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CPC Marcado

Comentários dos dispositivos do CPC.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Um dos principais obstáculos ao acesso à justiça no Brasil é o elevado valor das custas judiciais. Conforme Mauro Cappelletti e Bryant Garth em sua obra "O Acesso à Justiça", "os litigantes precisam suportar a grande proporção dos demais custos necessários à solução de uma lide, incluindo os honorários advocatícios e algumas custas judiciais"1.  Em um país que ainda possui a desigualdade como um de seus principais desafios, o alto custo para o cidadão buscar a tutela jurisdicional por seus direitos violados se impõe como uma barreira econômica à justiça. A proteção ao acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição encontram amparo no texto constitucional. O artigo 5º, da Constituição Federal, fixa em seus incisos XXXV e LXXIV, respectivamente: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" e "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Todo indivíduo, como titular de direitos, deve ter garantido o ingresso ao Judiciário para que possa ver protegidas suas pretensões jurídicas2. O instituto da gratuidade da justiça mostra-se como instrumento para a efetivação desses princípios constitucionais, vez que garante o acesso à justiça aos seus beneficiários. Pontes de Miranda3 conceitua o benefício como o direito à dispensa provisória das despesas exercíveis em relação jurídica processual perante o juiz que promove a prestação jurisdicional. Caso vencido, o beneficiário deverá arcar com o pagamento que lhe foi dispensado, visto que a parte credora terá o direito de exigir tudo o que adiantou. Entretanto, as obrigações decorrentes da sucumbência ficarão suspensas nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, para que o credor, dentro desse prazo, comprove que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade4. Após os cinco anos, são extintas tais obrigações do beneficiário. O Código de Processo Civil de 2015 positivou a gratuidade judiciária em seus arts. 98 a 102, que regulamentam o procedimento para sua concessão, impugnação e revogação. O CPC/2015 inova ao fazer referência específica ao benefício da justiça gratuita, que não encontra normativo equivalente no CPC/1973. Antes da vigência do novo Código, a gratuidade da justiça encontrava como principal base normativa a Lei 1.060/1950, a qual regulamentava também a assistência judiciária. O CPC/2015, no entanto, revogou os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 do referido dispositivo legal.   De acordo com o caput do artigo 98, do CPC/2015, tem direito à gratuidade da justiça a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios. O art. 2º, parágrafo único, da Lei 1.060/1950 restringia a concessão do benefício para ""todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família". Assim, o normativo abria margem para a interpretação de que apenas a pessoa natural, única capaz de constituir família, poderia fazer jus à gratuidade da justiça5. Esse entendimento foi superado pelo novo Código, que inova ao prever a pessoa jurídica no rol dos legitimados para requerer o benefício.. Em conformidade com a legislação, a Súmula n. 481 do STJ dispõe que: "faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". Em relação aos estrangeiros, o CPC/2015 não faz distinção entre aqueles que são residentes no Brasil ou não - diferentemente do diploma anterior, que restringia o deferimento do benefício aos residentes6. A "insuficiência de recursos", prevista no caput do artigo 98, é requisito para concessão do benefício. Assim, não são exigidos miserabilidade, estado de necessidade, renda familiar ou faturamento máximo ao beneficiário da gratuidade judiciária - pois "não se pode exigir que o sujeito tenha que comprometer sua renda ou liquidar seus bens para ter acesso à justiça e custear o processo"7. Sob esse raciocínio, o patrocínio da parte por advogado particular não constitui óbice para a concessão da gratuidade de justiça8. A pessoa natural, por sua vez, possui presunção relativa de veracidade da declaração de pobreza, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça9 e do Tribunal Superior do Trabalho10. Já a pessoa jurídica deverá comprovar a precariedade de sua situação financeira para a concessão da justiça gratuita, inexistindo, em seu favor, presunção de insuficiência de recursos11. O novo estatuto processual não alude à sociedade irregular, nem aos entes formais que possuem personalidade judiciária (massa falida, espólio etc.) - os quais, conforme entendimento da doutrina, podem auferir a gratuidade da justiça. Quanto ao empresário individual e ao microempreendedor individual, a jurisprudência do STJ12 consolidou que estes devem ter sua caracterização como pessoa jurídica relativizada, vez que "são pessoas físicas que exercem atividade empresária em nome próprio, respondendo com seu patrimônio pessoal pelos riscos do negócio, não sendo possível distinguir entre a personalidade da pessoa natural e da empresa". Segundo decisão judicial, para a concessão da benesse da justiça gratuita de EI ou de MEI "basta a mera afirmação de penúria financeira, ficando salvaguardada à parte adversa a possibilidade de impugnar o deferimento da benesse, bem como ao magistrado, para formar sua convicção, solicitar a apresentação de documentos que considere necessários, notadamente quando o pleito é realizado quando já no curso do procedimento judicial"13. Em conformidade com o CPC/2015, a Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, Edição n. 150, fixou os seguintes parâmetros para concessão da gratuidade da justiça: (i) "É inadequada a utilização de critérios exclusivamente objetivos para a concessão de benefício da gratuidade da justiça, devendo ser efetuada avaliação concreta da possibilidade econômica de a parte postulante arcar com os ônus processuais"14; (ii) "A faixa de isenção do Imposto de Renda não pode ser tomada como único critério para a concessão ou denegação da justiça gratuita"15, e; (iii) "A mera declaração de estado de pobreza para fins de obtenção de benefícios da justiça gratuita não é considerada conduta típica, diante da presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário"16. O 1º parágrafo do art. 9817 elenca o rol das despesas processuais de cujo adiantamento estará dispensado o beneficiário da gratuidade da justiça. São elas: (i) as taxas ou as custas judiciais; (ii) os selos postais; (iii) as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; (iv) a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; (v) as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; (vi) os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; (vii) o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; (viii) os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; (ix) os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. Trata-se de rol meramente exemplificativo, de modo que despesa não inclusa expressamente no normativo pode ser requerida em juízo pela parte. Como visto, o CPC/2015 detalha as hipóteses de concessão do benefício da justiça gratuita, mas não o faz exaustivamente, ao fixar um rol exemplificativo. Dessa forma, o novo código permite um certo grau de abertura em relação às despesas devidas conforme a peculiaridade de cada caso específico - conforme observado no caso das custas referentes à remuneração do mediador, por exemplo, as quais não são indicadas no rol. Assim, os artigos do CPC/2015 que dispõem sobre a gratuidade da justiça e sua impugnação são aplicáveis ao procedimento de mediação e conciliação judicial18. A lei 13.140 de 2015, em consonância com o princípio do acesso à justiça, prevê em seu artigo 4º, § 2º: "aos necessitados será assegurada a gratuidade da mediação". O CPC, portanto, harmoniza a legislação brasileira ao incorporar e atualizar as previsões da Lei 1.060/1950 acerca da gratuidade da justiça, proporcionando maior segurança jurídica. A previsão legal do benefício assegura a concretização dos princípios do acesso à justiça e da inafastabilidade da jurisdição, vez que possibilita que todo cidadão com insuficiência de recursos tenha pleno acesso à tutela jurisdicional. __________ 1 Cappelletti, M.; Garth, B. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 15. 2 Conforme Kazuo Watanabe, o princípio de acesso à justiça "não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário". In: WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Revista de Processo, São Paulo, ano 136, v. 195, p. 381-390, maio 2011. p. 385 3 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967: com a Emenda n. 1 de 1969, 1987, p. 642. 4 CPC, Art. 98 (...) §3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 6 A gratuidade da justiça passou a poder ser concedida a estrangeiro não residente no Brasil após a entrada em vigor do CPC/2015. STJ. Corte Especial. Pet 9815-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/11/2017 (Info 622). 7 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 359. 8 "3. Nos termos do que dispõe o artigo 99, §4º, do Código de Processo Civil, a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça." Acórdão 1272408, 07053038420208070000, Relatora: SIMONE LUCINDO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 5/8/2020, publicado no DJE: 20/8/2020. 9 "3. A afirmação de pobreza goza de presunção relativa de veracidade, podendo o magistrado, de ofício, indeferir ou revogar o benefício da assistência judiciária gratuita, quando houver fundadas razões acerca da condição econômico-financeira da parte (edição 149 de Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça). 4. A condição de necessitado não se confunde com absoluta miserabilidade e não pressupõe estado de mendicância, mas tão somente incapacidade para suportar as custas e demais despesas processuais, conforme dispõe o art. 98, caput, do CPC." Acórdão 1356239, 07081156520218070000, Relator: ROBERTO FREITAS, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 14/7/2021, publicado no DJE: 27/7/2021. 10 A Súmula TST n° 463 dispõe que para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim. 11 STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.983.350/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 21/3/2022. 12 STJ. 4ª Turma. REsp 1899342-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 26/04/2022 (Info 734). 13 STJ. 4ª Turma. REsp 1899342-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 26/04/2022 (Info 734). 14 Julgados: EDcl no REsp 1803554/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 12/05/2020; EDcl no AgRg no AREsp 668605/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe 07/05/2020; AgInt no AgInt no AREsp 1368717/PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020; AgRg no AgRg no REsp 1402867/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 14/03/2018; AgInt no REsp 1703327/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 12/03/2018; REsp 1706497/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 16/02/2018. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 528) 15 Julgados: REsp 1846232/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2019,  Je 19/12/2019; AgInt no AREsp 366172/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/02/2019, REPDJe 26/02/2019; AgInt no REsp 1372128/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 26/02/2018; AgInt no REsp 1401929/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 11/09/2017; AgRg no AREsp 353863/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 11/09/2013; AgRg no AREsp 231788/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013. 16 Julgados: AgRg no HC 404232/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 25/05/2018; AgRg no RHC 43279/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016; RHC 24606/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 02/06/2015; RHC 46569/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 06/05/2015; RHC 53237/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 06/02/2015; HC 261074/MS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 18/08/2014. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 546) 17 Art. 98 - (...) §1º A gratuidade da justiça compreende: I - as taxas ou as custas judiciais; II - os selos postais; III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. 18 VIII Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC, Enunciado 624.
