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Ruth Bader Ginsburg: a história prefere os que fazem

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Atualizado às 09:31

Qualquer animal é capaz de, com um único coice, destruir um estábulo. Apenas bons carpinteiros, contudo, conseguem reerguer estruturas de madeira destruídas pela força bruta de quem não pensa. Na vida e no Direito, mais cedo ou mais tarde, seremos convidados a decidir quem somos, se o animal bruto ou o carpinteiro dedicado. Quem é você? Aquele que destrói ou o que constrói? De que a sua história é feita? De coices ou obras?

Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, preferiu ser a carpinteira. Tornou-se alguém que, nos seus 86 anos, tem o que dizer e o que mostrar. Com suas ações, ajudou a mudar o mundo, amenizando a dor e o sofrimento do semelhante e reparando as lágrimas das que se desesperaram, machucadas pelas feridas da desigualdade. Com a coragem dos que fazem, elevou a sua voz em favor da igualdade de gênero num Estados Unidos repleto de limitações artificialmente impostas às mulheres. Vindicou Justiça. Assumiu o risco pagando para ver. E viu.

Matriculada na Faculdade de Direito de Harvard, foi uma das nove mulheres em uma turma de 500 alunos. Em 1983, o presidente Bill Clinton a indicou para a Suprema Corte. Seu nome foi aprovado pelo Senado por 96 x 3. A partir daí, uma nova estrela passou a brilhar no céu da mais bem-sucedida jurisdição constitucional que a civilização foi capaz de construir. E segue brilhando.

A coluna de hoje deriva da leitura da obra editada por Helena Hunt, "Ruth Bader Ginsburg in her own words". Preconceito, doenças cruéis, subestimação..., foram convertidos naquilo que faz a diferença: coragem. Vale conhecer um pouco dessa caminhada, à luz da coletânea de frases e pensamentos da juíza.

Em Cornell, o professor de literatura europeia, Vladimir Nabokov, mudou a maneira como ela lia e escrevia. "Palavras podem pintar quadros", aprendeu. "Escolher a palavra certa e a ordem correta", ilustrou o professor, "poderia fazer uma enorme diferença na hora de transmitir uma imagem ou uma ideia". Para Ruth, "é a arte que torna a vida bela". É difícil segurar os frutos de uma mente criativa guardada num corpo que dorme tarde cansado e acorda cedo disposto. Com imaginação e trabalho, Ruth Bader Ginsburg foi abrindo os caminhos para as futuras gerações.

A obra traz manifestações da juíza sobre o constitucionalismo dos Estados Unidos. "Os pais fundadores pensavam pela veia dos direitos naturais", diz. Discorrendo sobre a Constituição, a chama de "instituição notável", e explica: "O que ela fez foi rejeitar o poder patriarcal dos reis e dizer que a sorte das pessoas nos Estados Unidos não iria decorrer do status decorrente do seu nascimento". Sobre a igualdade, afirma: "a nossa Constituição originariamente não tem nenhuma provisão de igualdade, porque alguns humanos foram mantidos em cativeiro por outros humanos. A Constituição não foi aperfeiçoada a respeito disso até depois da Guerra Civil".

Quanto à Emenda Constitucional nº 2, que assegura o direito de ter e portar armas, Ruth Bader Ginsburg afirmou: "A Segunda Emenda está desatualizada, pois a sua função se tornou obsoleta. E, na minha opinião, se a Corte tivesse interpretado corretamente a Segunda Emenda, teria dito: 'Essa emenda era muito importante quando a nação era nova. Ela dava o direito de manter e portar armas, mas por um propósito único, que era o de ter grupos que pudessem lutar armados para preservar a nação'".

Não deixou de se manifestar sobre a pena capital: "A aplicação da pena de morte diminuiu, de modo que agora, acho que há apenas três Estados que realmente administram a pena de morte. Nem sequer Estados inteiros, mas áreas particulares nesses Estados".

Na obra, define o método hermenêutico originalista, dizendo-se adepta dela. "Eis o Originalismo: Eu coloco aqueles homens - eram todos homens os que escreveram a Constituição - conosco hoje. Então, sei que Thomas Jefferson, que valorizava tanto a igualdade, apesar de ser proprietário de escravos, aplaudiria como a ideia de igualdade se expandiu ao longo das décadas".

