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Bem de família - interpretação restritiva

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Atualizado em 9 de julho de 2013 11:10

A vara do Trabalho de Guaxupé/MG decidiu que o devedor proprietário de um terreno, que nele esteja construindo um imóvel para sua futura moradia, não goza da proteção da lei 8.009/90.

Tal decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho - 3ª região, sob o fundamento de que o executado, devedor, inequivocamente não reside no imóvel em construção. Pouco importa se esse é seu único imóvel. Pouco importa se atualmente viva como locatário em outro imóvel. Um trecho da decisão de primeira instância, mantida, diz: "o imóvel não serve de sua residência, pelo menos por enquanto".

Referida ilação logo traz à mente a seguinte indagação: E se o devedor mora no imóvel e dele se muda, temporariamente, para fazer reforma substancial em suas instalações? Nesse período, de ausência, também seria desconsiderada a blindagem da impenhorabilidade? A dúvida surge porque, "pelo menos por enquanto", também nessa situação não se poderia atestar um dos requisitos expressos em lei para a concessão do benefício.

O assunto é delicado. O objetivo não é o de criticar nem de elogiar a decisão, mas de apenas suscitar reflexão a respeito.

Há uma linha de interpretação mais restritiva, como a referida na decisão.

Entendimentos como esse assentam-se no princípio de que a impenhorabilidade é exceção. Exceção, é verdade, que já está quase virando regra. O inadimplemento de obrigações, principalmente as de natureza trabalhista, gera problemas e transtornos de toda ordem, não só para a parte interessada mas também para a sociedade. Cria-se instabilidade e ambiente pouco propício ao desenvolvimento e crescimento saudável da economia.

Além disso, as exceções devem ser interpretadas restritivamente.

Porém, outras interpretações têm adotado linha mais ampliativa do manto protetor do bem de família.

O STJ, por exemplo, já sumulou que "conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas" (súmula 364).

Em outra oportunidade, mais recente, o STJ adotou a orientação de que "é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família" (súmula 486).

Nessa situação, o devedor também não reside no imóvel que pretende manter livre de constrição. Afinal, o seu bem está alugado a terceiro. Mas se ele, devedor, prova a renda obtida com a locação é revertida para a "subsistência" ou a moradia da família, também goza da proteção.

O STJ, na verdade, inovou. Fala em subsistência nessa súmula 486. Em nenhum lugar da lei 8.009/90 há referência a subsistência. A proteção legal limita-se à moradia.

Se por um lado é conveniente a interpretação restritiva, para não alargar demais a proteção do devedor, por outro lado, restrições muito exageradas também tendem a ser inadequadas.

Em suma, as interpretações a respeito da amplitude da proteção destinada ao bem de família têm adotado orientações as mais díspares pelos tribunais pátrios. Algumas exigem a efetiva moradia do devedor e outras não.

Na situação reportada no início, o que verdadeiramente incomoda não é o fato de o devedor não estar residindo no imóvel, mas sim o seu comportamento de investir dinheiro em um bem que será exclusivamente seu, em detrimento do pagamento de uma dívida preexistente. E de natureza trabalhista.

Ainda que o direito à moradia seja constitucionalmente assegurado, não parece condizente com a moral e bons costumes que alguém, na condição de devedor, deixe de saldar sua dívida para construir a casa própria.