como a Terra é um ente vivo (há quem a chame carinhosamente de Gaia, como o citado Lovelock - clique aqui), assim também o é a Via Láctea. Se ela possui cerca de 100 bilhões de estrelas e tem cerca de 10 bilhões de anos de vida, é razoável entender que a formação dessas estrelas foi na ordem de 10 por ano, na média. "Todo ano há dez novas estrelas nascendo na galáxia da Via Láctea, e muitas delas, provavelmente, com sistemas planetários", ensina o sempre citado Sagan.

Por outro lado, segundo nos diz a ciência de hoje, o número de galáxias existentes para lá da Via Láctea soma bem mais dos milhões afirmados pelo teólogo francês. Para a ciência de hoje (ou de ontem, pois esses cálculos estão sempre sendo revistos) são, no mínimo, um trilhão de galáxias, cada uma com um número de estrelas mais ou menos comparável ao de nossa própria galáxia, segundo podemos supor. Portanto, se multiplicarmos o número provável de galáxias pelo número de estrelas que isso representaria, obteremos um número como 1 seguido de 23 zeros, sendo o Sol apenas uma delas, como nos diz o mesmo astrofísico. Simpático, não?

Se acreditarmos na lei das probabilidades, quantas dessas estrelas terão em torno de si alguns corpos celestes semelhantes aos que gravitam em torno do Sol? E quantos deles terão condições semelhantes às que existem na Terra, para possibilitar algo que se possa chamar "vida" (clique aqui)?

São números simplesmente acachapantes, especialmente se considerarmos que a idade média do ser humano é de cerca de 80 anos, um nada diante disso tudo.

Fico por aqui, pois não quero levar ninguém a uma crise de depressão. Termino, fazendo uma sugestão: na próxima noite estrelada, deite na relva, apoie a cabeça nas mãos em concha e compare aquilo tudo que está acima de seus olhos com o tempo de vida média de um ser humano, durante a qual, segundo nos diz Carl Sagan, cerca de 800 novas estrelas se incorporam ao nosso firmamento. Talvez com exercícios como esse aprendamos com quantas letras se escreve a palavra "humildade".