COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Conversa Constitucional >
  4. A aposentadoria do ministro Celso de Mello

A aposentadoria do ministro Celso de Mello

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Atualizado às 08:07

Essa é a última semana de deliberações do Supremo Tribunal Federal ainda com a presença do ministro Celso de Mello. A sessão de ontem da Segunda Turma da Corte, e a grande emoção que ela despertou em todos os seus integrantes, mostra um pouco do impacto que essa aposentadoria irá gerar no Tribunal.

De todas as formas de homenagem ao ministro, e elas são muitas e merecidas, vou deixar aqui apenas uma pequena mostra das tantas virtudes do ministro Celso de Mello e o farei com um retrato das audiências que muitos advogados e advogadas tiveram ao longo desses mais de trinta anos com ele.

No gabinete, há uma mesa redonda. É ali, ao redor de uma mesa sem cabeceiras, onde não há espaço para lugares fisicamente mais elevados que separem as pessoas em mais ou menos importantes, que o ministro ouvia as partes.

Ao som de música clássica, as audiências eram eruditas, cosmopolitas, repletas de informações históricas, com um singular conhecimento da jurisprudência e, acima de tudo, uma absoluta compreensão do caso.

Ao redor daquela mesa, as partes se sentiam acolhidas e estimuladas a falar, pois sabiam que seriam ouvidas por um julgador justo e disposto a compreender as múltiplas questões envolvidas nas controvérsias constitucionais.

Sempre foram audiências longas, regadas a um café muito forte, num ambiente mergulhado em livros de todos os tipos.

Junto à porta de saída havia um quadro com um registro antigo das "Arcadas", a faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, de onde o ministro Celso de Mello é oriundo.

"Eu já lhe falei sobre como o ministro Moreira Alves ia dar aula?", o ministro Celso perguntava, dando início a um percurso histórico sobre os professores a quem mais admirava. A memória era prodigiosa e os relatos precisos fascinavam os ouvintes.

Qualquer que fosse o caso e a matéria nele envolvida, em algum momento haveria uma deixa para que o assunto migrasse para a vindicação por direitos fundamentais. Nesse momento, em particular, em razão do meu trabalho, surgia a deixa para que o Direito à Felicidade aparecesse.

"Você chegou a pesquisar as cartas de Thomas Jefferson?", perguntava o ministro, antes de emendar uma nova incursão fascinante, dessa vez sobre o founding father estadunidense. Era tanta informação, tanto detalhe histórico, que ali surgia uma nova frente de estudo, em questões de minutos, de improviso.

Jamais houve limite intelectual ao ministro Celso de Mello, desde o tempo que era promotor de Justiça em Cândido Mota, no interior de São Paulo. "Celso Jurista", seus colegas o chamavam.

Essa força intelectual foi cultivada pelos integrantes do seu gabinete. Um time de notáveis. Interpretando a Constituição, o ministro Celso não se limitou a medir a temperatura de um dia. Ele foi, usando uma metáfora deixada por Ruth Bader Ginsburg, mais sensível e sentiu o clima de toda uma era.

De seus longos votos (com itálico, negrito e sublinhado), conquistas foram entregues às presentes e futuras gerações. Assim como as linhas retas e curvas que pelas colunas do arquiteto Oscar Niemeyer dão sustentação ao edifício-sede do Supremo Tribunal Federal, o decano combinou a certeza do Direito com as múltiplas possibilidades da Justiça. E fez história.

A sua independência, o seu compromisso com o Supremo, a sua dedicação aos casos, o seu respeito pela advocacia, o time por ele formado para ao seu lado atuar no gabinete por ele liderado..., tudo isso fará muita falta com a sua aposentadoria.

Quanto mais o tempo seguir a marcha, mais vivo será o legado do ministro Celso de Mello. Um homem que viveu a verdade e percorreu o caminho.