Quanto à advocacia, Ruth se recorda do seu primeiro contato com a prática jurídica. Foi algo que a transformou. Do abuso autoritário de autoridades do Estado e da retórica do medo empregada contra os opositores qualificando-os como "comunistas", Ruth diz se recordar do seguinte: "A minha primeira exposição (à lei) foi enquanto estudante universitária no auge do senador Joe McCarthy, de Wisconsin. Havia um enorme 'Pânico Vermelho' (Red Scare) no país, e este era um senador que via um comunista em todos os cantos e estava convocando pessoas perante o Comitê de Investigação do Senado e o Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara (...). Eu tinha um professor de Direito Constitucional que indicou que havia advogados defendendo essas pessoas e lembrando ao Congresso que a nossa Constituição garante o direito de pensar, falar e escrever como acreditamos e não como o governo nos diz que é o jeito certo. E temos ainda a Quinta Emenda, que protege as pessoas contra a autoincriminação. Então, pensei que era uma coisa muito bacana - um advogado poderia ganhar a vida, e ainda fazer o bem para a sociedade em que vive".

A juíza persevera no papel do advogado em nossa sociedade. Diz: "Geralmente, não é a ideologia que impede os advogados de ajudar a reparar as lágrimas em suas comunidades, nação e mundo, e nas vidas dos pobres, dos esquecidos, das pessoas privadas por serem membros de minorias desfavorecidas ou desacreditadas. É mais provável que a apatia, o egoísmo ou a ansiedade esteja se excedendo. Essas são forças que não são fáceis de superar. No entanto, os advogados que se consideram não apenas comerciantes trabalhando por um dia de pagamento, mas membros de uma profissão verdadeira e instruída, esforçar-se-ão para superar a inércia, as cargas de trabalho em suas mesas e a brevidade do dia".

E não para por aí: "Se você vai ser um advogado e apenas praticar sua profissão, você tem uma habilidade, então você é muito parecido com um encanador. Mas se você quer ser um verdadeiro profissional, você vai fazer algo para além de si mesmo, algo para reparar as lágrimas em sua comunidade, algo para tornar a vida um pouco melhor para as pessoas menos afortunadas do que você".

A obra, então, começa a retratar os pensamentos de Ruth Bader Ginsburg acerca do Poder Judiciário e do papel dos juízes na democracia. Diz ela: "Um juiz é obrigado a decidir cada caso de forma justa, de acordo com os fatos relevantes e a lei aplicável. O dia em que um juiz é tentado a ser guiado, contrariamente, pelo o que 'a multidão quer', é o dia em que ele deve renunciar e buscar outro trabalho".

Ela prossegue: "O que um juiz deve levar em conta não é a temperatura do dia, mas o clima de uma era". Na sequência, afirma o seguinte: "Os juízes devem estar conscientes de seu lugar em nossa ordem constitucional; devem sempre lembrar que vivemos em uma democracia que pode ser destruída se os juízes decidirem governar como guardiões platônicos". É por isso que temos a lei. "É por isso que temos um sistema de stare decisis. Isso impede os juízes de infundirem suas próprias crenças morais, de se tornarem reis ou rainhas". E arremata: "O juiz efetivo... esforça-se para persuadir, não para pontificar. Ela fala com uma voz moderada e contida, dialogando com, não tendo diatribes contra, departamentos co-iguais de governo, autoridades do Estado e até mesmo os seus próprios colegas".

Ruth Bader Ginsburg enaltece o papel pedagógico exercido pelos críticos da Suprema Corte: "Críticas aos Tribunais, e, similarmente, críticas aos outros ramos do governo, não devem ser rechaçados. Pelo contrário, devem ser aceitas com graça e consideradas reflexivamente. Para os juízes que são nomeados para postos vitalícios, a crítica ponderada tem uma importância especial. Ajuda a manter no colegiado atitudes saudáveis ??de humildade e alguma insegurança". Para ela, "todos sabemos que a instituição à qual servimos é muito mais importante do que os indivíduos que a compõem a qualquer momento. E o nosso trabalho, a meu ver, é o melhor trabalho que um jurista poderia ter. Nossa responsabilidade é buscar a justiça da melhor maneira possível".

Então, recorda as limitações do Poder Judiciário e a necessidade de uma democracia constitucional poder confiar em suas instituições, até para fazer valer as decisões da Suprema Corte: "O que Alexander Hamilton disse foi que o Judiciário era o ramo menos perigoso, porque não possuía a bolsa nem a espada. Mas possuía, na verdade, duas outras coisas: razão e jurisdição. E você pode pensar em alguns momentos extraordinários do país quando isso realmente importava. Pense na Suprema Corte em sua decisão de 1954, declarando inconstitucional a segregação nas escolas públicas do nosso país... Bem, a Suprema Corte não tinha tropas, mas o presidente Eisenhower as convocou para garantir que a decisão fosse cumprida. E é assim que tem sido. Houve alguns tempos difíceis, sim, mas na maior parte o poder da Suprema Corte vem de sua razão e da sua jurisdição. O resto do sistema vem do reconhecimento do valor dessa instituição".

