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Política e santidade

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Atualizado em 28 de julho de 2011 10:03

 

"Empresa do senador Eunício Oliveira leva R$ 27 milhões da Petrobras sem licitação."

O Estado de S. Paulo, 3/7/2011

"O afastamento da cúpula do Ministério dos Transportes por suspeita de corrupção pela presidente Dilma Rousseff deixou o ministro Alfredo Nascimento em posição insustentável."

O Estado de S. Paulo, 4/7/2011

"Além dos negócios da mulher, o filho do ministro, Gustavo Morais Pereira, frequenta desde 2009 o noticiário e ocupa os procuradores do Ministério Público em investigações inconclusas até hoje. Gustavo é proprietário de uma empresa cujo patrimônio saltou de R$ 60 mil para R$ 52,3 milhões em seis anos."

O Estado de S. Paulo, 8/7/2011

"Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Gilmar Mendes disse que a proposta do presidente do STF, Cezar Peluso, de antecipar o trânsito em julgado dos processos para a segunda instância pode gerar insegurança. 'Temo que, dependendo do tipo de aplicação, o remédio mate o doente', disse ele."

O Estado de S. Paulo, 26/6/2011

"Em 9 de dezembro de 2008, agentes do FBI foram à casa do governador de Illinois, Rod Blagojevich, e o levaram algemado para a polícia. Processado, acabou condenado pelo Tribunal do Júri em 17 das 20 acusações e passará a morar numa penitenciária."

Revista Veja, 6/7/2001

Confesso que relutei muito. Talvez tenha sido o belo filme "Deuses e Homens" (clique aqui) que me fez fazer um profundo exame de consciência, cujo resultado não poderia sonegar a vocês, candidatos à santidade como eu.

Desde criança me ensinaram, aliás com omitida base no Evangelho, que cada vez que o meu dedo indicador aponta os defeitos de alguém, lá estão três dedos apontando para o meu peito. "Não julgueis", eis o mandamento que eu jamais consegui cumprir, fosse, por motivos óbvios, na vida pública, fosse, por minhas limitações éticas, na vida particular. E, lamentavelmente, ainda não consigo.

Como diz o João Ubaldo, todos nós (é ele quem o diz) temos a mania de referir-nos a uma entidade abstrata que comete falcatruas, crimes, pecados ou que nome se dê a essas práticas nada edificantes de que os meios de comunicação dão notícia dia e noite, envolvendo principalmente políticos. "O brasileiro" é naturalmente desonesto, omisso, corrupto, corruptor e tudo o mais que consideramos defeito de caráter. Segundo o bom baiano, esse tal "brasileiro" é um ente abstrato, uma coletividade a que nem eu nem o leitor pertencemos. Isso me faz lembrar uma afirmação de meu pai, quando encerrava uma crítica, dirigindo-se aos seus ouvintes: "tirantes eu e vocês, ninguém presta".

Minha leitura de jornal está sendo cada vez mais rápida. Não foi minha técnica de leitura que melhorou, mas meu interesse pelo noticiário é que diminuiu. Olho o título da matéria e passo adiante. O homicida é preso em flagrante e, antes de o corpo enrijecer, dependendo da eficiência de seu defensor, já estará de volta à rua. Talvez até apareça no enterro. O deputado fulano de tal, de quem jamais ouvi falar, gasta uma fortuna por mês para fazer propaganda de si próprio, o que é feito, obviamente, com verba pública. De que bolso sai esse dinheiro? O padre sicrano de tal diz que entre o estupro que vem a dar na gravidez da mulher estuprada e o aborto da inocente criança, o segundo fato é moralmente mais grave do que o primeiro. Aliás, diz o bispo beltrano de tal, nenhuma mulher será estuprada se não concordar com isso. E reproduz a velha história do juiz cretino, citada por Nelson Hungria, que entregava a caneta destampada à vítima do estupro. Depois de assinar o papel contendo suas declarações, a ingênua moça não conseguia enfiar a caneta na tampa, pois o tal sádico juiz mexia a mão para lá e para cá, querendo dizer que, se ele não concordar, a moça jamais enfiará uma coisa na outra. O candidato a estuprador também não, eis a conclusão implícita. Acho que o tal bispo pensa o mesmo das crianças que voluntariamente cedem aos convites infames de seus "orientadores espirituais", que os jornais, levianamente, chamam de "pedófilos".

A questão moral que se coloca é: qual deve ser a atitude de cada um de nós diante de fatos como esses? Deve silenciar, invocando Mateus 7,1? Ocorre que, enquanto ele atribui a Jesus a determinação "não julgueis para não serdes julgados", João, que tem a mesma autoridade que ele, diz, no capítulo 7, versículo 24, algo um pouco diferente. A frase seria "não julgueis pela aparência, mas pela reta justiça". "Não julgueis levianamente", eis o que o Mateus queria dizer.