A celeridade processual e o bom andamento da Justiça são responsabilidades de todos, em especial das partes e dos serventuários que atuam nos casos em litígio. Um dos meios de garantir que as boas práticas serão seguidas, de modo a coibir condutas atentatórias à boa-fé, é a aplicação, quando pertinente, de sanções a litigantes de má-fé, sem prejuízo de outras penalidades aplicadas aos serventuários quando estes não corresponderem às suas responsabilidades. O Código de Processo Civil/2015 traz modificações sutis na redação de dispositivos que disciplinam a destinação dos recursos advindos das sanções pecuniárias, mas tais alterações são substanciais à correta e justa interpretação da motivação legislativa. De acordo com o artigo 96 do Código de Processo Civil de 2015, o valor das sanções impostas ao litigante de má-fé reverterá em benefício da parte contrária, e o valor das sanções infligidas aos serventuários pertencerá ao Estado ou à União. O dispositivo guarda correspondência com o artigo 35 do CPC/1973 e inova ao deixar de considerar como custas, as sanções impostas às partes a título de litigância de má-fé, bem como inclui expressamente a possibilidade de reversão à União, e não apenas ao Estado, os valores correspondentes às sanções aplicadas aos serventuários1. Ao desconsiderar as sanções a título de má-fé como custas, o CPC/2015 corrige a distorção que ocorria nos casos em que a parte vencedora do litígio tinha aplicada contra si, no curso do processo, sanções por litigância de má-fé. É sabido que a aplicação de sanções por si só não implica na perda do processo, mas, quando interpretada como custas, resultava à parte vencida, vítima da conduta maliciosa da parte vencedora, a obrigação de ressarcir a litigante de má-fé pelas multas às quais deu causa, o que configurava uma distorção no objetivo da norma. Desse modo, o artigo 96 do atual diploma corrige essa falha. Ao eliminar a equiparação de tais penalidades às custas processuais, mantém a previsão de que as sanções por litigância de má-fé devem ser revertidas à parte contrária. Nesta perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado a norma no fito de conferir celeridade processual e inibir práticas danosas às partes e à própria Justiça, desencorajando tentativas de alteração da verdade processual e indução da Corte a erro.2 A boa-fé é princípio basilar do Direito e assim se espera também das relações humanas, mas infelizmente a litigância de má-fé ainda compõe generoso montante das sanções no Judiciário brasileiro. A Suprema Corte também não está a salvo de práticas maliciosas, como exemplo, é possível citar a condenação solidária de autor e advogado pela ausência de identidade material entre o paradigma invocado e o ato reclamado, em interposição de Reclamação no Supremo Tribunal Federal.3 Além disso, a expressão "ou à União" foi incluída no texto do artigo 96, do CPC/2015, quando comparado ao diploma anterior, no que se refere à reversão das sanções aplicadas aos serventuários. No antigo Código de Processo Civil, apenas "Estado" figurava como beneficiário de sanções aplicadas aos serventuários da Justiça, e isso conferia margem para intepretação do vocábulo aquém de seu sentido lato sensu, aplicando-o tão somente para as unidades federativas e excluindo-se a União. Conforme o acordo ortográfico da língua portuguesa, que passou a produzir efeitos no Brasil em 1º de janeiro de 2009, o uso de inicial minúscula deve ser empregado "ordinariamente, em todos os vocábulos da língua nos usos correntes", excetuados apenas os nomes próprios, inclusive de instituições, as siglas e os símbolos4. O acordo ortográfico faculta o uso de inicial maiúscula ou minúscula para os logradouros públicos e "permite ambas as grafias, quer para o emprego genérico do vocábulo (os Estados da federação ou os estados da federação), quer para o uso na expressão que especifica os membros da federação (o Estado da Bahia ou o estado da Bahia)5. Já a maioria dos dicionários de língua portuguesa, a exemplo do Buarque de Holanda e Houaiss6, recomenda escrever com inicial maiúscula na "acepção de nação com estrutura própria e organização política, ou conjunto das estruturas institucionais que asseguram a ordem e o controle de uma nação"7  e os estados da federação com letra minúscula, a exemplo de "estado da Bahia". Os manuais de redação das secretarias de comunicação oficiais utilizam o termo com a  diferenciação acima destacada, mas na Constituição Federal/1988 a palavra "Estado" é grafada com inicial maiúscula em ambos os casos, ou seja, quando se refere à nação politicamente organizada ou às unidades da federação. Excetuam-se apenas casos como "estado de sítio", "estado de defesa" e similares. Desse modo, a fim de eliminar possível imprecisão hermenêutica, o legislador do CPC/2015 optou por deixar expressos ambos os vocábulos, Estado e União, de modo a evidenciar que a União também compõe a diretriz normativa, alinhando-se à forma utilizada na Constituição Federal. Em prosseguimento à análise, o artigo 97 é uma inovação do diploma de 2015, não possuindo correspondente no CPC/1973, e prevê a possibilidade de criação de fundos de modernização do Poder Judiciário, pela União e os Estados, para onde serão revertidos os valores das sanções pecuniárias processuais destinadas a estes entes, além de outras verbas previstas em lei. O dispositivo é programático, já que trata da faculdade de