A juíza põe abaixo especulações: "Não há negociação de votos. Não há 'se você me acompanha neste caso, eu ficarei do seu lado em outro caso'. Nunca. Isso jamais acontece". Prosseguindo, dá sugestões: "Um Ministro da Suprema Corte, contemplando a elaboração de um voto próprio, divergente, deveria sempre perguntar a si mesmo: essa discordância ou concordância é realmente necessária?". E fecha com a chave da sabedoria em colegiados judiciais: "Quando uma palavra impensada ou indelicada é pronunciada, esqueça. Reagir com raiva ou aborrecimento não aumentará a sua capacidade de persuasão". Há, ainda, uma derradeira observação: "Você está redigindo uma divergência para uma era futura, e sua esperança é que, com o tempo, a Corte veja a matéria da forma que você está vendo".

Suas posições, mesmo vencidas, ajudaram a estimular o processo de deliberação política e, assim, a transformar a sociedade. No caso Ledbetter vs. Goodyear Tire & Rubber Co, uma ação que tratava sobre discriminação salarial entre homens e mulheres, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o "Lilly Ledbetter Fair Pay Act", que terminou por, na prática, derrubar a opinião majoritária da Suprema Corte ao remover as limitações que resultavam em discriminação salarial em razão do gênero do trabalhador.

"O que essa Suprema Corte produz é um voto da Corte, então, você não está escrevendo para si mesmo. Está escrevendo, esperançosamente, para todo o Colegiado, e, se não, pelo menos para a maioria dos membros. Deve ter em conta o que eles pensam". Explicando os rótulos dos juízes da Suprema Corte em relação aos partidos que suportaram suas indicações, diz ela: "Durante meus 24 anos na Suprema Corte, os juízes mais 'liberais' foram, eles próprios Republicanos declarados, John Paul Stevens e David Souter".

Ruth Bader Ginsburg também é crítica a determinadas decisões emanadas da sua própria Suprema Corte. Ela diz: "O Citizens United é provavelmente o mais importante caso recente, em que o Tribunal teve a oportunidade de barrar a prática de ganhar a eleição desde que se consiga arrecadar mais dinheiro. Essa possibilidade foi admitida, e espero que algum dia essa decisão seja revertida".

Não deixa de reconhecer a necessidade de boa interação entre a Suprema Corte e os demais Poderes, até para que suas decisões sejam cumpridas. Diz: "Em nosso sistema jurisdicional, os assuntos raramente conseguem ser totalmente resolvidos com base em um ou em dois casos; em geral, exigem um trabalho mais árduo, muitas vezes envolvendo respostas ou um diálogo contínuo com outros ramos do Governo Federal, dos Estados ou do setor privado".

A obra não deixaria de trazer pensamentos sobre o feminismo e as mulheres. Ela diz: "O feminismo é essa noção de que cada um de nós deveria ser livre para desenvolver nossos talentos, sejam eles quais forem, e não sermos impedidas por barreiras artificiais - barreiras feitas pelo homem, barreiras que certamente não foram enviadas pelos céus". A Juíza chama de liberdade "para ser eu e você".

Mais à frente, Ruth lembra do que não pode ser esquecido: "Florence Allen terminou o segundo ano de sua turma e seus colegas de classe a elogiaram por sua 'boa mente masculina', ao pensar 'como um homem'". E prossegue: "Sandra Day O'Connor, certo dia, disse o seguinte: 'Se Ruth e eu tivéssemos nor tornado maiores de idade em uma época em que não houvesse discriminação contra as mulheres, seríamos hoje sócias aposentadas de uma grande firma de advocacia'".

Recorda que "As mulheres não estavam no Judiciário federal até Jimmy Carter se tornar presidente. Ele deu uma olhada e disse: 'Você sabe, todos eles se parecem comigo. Mas não é isso o que o esse grande Estados Unidos da América se parece'".

Ela lembra da filha: "Às vezes, minha filha é perguntada sobre como se sente a respeito da nomeação da mãe como segunda mulher a servir a Suprema Corte. Ela responde: 'Sinto-me bem. Mas seria ainda melhor quando tantas mulheres forem juízas em todos os tribunais do país a ponto de ninguém precisar contar mais'".

