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Futuro distante

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Atualizado em 12 de maio de 2011 13:29

 

Em 1951 o cientista Arthur Charles Clarke escreveu um devaneio literário chamado A Sentinela, que falava da vida no Espaço Exterior, coisa de que ele entendia muito, pois havia-se formado em Física no King's College de Londres e vinha aplicando seus conhecimentos para o desvendamento do chamado Mundo Exterior, ou seja, tudo aquilo que está além de nosso planeta. Uma de suas conclusões foi no sentido de que em algum local do espaço seria possível a colocação de satélites artificiais que girariam juntamente com a Terra em torno do Sol. Atingido esse ponto exato, tais objetos ficariam suspensos sempre sobre o mesmo local do nosso planeta, como se estivessem imóveis no céu, acima de um planeta imóvel. Essa faixa, hoje coalhada de satélites artificiais e com capacidade de acumulação em vias de saturação, produz a chamada órbita geoestacionária, mas pode se chamar de órbita Clarke, nome dado a ela pelos cientistas em homenagem ao seu descobridor. É claro que poucas pessoas perderam tempo lendo aquele conto fantástico.

Em 1968, ou seja, há mais de quarenta anos e mais de dezoito depois da publicação dele, Stanley Kubrick transformou aquele conto em roteiro cinematográfico e tivemos o filme 2001, ano que, segundo pensávamos, jamais chegaria. Ou, se chegasse, encontraria um mundo muito diferente daquele em que vivíamos. O ser humano já teria tomado juízo e o vilão do filme, pois sempre é necessário um vilão, era um enorme computador chamado Hal, numa homenagem que pode ser descoberta se você substituir cada uma dessas letras pela letra seguinte a ela no alfabeto. Ocorre que o próprio Arthur Clarke sempre negou isso, dizendo que a sigla tinha um significado técnico específico, mesmo porque seria uma grosseria aludir à IBM, que muito auxiliou no projeto do filme. Então tá.

Dois anos antes da publicação do provocativo e pouco conhecido conto do Arthur Clarke, Eric Arthur Blair havia publicado um livro que marcou a juventude de muitos de nós. O livro falava de tempos sombrios num futuro distante. O livro se chamava 1984, ano em que, segundo George Orwell, eis o nome literário do tal Eric, o mundo estaria sob um regime algo próximo do que ocorre atualmente na China: cada ser humano é apenas uma peça da grande engrenagem coletiva. Individualidade? Esquece. Até a vantagem de terem todos a mesma cara favorece os chineses. Caiu um trapezista? Bota outro no lugar dele que ninguém percebe.

Segundo Orwell, o Big Brother não seria um show de voyeurismo no qual o espectador viveria de olho no buraco da fechadura da porta alheia, como ocorre hoje, mas, muito ao contrário, seria um sistema pelo qual os agentes do Estado é que estariam com o olho pregado em nossa fechadura, registrando nossas mais secretas intimidades. Coisa de deixar muito aloprado petista morrendo de inveja.

Curiosamente, o livro aludia ao duplipensar, uma técnica consistente em substituir uma palavra conceitual conhecida por outra, que se refere exatamente ao contrário disso. Assim, algo e seu contrário seriam a mesma coisa. Deu pra entender? Não? Então deixe tudo nas mãos do Grande Irmão, relaxe e goze, como disse a nossa desaparecida ministra. Aliás, nada como manter a boca fechada para não dizer tolice. Isso é acaciano, mas e daí?

Neste nosso assustador século XXI já deixamos 1984 e 2001 no chinelo, falo do livro e do filme, é claro, anuncia-se a antecipação do novo dilúvio, mas aquela técnica parece estar ganhando adeptos, com uma pequena variação.

Quando a Lygia Fagundes, que depois, graças ao nosso professor Goffredo, seria, para todo o sempre, Telles, saía às ruas com a mocidade da velha e sempre nova Academia do largo de São Francisco, para protestar contra a ditadura Vargas, ela era, certamente, chamada de comunista. Ou, pelo menos, de esquerdista. Hoje, se algum moço ou alguma moça sair à rua para protestar, com seus colegas de ideal, finjamos que isso existe, contra a prorrogação chavista do governo Federal, ele será chamado de tudo, menos de esquerdista. Ou será que ninguém mais é esquerdista depois dos sessenta anos, como descobriu alguém que certamente jamais ouviu falar no Oscar Niemeyer? Espero que a Lygia me responda.

Nos tempos em que eu lia os livros do Tarzan, o continente africano estava nas mãos dos colonizadores europeus. Os negros eram tratados a chicote, até porque direitos humanos era privilégio dos brancos, que, aliás, seguravam o chicote. Felizmente, a palavra colonialismo desapareceu, entrando em seu lugar a palavra imperialismo. A palavra até era utilizada em comerciais. A Coca-Cola, por exemplo, era para os italianos l'acqua nera dell' imperialismo. E hoje, que será que se deve dizer dos chineses?

Imperialismo virou globalização, aeticismo transformou-se em pragmatismo, tortura transmudou-se em pressões psicofísicas, peculato hoje é enriquecimento indevido, mortes em combate são meras baixas, e vamos que vamos.

Seria isso o tal duplipensar de que falava o Orwell?