a União e os Estados criarem seus fundos de modernização, compostos de receitas advindas de sanções pecuniárias impostas às partes8, sejam elas recebidas espontaneamente ou em execução forçada9. Para os casos de execução forçada, importa destacar o diálogo com outra norma, o art. 77 do CPC/2015. Este dispositivo, em seu parágrafo 3º, estabelece que em casos de ausência de pagamento no prazo fixado pelo juiz da multa por litigância de má-fé, ela deverá ser inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal. O valor da multa pode chegar a vinte por cento do valor da causa (art. 77, §2º, CPC/2015). Embora tramite, desde 2016, projeto de lei para a criação do Fundo Especial da Justiça Federal (FEJUF)10, o fundo relativo à União ainda não se concretizou e nesse ponto, o artigo 97 do novo diploma legal permanece sem regulamentação. Ao passo que, como destaca Carreira Alvim, todos os Estados-membros já criaram seus fundos especiais de modernização do Poder Judiciário, antes mesmo do advento do novo Código.11 As possibilidades de sanções pecuniárias no Código de Processo Civil são diversas, não se restringindo à litigância de má-fé, e podem incorrer sobre qualquer pessoa que pratique ato atentatório à dignidade da justiça. O Código de Processo Civil vigente estabelece algumas situações que implicam na prática de ato contrário ao bom e justo andamento processual, são exemplos: depositário infiel (art. 161, CPC/2015), ausência de comunicação no prazo legal, sem justa causa, acerca do recebimento da citação recebida por meio eletrônico (art. 246, § 1º-C, CPC/2015) e não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação (art. 334, § 8º, CPC/2015). Além destes exemplos, a jurisprudência e a análise individualizada dos casos podem implicar em transgressão de princípios processuais e na aplicação de multas às partes ou aos serventuários. A possibilidade de aplicação de multa nesses casos é crucial à definição de um campo de atuação ético aos envolvidos no litígio, de modo que todos primem pela celeridade e justa prestação jurisdicional. Importa também lembrar que sanções não são um fim em si mesmas, tampouco objetivam apenas punir, sua função é também pedagógica. A utilização desses recursos deve estar conectada aos objetivos das normas que os fundamentam, e por isso a previsão de fundos de modernização do Poder Judiciário. O CPC/2015 veio para harmonizar as previsões legais, conectando os recursos advindos de sanções aos seus justos beneficiários, a modernização do Poder Judiciário e logo, em prol de todos os jurisdicionados. __________ 1 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.166 2 STJ - AgInt no AgInt no RMS: 48497 RJ 2015/0136174-3, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 23/08/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/08/2018 3 Rcl 42457 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 28/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-267  DIVULG 06-11-2020  PUBLIC 09-11-2020 4 Disponível aqui. Acesso em 23 nov. 2022 5 Disponível aqui. Acesso em 23 nov. 2022 6 Disponível aqui. Acesso em 24 nov. 2022 7 Disponível aqui. Acesso em 23 nov. 2022 8 Artigo alusivo ao tema já publicado por este autor e disponível aqui. 9 Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: [...] IV - Cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; [...] VI - Não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. [...] § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. § 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97 . [...] 10 Disponível aqui. Acesso em 22.11.2022 11 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 109.
A Fazenda Pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública dispõem de tratamento especial quanto ao momento de pagarem as despesas processuais, ou seja, de arcar com o custo dos atos processuais praticados mediante requerimento de alguma dessas entidades públicas quando figurarem como parte na lide processual. Esta é a previsão do art. 91 do atual Código de Processo Civil, CPC/2015, que estabelece no caput que as despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública sejam pagas ao final pelo vencido. Como regra geral, a parte autora deve adiantar as custas processuais e demais eventuais despesas que decorram de atos processuais praticados ao longo do processo, à exceção da justiça gratuita, conforme abordado em colunas anteriores1. A inclusão da Defensoria Pública no rol de entidades públicas com este tratamento especial é uma inovação do atual Código de Processual Civil. O antigo CPC/1973 previa, em seu art. 27, apenas o Ministério Público e a Fazenda Pública como entidades dispensadas de adiantar as despesas processuais. Ademais, o CPC/15 inovou ao incorporar no parágrafo 1º do aludido artigo, também o Ministério Público e a Defensoria Pública, ampliando o alcance do que já previa o enunciado da súmula 232 do Superior Tribunal de Justiça - STJ, segundo o qual "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito2. A jurisprudência do STJ3 estabelece interpretação recente acerca da aplicabilidade do artigo 91 do CPC/2015, retratando que em sede de ação civil pública promovida pelo Ministério Público o adiantamento dos honorários periciais ficará a cargo da Fazenda Pública a qual o perito estiver vinculado.  