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O uso das Forças Armadas na propaganda eleitoral: Brasil e Israel

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Atualizado às 08:24

Pode um candidato - especialmente se disputando a reeleição - visitar bases das Forças Armadas (uma base naval, por exemplo) para ser fotografado e filmado junto a soldados com a finalidade de utilizar esse material na sua propaganda eleitoral?

O Comitê Central das Eleições de Israel, responsável por assegurar a integridade do processo eleitoral - as eleições ocorrerão dia 9 de abril - se debruçou sobre um interessante caso tendo proferido, semana passada, uma decisão de mérito que confirma a liminar anteriormente concedida. A decisão foi divulgada nos meios de comunicação do país1 e serve como fonte de estudo para os especialistas. Vamos aos fatos.

O Partido Trabalhista, invocando a Lei das Eleições, de 1959, que proíbe o uso de soldados da Israel Defense Forces (IDF) nas campanhas eleitorais, ajuizou uma reclamação perante o Comitê requerendo a determinação ao Primeiro Ministro, Benjamin Netanyahu, para que não tire fotos nem grave vídeos com os soldados com a finalidade de utilizar esse material em suas plataformas de propaganda eleitoral.

Bibi, como é chamado em Israel, além de Primeiro Ministro é Ministro da Defesa - acumulação comum na história política de Israel2 - e, desincumbindo-se dessa função, realizava visitas a bases militares. Essas visitas eram fotografadas e gravadas, gerando, a partir desse material, propaganda eleitoral a seu favor, propaganda essa da qual seus opositores não dispunham, uma vez que não têm, em razão do cargo, a prerrogativa de realizar, no exercício de suas funções, visitas como essas.

Em sua petição, o Partido Trabalhista sustentou que "publicar fotos e vídeo de um partido (no caso, o Likud) com soldados do IDF como parte da campanha eleitoral viola a Lei das Eleições".

Respondendo a acusação, o Likud sustentou que nem toda foto com soldados do IDF viola a lei. "O caráter essencial das fotos publicadas é informativo e de interesse público", anotou. Além disso, argumentou que a lei que limita o conteúdo da campanha deve ser interpretada estritamente de modo a evitar a violação da liberdade de expressão, bem maior a ser protegido no caso concreto.

Semana passada, dias após uma audiência com todos os envolvidos - Partido Trabalhista, Likud (o partido de Benjamin Netanyahu) e representantes da Procuradoria-Geral - no Knesset, o Parlamento de Israel onde é sediada o Comitê, este deu razão ao Partido Trabalhista e, confirmando no mérito uma liminar anteriormente concedida, determinou que o Gabinete de Imprensa do Governo não divulgue mais as referidas imagens. Ordenou, ainda, que qualquer post nas redes sociais da campanha de Bibi seja excluído. Por fim, determinou ao Chefe de Gabinete do IDF que ordene aos oficiais e soldados que evitem tirar fotos com quaisquer candidatos nas eleições.

O debate é interessante. No início deste mês, o Attorney-General, Avichai Mandelblit, havia recomendado que Bibi não tirasse fotos com os soldados, mas o Primeiro Ministro continuou a fazê-lo3. Semanas antes da decisão, a sua equipe divulgou fotos de uma base naval com o Primeiro Ministro cercado por militares.

Segundo a manifestação do procurador-Geral, poderia haver exceções, como fotos inseridas num contexto de estratégia militar para deter inimigos ou em uma situação de emergência, mas, ainda assim, deveriam ser publicadas na página oficial do Gabinete do Primeiro Ministro no Facebook, não na página da campanha eleitoral dirigida pelo Likud.

A decisão tomada pelo Comitê Geral das Eleições percorreu um caminho original para encontrar a sua fundamentação. Entendeu-se que, na verdade, as Forças de Defesa de Israel constituem "o Exército de todo o país, não apenas de um partido".

Ou seja, a sua associação a um partido em especial - no caso, o que está no poder - descaracteriza o papel institucional das Forças Armadas, que são, acima de tudo, apolíticas. Segundo consta da decisão, o IDF "une grupos populacionais e visões de mundo na sociedade israelense". É, pois, uma instituição que há de ser reconhecida como catalizador de toda a sociedade, elemento de aglutinação em torno de valores básicos da Pátria que hão de ser nutridos por variados grupos da comunidade, não devendo servir de plataforma político-partidária de qualquer força eleitoral que seja.

Com base nesse fundamento, determinou-se a exclusão de toda a propaganda eleitoral que se valeu dos soldados do IDF. Além disso, ordenou-se que os candidatos não persistam usando soldados em suas propagandas eleitorais.

No Brasil, qualquer candidato tem o direito de mostrar sua biografia por meio de imagens coletadas ao longo da sua trajetória, mesmo quando essas imagens tenham sido coletadas por servidores públicos no exercício dos seus deveres estatais.