Justiça, teologicamente falando, é um dos atributos de Deus, que ele comunica à alma dos seres humanos. Por ela nossa consciência distingue o Bem (que deve ser procurado) do Mal (que deve ser evitado). Ser justo, teologicamente falando, é tentar atingir a santidade, seguindo as regras de ouro ("faze ao próximo o que gostarias que ele te fizesse") e de prata ("não faças ao outro o que não gostarias que ele te fizesse"). Fácil, não?

Em outros países, talvez não tão cristãos como o nosso, as pessoas saem à rua para reprovar a conduta de homens públicos cujo comportamento não corresponde ao que deles elas esperam. Não deixam o seu conforto apenas quando querem assegurar à pessoas do mesmo gênero o direito de trocarem carinhos em público. Ou reivindicar o direito de se embriagarem ou se intoxicarem com tabaco ou outras fumaças, mas diante de fatos mais genéricos, como a proibição do uso de vestimentas que, segundo as autoridades públicas, escondem perigosamente as feições das portadoras. Ou seria porque elas expressam com isso as convicções religiosas das portadoras?

Certa ocasião, vi, numa cidade alemã, um curioso debate na televisão local. A prefeitura havia removido provisoriamente uma estátua equestre de uma praça pública, que estava sendo reformada. Terminada a reforma, a estátua foi reposta no mesmo local. Sem maiores explicações, o personagem e seu cavalo, que antes olhavam para a esquerda, agora, quando ali repostos, passaram a olhar para a direita. O que o programa desejava saber da população era isso: a estátua deve ficar como está ou voltar à posição anterior?

Em Paris, não é raro atearem fogo em veículos para expressar discordância com alguma medida tomada ou a tomar pelas autoridades públicas. Em outros países, passeatas acabam em confronto com policiais, com inúmeros cadáveres como saldo. Nossa Lygia Fagundes Telles nos conta de seu tempo de juventude e dos movimentos estudantis contra o ditador de plantão, de que ela participou (clique aqui). E ainda não se falava em emancipação feminina, sutiãs queimados nem pílulas anticoncepcionais. Hoje que não temos ditador e que a liberdade de expressão do pensamento não pode ser impedida, onde estão as manifestações políticas de nossos estudantes? "Pleitear publicamente o direito de fumar maconha não deixa de ser manifestação política" talvez diga algum deles. "Bom proveito" digo-lhe eu, que me limito a sugerir-lhes que pesquisem a respeito da origem da palavra haxixe (clique aqui), que, por algum motivo, nos deu a palavra assassino. É o que está no Webster's Dictionary, verbete assassin: "hashshãshin, hashish users; hashish = hemp". Preciso dizer que o nome técnico de hemp é Cannabis Sativa, nossa popular maconha?

Falei, provocativamente, em ética, falei em religião e falei em pesquisa. Há jovens dispostos a discutir princípios éticos? A pesquisar alguma coisa? Cultura serve para algo hoje em dia? Os exemplos de outros países podem ajudar-nos a tentar aperfeiçoar nossa claudicante democracia?

Veja-se o caso da vizinha Venezuela. Seu presidente vai para outro país, por tempo indeterminado, ao que se diz para cura de moléstia, cuja natureza é segredo de Estado. O Congresso não faz nada, o vice-presidente silencia, os membros do Ministério Público estão em seus gabinetes, os membros das Forças Armadas nos quartéis e o chamado "povo" emudece. Quousque tandem?

Quando a um grupo de políticos entrega-se um ministério dominado por empreiteiras, não será de admirar que um mero chefe de gabinete construa uma casa avaliada em mais de R$ 4.000.000,00. Se um dos subor(di)nados chegou a tanto, que dizer dos subor(di)nantes? E se alguém ameaça afastar um deles, ele avisa que "cairá atirando", o que leva os apaniguados a estender um colchão de penas de cisne para amortizar a queda e, certamente, aparar os projéteis.

Digno de lembrar o que disse o historiador inglês Lord Dalberg-Acton, autor de "Essays on Freedom and Power" (clique aqui), aqui em tradução livre:

"Eu não posso aceitar que não possamos julgar o Papa ou o Rei sob a presunção de que eles nada fizeram de errado, como fazemos com as pessoas comuns. Se, no caso, há uma presunção, ela deve ser exatamente no sentido contrário a isso, pois, aumentando o poder, deve aumentar a responsabilidade legal deles. Todo o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. Grandes homens são quase sempre homens maus, mesmo quando exercem apenas influência e não a autoridade, ainda mais quando se despreza a presunção ou mesmo a certeza de corrupção por parte das autoridades constituídas. Não há heresia pior do que supor que o cargo público santifica o seu ocupante."