Na Suprema Corte, aponta distinções entre as juízas mulheres e os juízes homens. "Há uma conexão entre os votos da Justice O'Connor e os meus que eu acho que você não encontrará nos dos meus colegas. É que nos atemos aos argumentos. Não disperdiçamos palavras dizendo algo desagradável sobre os colegas ou sobre os juízes de primeira instância".

Ruth diz ainda o seguinte: "As mulheres pertencem a todos os lugares onde as decisões estão sendo tomadas. Eu não digo que deve ser 50-50. Pode ser 60% homens, 40% mulheres, ou o contrário. O que não pode ocorrer é as mulheres seem a exceção".

Apesar de tudo, é uma pessoa otimista e reconhece os avanços: "Ainda há uma distância considerável para percorrer, mas já cruzamos um longo caminho desde o dia em que o Presidente Thomas Jefferson disse à sua secretária de Estado: 'A nomeação de uma mulher para um cargo público é uma inovação para a qual o público não está preparado. Nem eu estou'".

Ruth Bader Ginsburg passa a rememorar aquilo que não pode ser esquecido: "No início da década de 1870, uma mulher chamada Virginia Minor disse: 'Eu sou uma pessoa com direito à igual proteção das leis. O direito mais fundamental de um cidadão é votar nas pessoas que irão representá-lo. Então, eu sou uma pessoa, uma cidadã, logo, eu tenho o direito de votar'. A resposta da Suprema Corte, nesse caso, foi: 'É claro que você é uma pessoa. Nós não duvidamos disso nem por um instante. Mas pessoas também são as crianças. E quem pensaria que crianças devem ter o direito de votar?'".

No ACLU Women's Rights Project, que ela ajudou a lançar no início de 1972, e nos seminários da faculdade de Direito que realizou primeiro na Rutgers (Universidade Estadual de New Jersey), depois em Columbia (em Nova York), o trabalho se deu em três frentes: "avançando, simultaneamente, o entendimento do público sobre os temas, a mudança legislativa e a mudança no pensamento judicial". Ruth explica: "Crescendo em uma sociedade na qual virtualmente todas as posições de influência e poder são mantidas pelos homens, as mulheres acreditam que pertencem a um sexo inferior".

Ela recorda um episódio bastante ilustrativo da condição das mulheres ao seu tempo: "O reitor (da Faculdade de Direito de Harvard) cumprimentou as mulheres da primeira turma com um convite para jantar em sua casa. Ele trouxe-nos para a sua sala de estar e pediu para cada uma de nós lhe dizer por que estávamos na Harvard Law School ocupando um assento que poderia ser ocupado por um homem".

Ruth traz na obra uma espirituosa razão pela qual trocou o termo "sexo" por gênero. Diz ela: "Eu tinha uma ótima secretária na Faculdade de Direito da Universidade de Columbia que, ao digitar os meus escritos, disse: 'Eu estou digitando estes resumos e a palavra 'sexo' está aparecendo em tudo. Você não sabe que a primeira associação dessa palavra não é o que você quer que esses juízes pensem? Use 'gênero'. É um bom termo em livros de gramática. Vai afastar associações dispersivas'".

Mas Ruth Bader Ginsburg também tem as suas cicatrizes. Primeiro, o preconceito. "Lembro-me uma vez em que estávamos voltando das férias de fim de semana. Dirigíamos pela Pensilvânia e havia o que hoje chamamos de 'cama e café da manhã', com uma placa do lado de fora dizendo: 'Não é permitido cães ou judeus'. Eu nunca tinha visto nada como aquilo antes. Senti-me chateada, pois eu estava muito orgulhosa de ter nascido e criada nos Estados Unidos".

Depois, mais preconceito. "Ao tempo em que me formei na Faculdade de Direito da Columbia, em 1959, nenhum escritório de advocacia em toda a cidade de Nova York me empregaria. Eu descobri os motivos, e eles eram três: eu era judia, era mulher e era mãe. O primeiro fez levantar uma sobrancelha. O segundo, duas. O terceiro me tornou indubitavelmente inadmissível".

As dores não param por aí. "Lembramos com tristeza que a Europa de Hitler, seu Reino do Holocausto, não era desprovido de lei. De fato, era um Reino cheio de leis, leis implantadas por pessoas altamente instruídas - professores, advogados e juízes - para facilitar a opressão, a escravidão e o assassinato em massa. Convocamo-nos para dizer 'nunca mais', não apenas ao regime mais injusto da história ocidental, mas também a um mundo em que bons homens e mulheres, no exterior e até nos EUA, testemunharam ou souberam dos crimes do Reino do Holocausto contra humanidade, e deixaram-os acontecer", diz ela.