De acordo com a lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), em seu art. 54, § 2o: "Será permitida a veiculação de entrevistas com o candidato e de cenas externas nas quais ele, pessoalmente, exponha: I - realizações de governo ou da administração pública; II - falhas administrativas e deficiências verificadas em obras e serviços públicos em geral; III - atos parlamentares e debates legislativos".

À luz dessa disposição, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que "não há abuso de poder no fato de que o candidato à reeleição apresentar, em sua propaganda eleitoral, as realizações de seu governo, uma vez que esta ferramenta é inerente ao próprio debate desenvolvido no referido anúncio" (RP 1.098, min. Cesar Asfor Rocha, DJ 20.4.2007).

Logo, um candidato que já ocupe qualquer posição pública não está proibido de usar nas eleições imagens ou vídeos coletados durante sua trajetória, mesmo quando essas imagens foram tiradas por funcionários públicos encarregados de divulgar atos estatais estando armazenadas em bancos de imagens pertencentes ou geridos pela Administração.

Todavia, é preciso enxergar a linha que separa o agente público no exercício do seu ofício do candidato que busca votos numa campanha eleitoral.

O Código Eleitoral, a esse respeito, diz: "Art. 377. O serviço de qualquer repartição, federal, estadual, municipal, autarquia, fundação do Estado, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo poder público, ou que realiza contrato com êste, inclusive o respectivo prédio e suas dependências não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou organização de caráter político".

A disposição separa as atividades do presidente da República, por exemplo, daquelas desejadas por um candidato, que não raramente vem a ser o próprio Presidente disputando a sua reeleição.

Considerando que uma pessoa que ocupa um determinado cargo público tem o dever de estar presente em espaços públicos como um meio de exercer plenamente seus poderes, um candidato que está em campanha tem o dever de não fazer uso da máquina pública em seu benefício e em prejuízo dos outros candidatos.

E essa linha divisória não é fina o suficiente para não ser vista. É absolutamente possível separar um ato de mera gestão pública de um ato de campanha eleitoral. Para ilustrar essa afirmação, uma reunião administrativa, por exemplo, não é a mesma coisa de um comício político. Claro que são coisas diferentes e desencadeiam diversas consequências jurídicas à luz de um ambiente eleitoral justo e desejável.

Considerando condutas vedadas na Lei das Eleições, o art. 73 diz: "Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; (...) III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado".

Ou seja, o uso de bens e servidores públicos durante o horário de expediente é proibido, a fim de não favorecer candidatos, partidos ou coligações.

Julgando a Representação 84.453 (min. Admar Gonzaga, DJe, Tomo 184, 10.1.2014, p. 29), o TSE decidiu, por unanimidade: "1. O simples uso de fotografias que estão disponíveis para todos em um site oficial, sem obrigação de contraprestação, inclusive para aqueles que lucram com atividades comerciais (jornais, revistas, blogs, etc.), é uma conduta que não se enquadra nas hipóteses descritas nos incisos I, II e III do art. 73 da Lei Eleitoral".

Em outro caso (RO 1960-83), que avaliou uma situação ocorrida no Estado do Amazonas, o TSE concluiu que "as imagens utilizadas em 15/9/2014 foram extraídas da publicidade institucional da Polícia Militar, acessível, portanto, a qualquer das pessoas".

Já em 9/9/2014, por maioria, a Corte rejeitou a representação formulada pela coligação "Muda Brasil", que requereu a imposição de multa à então presidente Dilma Rousseff e ao fotógrafo da presidência, Roberto Stuckert, por suposta utilização de fotos dos eventos oficiais da presidente no site da campanha eleitoral da sua reeleição.

A coligação "Muda Brasil", que apoiou o candidato Aécio Neves, sustentou que as fotos não eram bens de domínio público, mas "patrimônio da Administração Direta da União, produzido a serviço do Governo Federal, por remuneração paga pelos cofres públicos".

O relator, ministro Admar Gonzaga, entendeu não haver no episódio a prática de conduta vedada pela presidente e pelo fotógrafo. O TSE anotou o seguinte: "É difícil imaginar que, se alguma das pessoas puder se valer dessas imagens e informações, dada sua natureza de uso comum, não poderá ser estendida ao candidato interessado, aqui representado". Na sequência, afirmou: "As imagens não foram captadas para fins eleitorais, muito menos fornecidas exclusivamente para a campanha dos representados. São imagens que foram capturadas no exercício regular da atividade profissional do segundo representado, registrando os compromissos oficiais da primeira representada no desempenho do cargo de Presidente da República".