Isso porque não é razoável obrigar o expert a trabalhar de forma gratuita, tampouco transferir ao réu a obrigação de financiar ações contra ele movidas. O artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985)4 prevê que não haverá adiantamento de qualquer despesa, incluindo honorários periciais, tampouco a condenação da associação autora. Vale dizer, nas ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público, quando esse ente restava vencido em sua pretensão, o perito ficava prejudicado em seu direito à remuneração pelo ofício exercido. A solução encontrada pelo Superior Tribunal de Justiça foi transferir para a Fazenda Pública tal ônus, ainda que essa não figure como parte na demanda. Como a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil não teve o efeito de causar, por si só, a superação do julgamento repetitivo que havia definido a questão5 e tendo em vista o princípio da especialidade, aplica-se, nesses casos,o artigo 18 da Lei 7.347/85 e não o artigo 91 do Código de Processo Civil. Desse modo, e aplicando por analogia o verbete sumular nº 232 do STJ, a Fazenda Pública a que se acha vinculado o parquet deverá arcar com as despesas do perito. De toda sorte, estando as entidades públicas em condições de realizar a perícia requerida pela Fazenda Pública, Ministério Público ou Defensoria Pública, é aconselhável que o façam, pois nesses casos há possibilidade de assinatura de convênios, o que favorece a oferta de serviços com preços mais razoáveis do que os vigentes no mercado, evitando o encarecimento das despesas processuais6. Exemplos dessas entidades públicas são as universidades federais ou qualquer outro órgão público conveniado (art. 95, § 3º, CPC/2015). No tocante à hipótese de haver previsão orçamentária para adiantamento do valor da perícia requerida pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, trata-se de previsão que estabelece não uma faculdade, mas um dever dos entes públicos de repassar recursos aos órgãos da Fazenda Pública, ao Ministério Público e à Defensoria Pública para que atendam aos ônus processuais nos processos que participem e necessitem de perícia.7 Portanto, se houver previsão orçamentária, os honorários periciais deverão ser antecipados, cabendo destacar que esse adiantamento se dá tanto nas hipóteses de o perito ser particular como nos casos em que este for servidor público, conforme jurisprudência do STJ: "Mesmo quando se tratar de servidor público, poderá haver necessidade de adiantamento do ônus, desde que sua remuneração não abarque indenização que suporte o investimento"8. A súmula 190 do STJ9, já previa a antecipação do numerário destinado ao custeio das despesas com transporte dos oficiais de Justiça. Por fim, o §2º do art. 91 do CPC/15, encerra o dispositivo dispondo que, caso não haja previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, esses serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público. Este dispositivo, em complementação ao § 1º do art. 91, CPC/2015, também trata da perícia requerida pelas entidades públicas citadas no caput do artigo para os casos em que atuem como parte e apresenta a possibilidade do adiantamento dos honorários periciais pelo ente público se dar apenas no exercício financeiro seguinte, caso não exista previsão orçamentária, ou ainda pelo vencido, ao final do processo, caso esse se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público. O CPC/2015 ampliou o rol de entidades públicas beneficiadas com a possibilidade de pagamento das despesas processuais somente ao final do processo ao incluir a Defensoria Pública no caput do art. 91, CPC/2015. Trata-se de inovação positiva para a população atendida pela entidade, na medida em que conferir essa possibilidade à Defensoria permite maior qualidade ao embasamento fático e jurídico das ações que ela venha a propor, ampliando o acesso à justiça compreendido em sua dimensão substantiva.  Ademais, o artigo em comento incorpora a jurisprudência consolidada no STJ, ao amparar os peritos garantindo a remuneração pelo serviço prestado, o que era um vácuo no CPC/1973. A ampliação do texto do artigo em comento em relação ao dispositivo correspondente no CPC anterior (art. 27, CPC/1973), a fim de abarcar outra entidade pública, a contemplação da jurisprudência consolidada acerca do tema e as previsões que dialoguem com o orçamento público são algumas das marcas do novo Código de Processo Civil, que se propôs a atualizar a legislação processual, tornando-a mais ágil e descomplicada, visando conferir maior celeridade aos atos processuais. __________ 1 Disponível aqui. Publicado em 22 de março de 2021 e aqui. Publicado em 30 de maio de 2022. 2 Súmula 232, Corte Especial, j. 1º.12.1999, DJ 07.12.1999, p. 127. 3 TJ-RJ - AI: 00613927220198190000, Relator: Des. Mario Assis Gonçalves, J.: 01.07.2020, Terceira Câmara Cível, DJe: 08.07.2020 4 Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.  5 Tema 510 dos recursos especiais repetitivos: Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ('A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito'), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas. 6 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 90. 7 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 90. 8 REsp 978.976/ES, rel.Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 09.12.2008, DJe 19.02.2009). 9 Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos Oficiais de Justiça (Súmula 190, Primeira Seção, em 11.06.1997, DJ 23.06.1997, p. 29.331.
Na perspectiva de constitucionalização do Direito, o novo Código de Processo Civil (CPC/2015) tem reiterado os princípios consagrados na Constituição Cidadã e promovido a boa-fé a norma fundamental, estabelecendo que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (art. 5, CPC/2015), respondendo por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente (art. 79, CPC/2015). O Código também dispõe que a interpretação do pedido observará o princípio da boa-fé (§2º, art. 322, CPC/2015). Note-se que a boa-fé é um dever tanto das partes como do juízo, uma vez que o processo civil contemporâneo é fundamentado na verdade e na lealdade, considerando a má-fé e outros artifícios desleais à resolução do processo em prazo razoável, condutas a serem punidas. Como pondera Ada Pellegrini, "há muito o processo deixou de ser visto como instrumento meramente técnico, para assumir a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça", por essa razão que "os códigos processuais adotam normas que visam a inibir e a sancionar o abuso do processo, impondo uma conduta irrepreensível às partes e a seus procuradores"1. Nessa perspectiva, o artigo 80 do CPC de 2015 apresenta as hipóteses em que um litigante será considerado de má-fé, são elas: I) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou ato incontroverso; II) alterar a verdade dos fatos; III) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI) provocar incidente manifestamente infundado; VII) interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. A título de exemplo, vê-se configurada a litigância de má-fé com aplicação de multa quando: a parte deliberadamente tenta alterar a verdade dos fatos para obter a concessão de justiça gratuita (AgInt no AREsp 788.359/RS, 3T, Rel. Marco Aurélio Bellizze, Dj 07.03.2017); altera a verdade dos fatos na tentativa de induzir o julgador a erro sobre a tempestividade do Recurso (AgInt nos EDs no AREsp 1.165.982/SP, 4T, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dj 26.06.2018); quando a parte faz uso do pedido de reconsideração de forma abusiva (RCD nos EDs nos EDs no AREsp 28.096/RJ, 4T, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dj 17.02.2014); o ajuizamento ou interposição de mais uma ação ou recurso visando aumentar as chances de êxito processual (REsp 1.055.241/SP, 1T, Rel. Francisco Falcão, Dj 18.08.2008). Ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está consolidada no sentido de que "a má-fé não pode ser presumida, sendo necessária a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo, nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil de 2015"2. Em outras palavras, até que se prove o contrário, presume-se boa-fé dos atos processuais praticados e para a configuração de má-fé, exige-se prova satisfatória de sua existência. Ademais, o STJ também apresenta entendimento pacífico no sentido de que "não se caracteriza como litigância de má-fé a utilização dos recursos previstos em lei, sem a demonstração de dolo da parte recorrente em obstar o normal trâmite do processo e o prejuízo que a parte contrária houver suportado, em decorrência do ato doloso"3. Salienta-se que "os advogados, públicos ou privados, e os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não estão sujeitos à aplicação de pena por litigância de má-fé em razão de sua atuação profissional"4. De acordo com o §6º do artigo 77 do CPC/2015, eventual responsabilidade disciplinar decorrente de atos praticados no exercício de suas funções deverá ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, a quem o magistrado oficiará. Em caso de litigância de má-fé, o caput do artigo 81 prevê dupla consequência: multa e o dever de arcar com todas as despesas da outra parte no processo, inclusive os honorários advocatícios. Dispõe-se que, de ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa - que deverá ser superior a 1% e inferior a 10% do valor da causa corrigido - a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. Entretanto, quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo (§2º, art. 81). Diante dessa perspectiva, um ponto a se destacar é que o STJ tem entendido que há incidência do imposto de renda sobre o valor recebido pela parte a título de indenização pela litigância de má-fé da parte contrária, pois considera que houve acréscimo ao patrimônio material do contribuinte, logo, resta configurado o fato gerador do imposto de renda. Nesse sentido, veja-se os seguintes precedentes: REsp 1.749.725/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Dj 08.02.2019; REsp 1.317.272/PR,  Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dj 28.02.2013; AgRg no AgRg no REsp 1.435.891/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Dj 13.05.2014. Na maioria dos casos, o próprio juiz fixará o valor da indenização, tornando-a de aplicação imediata, mas não sendo possível mensurar o valor, haverá liquidação por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos (§3º, art. 81). No entendimento de Humberto Theodoro Júnior, a liquidação "será recomendável apenas quando houver indícios de danos efetivos de grande monta, que não permitam a imediata e razoável quantificação"5. Portanto, com amparo no §3º do artigo 81, o juiz até pode arbitrar indenização imediatamente sem exigir prova exata do seu valor, porém, a exigência de comprovação do dolo é imprescindível. Além disso, a jurisprudência do STJ também tem considerado desnecessária a comprovação do prejuízo sofrido pela parte adversa, ou seja, sendo a litigância de má-fé reconhecida, isso é suficiente para a imposição de multa e indenização (perdas e danos)6. Na hipótese de pluralidade de litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária (§1º, art. 81, CPC/2015). Ademais, essa reparação decorrente de ato ilícito processual será devida ainda que o litigante de má-fé logre, ao final, sentença favorável, isto é, a reparação é devida independentemente do resultado da causa7. Por fim, importa ponderar que a multa por litigância de má-fé não se confunde com a multa por ato atentatório à dignidade da justiça. Além de terem os limites diferenciados, a multa por má-fé - de 1% até 10% do valor da causa corrigido - vai para a parte diretamente prejudicada, conforme o artigo 96, o valor das sanções impostas ao litigante desleal será revertido em benefício da parte contrária, e o valor das sanções impostas aos serventuários pertencerá ao Estado ou à União. Por sua vez, a multa por ato atentatório à dignidade da justiça - de até 20% do valor da causa - será sempre destinada aos cofres públicos e deverá ser revertida na criação de fundos de modernização do Poder Judiciário (§3º do art. 77 e art. 97, CPC/2015). ___________ 1 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, Abuso do Processo e Resistência às Ordens Judiciárias: O Contempt of Court. Revista de Processo. Vol. 102. Doutrinas Essenciais de Processo Civil. Pág. 219. 2 STJ. AgInt no AREsp 1.705.242/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, Dj: 30/11/2020. 3 STJ. REsp 1.628.065/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dj: 21/02/2017. 4 STJ. RMS 59.322/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, Dj: 05/02/2019. 5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 56º Ed., pág. 451. 6 STJ. REsp 1.628.065/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dj: 21/02/2017. EDs no REsp 816.512/PI, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, Dj: 28/11/2011. 7 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, m. 168, pág. 182.
quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Art. 95 do CPC - Remuneração do perito

Dentre as despesas processuais previstas em processos judiciais, os valores direcionados aos gastos com perícias podem compor parte substancial de tais gastos. O artigo 95 do Código de Processo Civil/20151 vem para substituir e inovar em relação ao disposto no artigo 33, CPC/2015 no que diz respeito ao pagamento de honorários periciais. Já no início, a previsão do artigo 95 do CPC/2015 mudou o vocábulo "pagará", previsto no artigo 33, CPC/1973, por "adiantará" quando se refere às remunerações do assistente técnico e perito. Com esta mudança o legislador resolveu antigo problema, pois para realizar a perícia ou mesmo acompanhá-la, peritos e assistentes têm custos e muitas vezes precisavam arcar com recursos próprios. Ao antecipar o pagamento foi retirada a discricionariedade da parte quanto ao momento de realizá-lo, contribuindo assim para um trabalho mais digno e efetivo do perito. O caput do artigo 95 do código vigente se refere a assistente técnico e perito, mas as normas seguintes pormenorizam a remuneração somente do perito. Isso se dá porque o assistente técnico é um auxiliar da parte e constitui faculdade desta indicá-lo, podendo a perícia ser realizada sem ele. Logo, mesmo que a parte que indicou o assistente técnico vença o processo, terá que arcar com o ônus desse pagamento2, não constituindo, nesse momento, relevante questão jurídica prever a fonte desses recursos. De modo diverso, a perícia, muitas vezes fundamental à compreensão da controvérsia processual, quando determinada de ofício ou requerida por ambas as partes terá a remuneração do perito rateada entre as partes. Esta é uma das inovações do CPC/2015, pois no diploma anterior, em ambas as situações, a responsabilidade pelo pagamento recaía para o autor. Tal situação era flagrantemente injusta pois no caso de as partes solicitarem a perícia, é evidente que ambas têm interesse na análise; de igual forma, quando o juiz determina a prova técnica, o interesse principal é a compreensão, pelo julgador, da matéria a ser apreciada, logo também de interesse de ambas as partes. Destaca-se que, igualmente o previsto no CPC anterior, permanece a obrigação de pagamento à parte que requerer assistente técnico ou perito de forma isolada. O parágrafo 1º do art. 95 do CPC/2015, não traz inovações em relação ao que previa o parágrafo único do art. 33 do Código revogado. Em ambos é apresentada a possibilidade de o juiz determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente à remuneração. O parágrafo 2º do art. 95, CPC/2015, revela o que pode ser considerado, junto ao rateio dos valores, a grande inovação em relação ao tema de despesas com a perícia, pois denota que a quantia recolhida em depósito bancário indicado por ordem do juízo será corrigida monetariamente e paga de acordo com o art. 465, §4º, CPC/2015. Esta previsão autoriza ao juiz o pagamento de até cinquenta por cento dos honorários arbitrados a favor do perito no início dos trabalhos e o valor restante deve ser pago apenas ao final, depois de entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários. No CPC/2015, passou-se a garantir a previsão de pagamento ao perito no início dos trabalhos, como forma de assegurar os instrumentais necessários à perícia, como também acrescentou a expressão "prestados todos os esclarecimentos necessários", que define que os honorários serão pagos na integralidade apenas após a conclusão do trabalho pericial, haja vista que após a entrega do laudo podem remanescer dúvidas ao juízo e/ou às partes, e para tanto é necessária a vinculação do perito ao processo até que as razões que ensejaram a necessidade de perícia sejam concluídas. Outra inovação do art. 95, CPC/2015, expressa no 3º parágrafo e seus incisos, prevê que nos casos em que a responsabilidade pelo pagamento recaia sobre beneficiário da justiça gratuita seja dada preferência à realização por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado e custeado com recursos alocados no orçamento do ente público. Caso a perícia não possa ser realizada por órgão público e assim, seja realizada por particular, o valor será fixado conforme tabela oficial do tribunal ou, quando não houver, do Conselho Nacional de Justiça. O pagamento, nesta hipótese, se dará com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal. Na hipótese de não existir recursos financeiros disponíveis para o adiantamento dos honorários do perito, quando devidos pelo Estado, esta despesa será paga pelo regime de precatório.3 Caso não existam profissionais disponíveis que aceitem o encargo remunerados pelas tabelas oficiais, poderá o juiz, ouvidas as partes, acolher proposta honorária distinta4. Esta situação vai ao encontro do disposto no art. 465, parágrafo 2º, I, segundo o qual, ciente da nomeação, o perito apresentará proposta de honorários. Após tal apresentação será facultado prazo às partes para que se manifestem e se prossiga o rito conforme o artigo 95, CPC/2015. Inova o CPC/2015 também ao referir a "possibilidade de o Poder Público promover a execução contra o vencido pelos valores adiantados para pagamento da perícia em favor do beneficiário da