A juíza enfrentou mais de um câncer. Ela anotou: "Acho que o meu trabalho é o que me salvou de dois cânceres. Eu sabia que tinha um trabalho a fazer, um trabalho importante, então, não conseguia me debruçar sobre as dores. Eu só tinha que fazer o meu trabalho". E arrematou: "Não há nada como um câncer para fazer uma pessoa apreciar as alegrias de estar vivo. É como se uma especiaria rara e saborosa temperasse o meu trabalho e os meus dias. Cada coisa que faço vem com uma apreciação apurada de que eu sou capaz de fazê-lo".

Mas Ruth também contou com seus anjos da guarda: "Comecei a duvidar se eu poderia gerir uma criança pequena e uma Faculdade de Direito. O meu sogro então me deu um conselho maravilhoso. Ele disse: 'Ruth, se você não quer ir para a Faculdade de Direito, você tem a melhor razão do mundo, e ninguém vai pensar menos de você. Mas se você realmente quer se tornar uma advogada, pare de sentir pena de si mesmo e simplesmente encontre uma maneira de fazê-lo'. Tenho seguido esse conselho em todas as dificuldades da minha vida".

E quanto a sua indicação para a Suprema Corte? Ela recorda bem da escola: "Quando o presidente Clinton estava remoendo sua primeira indicação à Suprema Corte, o justice Antonin Scalia foi perguntado: 'Se você estivesse preso em uma ilha deserta com o seu novo colega de Corte, quem você prefereria: Larry Tribe ou Mario Cuomo?'. Scalia respondeu rápida e respeitosamente: 'Ruth Bader Ginsburg'. Dentro de poucos dias o presidente me escolheu".

Para a juíza, "é claro que a segurança é importante, mas nossos direitos individuais devem ser preservados. Caso contrário, não seremos diferentes das forças contra as quais estamos lutando". Diz ainda: "Na longa luta por um mundo mais justo, as nossas memórias são os recursos mais poderosos". Por fim: "Em tempos ruins, numa sociedade opressiva, nossa humanidade deveria manter firme em nossas mentes a decência humana, de modo que nunca, na atividade desempenhada por líderes políticos, vamos implementar leis ou decretos do Executivo que neguem a humanidade, a dignidade humana, dos outros".

Ruth Bader Ginsburg reconhece o fundamental papel da imprensa numa sociedade livre e democrática: "Eu acho que a imprensa tem desempenhado um papel tremendamente importante como vigilante sobre o que o governo está fazendo. E isso impede o governo de sair da linha, porque ele estaria no centro das atenções. Então, sim, há todos os tipos de excessos na imprensa também, mas acho que temos a melhor alternativa possível".

Também fala sobre o escrutínio mais severo de leis que prejudicam um certo e determinado grupo de pessoas: "Há uma necessidade de olhar com especial suspeita para qualquer lei que prejudique um grupo de pessoas, especialmente quando essas pessoas não estão proporcionalmente representadas na tomada de decisão pelo Legislativo ou Executivo".

A juíza lembra da sua referência primeira e mais influente fonte de inspiração: "Uma das minhas lembranças é a de ter crescido sentada no colo da minha mãe enquanto ela lia para mim. Eu aprendi a amar a leitura dessa forma".

Sua mensagem derradeira é poderosa como é a sua trajetória: "Ao seguir os seus caminhos na vida, deixe rastros. Assim como os outros têm sido meios para você, ajude aqueles que seguirão em seu caminho. Faça a sua parte para ajudar a levar a sociedade ao lugar que você gostaria que resultasse na saúde e o bem-estar das gerações seguintes à sua".

Boas fontes existem para fazer jorrar os elementos que dão sentido à vida. Também assim o é com as fontes de inspiração. As melhores delas alimentam os anjos bons da nossa natureza, incutindo em nós o desejo altivo de reparar as lágrimas do semelhante. Apenas as obras imortalizam. Ruth Bader Ginsburg é uma mulher repleta de obras. Por isso, colhe hoje os frutos do que plantou. Sua reputação e reconhecimento apenas mostram uma realidade incontornável: na jornada da realização dos direitos fundamentais, a história prefere os que fazem. Só pessoas assim se tornam imortais. Ruth Bader Ginsburg é uma dessas estrelas raras. Seguirá brilhando, hoje e sempre. Por isso, a obra editada por Helena Hunt, "Ruth Bader Ginsburg in her own words", vale cada página.