Para o TSE, "tais fotografias estão de acordo com o conceito - considerado o destino - de bens de uso comum, que são aqueles afetados por sua própria natureza ou pela lei, a um uso indistinto de todos os administrados, independentemente de qualquer ato administrativo que o preceda". Eles estariam em conformidade com a definição do art. 37, § 4º4, da Lei das Eleições, na medida em que sejam acessíveis a qualquer pessoa, que, aliás, só poderá baixá-los do site da presidência da República.

Por maioria, indeferiu-se a representação contra a presidente Dilma Rousseff.

Situação diversa se dá quando o candidato, exercendo o poder do qual é investido, visita espaços públicos, instalações do Estado ou servidores públicos que lhe são submetidos, a fim de obter dividendos eleitorais.

No Recurso Ordinário 189.673 (min. Jorge Mussi, DJe 8/3/2018), o TSE manteve a multa de R$ 25.000,00 à parte recorrida, ex-governador do Estado do Amazonas, reeleito em 2014, pela prática das condutas vedadas do art. 73, I e III, da lei 9.504/97. Os candidatos usaram na propaganda eleitoral da televisão, em 8/9/2014, imagens de servidores e patrimônio da Polícia Militar produzidos especificamente para a campanha.

Os policiais militares, fazendo uso de ativos corporativos (armas, veículos e helicópteros), "estavam à disposição das equipes de filmagem para participar, sob sua direção, e como atores" de vídeo para a propaganda eleitoral. Cruzou-se o Rubicão.

Há mais. Em 9/10/2014, o ministro Admar Gonzaga (RP 119.878) concedeu liminar contra a então Presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff.

Em 4/5/2014, a presidente Dilma, concorrendo à reeleição, visitou uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Guarulhos/SP, para receber profissionais do programa "Mais Médicos".

Para a coligação opositora, o episódio consistiu na "paralisação de um posto de saúde, utilizando todo o serviço público e seus servidores, com a presença do ministro da Saúde, em uma unidade administrada pela prefeitura municipal de sua base de apoio e em um programa do Governo Federal (Mais Médicos) com o único propósito de gravar trechos da sua propaganda eleitoral".

Sustentaram ainda: "perguntar a servidores públicos, na presença da candidata a Presidente, se o serviço seria bem administrado, com o objetivo de aumentar a simpatia pelo programa Mais Médicos para fins eleitorais, em detrimento do público, incide no art. 73, incisos I e III, da lei 9.504/97".

Para a maioria do TSE, "com a perspectiva de um equilíbrio razoável no processo democrático, que já é fortemente em favor daqueles que têm o poder desejado", era hipótese de se conceder "a liminar necessária para determinar que eles abstenham-se de veicular, em sua propaganda eleitoral em qualquer formato (bloco ou inserção), as imagens contidas no trecho da mídia em anexo".

Voltando para a decisão tomada em Israel, ela é, de fato, mais sofisticada do que o que se tem na jurisprudência correlata até aqui, porque não se limita a questionar se se estava em horário de expediente ou não, nem se se tratava de imagens pretéritas ou atuais. A decisão fixa um marco: as Forças Armadas não participam de propaganda eleitoral em nenhuma hipótese. Ponto. Não são atores, nem correligionários. Não têm partido, nem formam palanques políticos. Elas pertencem, de forma perene, a toda a nação. Sempre.

No Brasil, o Decreto 4.346/2002 aprova o Regulamento Disciplinar do Exército. No seu art. 14, dispõe que "transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe".

Na lista de transgressões, estão presentes essas seguintes: "56. Tomar parte, em área militar ou sob jurisdição militar, em discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária ou religiosa; 57. Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária; 58. Tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária; 59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado".

As Forças de Defesa de Israel estão "subordinadas às instruções das autoridades civis democráticas e às leis do Estado". Não é diferente com as Forças Armadas brasileiras. Segundo o art. 142 da Constituição, "as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Vê-se acima que, segundo o texto constitucional, elas se destinam "à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", ou seja, nem de longe se traz a política partidária - e o apetite por votos saciado na propaganda eleitoral - para esse ambiente. A Constituição fala em defesa "da pátria". Não se pode confundir "pátria" com "partido". É evidente o caráter abrangente e aglutinador reclamado pela Constituição quando se refere às Forças Armadas.

A decisão tomada pelo Comitê Central das Eleições de Israel serve de ponto de partida para uma investigação mais criteriosa acerca desse tema, que tem relevo entre nós e precisa ser pesquisado com maior profundidade. Ficam aqui, de todo modo, essas primeiras reflexões, nesse breve estudo comparado.

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1 Disponível aqui e aqui.

2 Outros líderes de Israel acumularam a posição de Primeiro Ministro com o posto de Ministro da Defesa: David Ben-Gurion, Levi Eshkol, Menachem Begin, Yitzhak Rabin, Shimon Peres e Ehud Barak.

3 Disponível aqui.

4 Lei das Eleições (lei 9.504/97), art. 37, § 4o: "Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada".