COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Circus >
  4. Recordando Summerhill

Recordando Summerhill

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Atualizado em 30 de junho de 2011 14:14

 

"Os ministros do STF liberaram, por unanimidade, a realização da Marcha da Maconha. Com 8 votos, o Supremo decidiu que as manifestações a favor da droga podem ser feitas no país. Para o Supremo, proibir a marcha é violar a liberdade de expressão e de reunião de pessoas."

Dos jornais

Você que, como eu, tem netos, deve estar preocupado com o futuro deles. É ou não é? Bons tempos aqueles em que certas coisas nós, crianças, dizíamos em voz baixa, depois de olhar para um lado e depois para o outro, para não sermos ouvidos por nossa mãe, ou, pior ainda, pela professora. Ou certas coisas que fazíamos atrás do muro. Se descobertos, era puxão de orelha na certa, quando não nos esfregavam pimenta malagueta na língua. E tome castigo, coisa que a modernidade condena veementemente. Onde já se viu traumatizar as crianças? O fato é que passamos a adotar, por comodidade ou ignorância, mais do que por convicção, os métodos da Summerhill School. Lembra (clique aqui)?

Imagine que teu neto está aprendendo a ler, aí por volta dos 4 anos de idade. Antes de você se levantar da cama, ele já compulsou o jornal do dia, não ficando apenas nas histórias em quadrinho, como ocorria conosco aí pelos 7 ou 8 anos. Quando você menos espera, ele lhe pergunta, assim de enxofre, o que é currupissão. Você então aproveita para exibir-se: "Grosso modo, podemos dizer que a corrupção consiste em cobrar para fazer um trabalho que você já ganha pra fazer; ou cobrar para não fazer um trabalho que você já ganha para não fazer; ou receber para fazer um trabalho que você já ganha para não fazer; ou então cobrar para não fazer um trabalho que você ganha para fazer. Entendeu?"

E ele: "Só o grosso modo. Quanto ao resto, você está me devendo."

Dias depois ele quer saber o que significa alcaide. E porque a mulher do alcaide tem de ir para a cadeia com ele.

Mais ensancha para tua exibição. "Houve outrora um homem destemido, respeitado por seus subordinados, conhecido como Cid, o campeador. Acho que na Espanha, talvez influência da presença ali dos mouros, pois Al Qaid significa aquele que conduz. Homem impertérrito e de moral irreprochável. Quando ele morreu, em batalha, em lugar de ser enterrado, ele foi empalhado e colocado sentado no mesmo cavalo, para que os inimigos pensassem que ele era imortal. Só o nome de El Cid causava pânico às hostes inimigas."

Ele te interrompe: "Até hostes entendi tudo. Mas que tem a ver isso com a prisão dos alcaides?"

Aí você pontifica: "Ao que parece, a palavra alcaide é corruptela de El Cid, designando a pessoa escolhida para administrar uma cidade."

Ele não deixa barato: "El Cid e a mulher costumavam passar uns dias na cadeia, até obter uma liminar que os pusesse em liberdade? Ele também fundou um partido político que não era de cima nem de baixo, nem do centro, nem da direita e nem da esquerda?"

Você pensa em dizer que "a gente nunca sabe", mas teme que ele ainda não esteja preparado para esses trocadilhos. Dá um beijo na testa dele e entra no carro, rumo ao trabalho.

O fundador do tal colégio Summerhill, na Inglaterra, foi o educador Alexander Sutherland Neill, figura controvertida, cuja pedagogia tinha a ver com as teorias de Wilhelm Reich, figura mais controvertida ainda (clique aqui). Reich, nascido na Áustria, sustentava que é preciso uma mudança radical nas relações humanas. Ele equiparava a separação de um bebê do corpo da mãe na hora do parto à morte de Cristo, causa da psicose, que levava ao fascismo. Notabilizou-se pela transcendência que dava ao orgasmo, êxtase que até mesmo alguns teólogos equiparam à visão beatífica de Deus, ou parusia. Tão revolucionárias eram as ideias de Reich que veio a ser expulso tanto da Sociedade Psicanalítica como do Partido Comunista, esta devido a suas denúncias contra o autoritarismo reinante. Perseguido pelo nazismo, instalou-se nos Estado Unidos, onde passou a pesquisar em diversas áreas. Em 1956, foi preso por se recusar a atender a uma intimação judicial para comprovar algumas de suas denúncias. Um ano depois, morreu na cadeia, deixando um legado para as gerações futuras, que ainda se surpreendem com sua originalidade e rebeldia.

Segundo A. S. Neill, a felicidade é fundamental para o sadio desenvolvimento dos seres humanos, e a felicidade só pode ser alcançada com o desenvolvimento do senso de liberdade. As escolas tradicionais inglesas, como é sabido, privavam de liberdade seus alunos, com regime disciplinar rígido, o que, ao ver dele, era a causa da tristeza dos ingleses. Isso era reflexo da infelicidade vivida pelas crianças, que traria sérios problemas psicológicos na vida adulta.

O colégio Summerhill serviu para aplicação das ideias de seu fundador, completamente opostas à linha hegemônica vigente naquela época. Ali os jovens eram estimulados a aprender em um ambiente de liberdade e de responsabilidade.

Aquele educador partia do princípio de que a Humanidade está doente e essa doença decorre do tratamento repressivo que as crianças recebem numa sociedade patriarcal, especialmente nas questões ligadas à repressão sexual, como quando associadas a normas religiosas, na mesma linha das reflexões de Reich. Para ele, toda criança tem direito à liberdade, especialmente a de expressão, e um grupo de crianças se autorregula naturalmente, estabelecendo, em conjunto, suas próprias normas.

Dizia ele que a educação sem liberdade resulta numa vida que não pode ser integralmente vivida, pois tal educação ignora quase inteiramente as emoções da vida. Como tais emoções são dinâmicas, a falta de oportunidade de expressão acaba resultando em sentimento de insignificância e, em decorrência, na prática de atos hostis. Uma educação que cuida apenas do cérebro é capenga. Se as emoções tiverem livre expansão, o intelecto saberá cuidar de si próprio, dizia ele.

Em Summerhill, as crianças não são obrigadas a assistir às aulas e, além disso, as decisões da escola são tomadas em assembleias onde todos votam, incluindo professores, alunos e funcionários. Para o autor, a experiência nessa escola mostrou que, sem a coerção das escolas tradicionais, os estudantes orientam sua aprendizagem através do seu próprio interesse, ao invés de orientar pelo que lhe é imposto.

Neill criticava a escola tradicional por enfatizar demais o lado racional das pessoas, em detrimento do lado emocional. Nesse sentido, em sua escola, o teatro, a dança, os trabalhos manuais, ganham um destaque grande frente às disciplinas tradicionais. As aulas das matérias convencionais existem, mas não são o centro da escola. Dizia ele que admirava mais aqueles que possuíam habilidades para o trabalho manual do que aqueles que se destacavam no trabalho intelectual.

A propósito, talvez aquele teu neto de 4 anos, que é o xodó da tia, que não para de beijá-lo, um dia venha a aborrecer-se com isso, quando não deixará por menos: "Porra, tia. Chega!" E fazendo meio círculo com o braço direito e apontando com o indicador para a porta: "E cai fora daqui!"

É esperar para ver.