gratuidade da justiça5. Esta situação está inscrita no Art. 95, parágrafo 4º, CPC/2015, e define que nos casos descritos no parágrafo anterior, ou seja, quando a responsabilidade sobre o pagamento da perícia recaia sobre beneficiário da justiça gratuita, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público. Nesses casos, é observado o disposto no art. 98, parágrafo 2º, CPC/2015, segundo o qual "A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência", aplicando-se também as demais previsões legais no que se refere à gratuidade da justiça, arts. 98 a 102, CPC/2015. Por fim, o artigo 95, parágrafo 5º, CPC/2015 estabelece que nos casos citados no parágrafo 3º - ou seja, quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça - "é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública" para tal fim. Sobre este ponto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente proferiu decisão em acórdão imputando ao Estado a responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais nos casos em que a parte é beneficiária da gratuidade da justiça6. Nesse caso, intentava o Estado, em ação de usucapião, que fossem utilizados recursos do Fundo de Assistência Judiciária (FAJ) para pagamento de perícia, sob o argumento de que remanescia recursos do FAJ advindos de custas e emolumentos, todavia, a previsão legal que destinava estes recursos ao fundo foi revogada em 2003 e não havia prova nos autos que evidenciasse a vinculação. Como o FAJ é gerido pela Defensoria Pública, entendeu o STJ que a utilização de seus recursos afrontaria o disposto no art. 95, parágrafo 5º, CPC/2015. O artigo 95 do CPC/2015, inovou generosamente ao que previa a norma antecessora. A antecipação dos honorários periciais concedeu ao perito maior liberdade para realizar as despesas necessárias ao bom e fiel cumprimento de seu trabalho. Ademais, a inclusão de expressão que vincula o perito ao processo até que todos os esclarecimentos tenham sido realizados estabeleceu maior segurança ao juízo e às partes no que tange ao trabalho realizado. Também se destaca o rateio da perícia quando determinada de ofício ou requerida por ambas as partes, pois compreendeu o legislador que nesses casos, quando é determinada a perícia, não é possível saber a quem ela beneficiará, sua função é justamente esclarecer situações que podem ser benéficas a autor ou réu. Por esta razão, acertou o legislador ao positivar normas que anteveem desgastes e dissabores no custeio de despesa essencial à compreensão e decisão justa em diversos litígios, a perícia. __________ 1 Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes. § 1º O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente. § 2º A quantia recolhida em depósito bancário à ordem do juízo será corrigida monetariamente e paga de acordo com o art. 465, § 4º . § 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser: I - custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado; II - paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça. § 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2º . § 5º Para fins de aplicação do § 3º, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública. 2 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 95. 3 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda, et al (coordenadores). Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 4 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 165. 5 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 163. 6 AgInt no RMS 66913 / SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 21/02/2022, Processo eletrônico DJe-24/02/2022.
quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Arts. 332 e 1.013 do CPC - Teoria da Causa Madura

Considerando o princípio da razoável duração do processo, introduzido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 45/2004, o Código de Processo Civil de 2015 criou, ampliou e manteve mecanismos destinados à diminuição da morosidade processual do Poder Judiciário. A teoria da causa madura, por exemplo, é um desses mecanismos que permaneceu no CPC/2015 e adquiriu inovações significativas. Denomina-se "causa madura" aquela que tem condições para julgamento imediato, pois a instrução probatória já foi exaurida. Trata-se de um instituto processual excepcional, que possibilita que o juízo em grau de recurso - o órgão ad quem - realize o julgamento do mérito de uma ação que, em decorrência de vício, foi inicialmente julgada extinta. Originalmente, em outras palavras, invoca-se essa teoria em sede recursal, nos processos que foram julgados extintos por sentença terminativa, requerendo provimento ao recurso e o pronto exame do mérito da ação sem que os autos retornem ao juízo de origem. A teoria da causa madura foi inserida no sistema processual brasileiro por meio da lei 10.352/2001 que acrescentou ao CPC/1973 o §3º no artigo 515 estabelecendo que "nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento". Esse instrumento foi aprimorado no CPC de 2015, contando com alteração de requisito e possibilidade de aplicação não apenas em grau recursal. Em razão do compromisso do atual sistema processual com a mais justa e célere resolução de processos, a teoria da causa madura teve a sua aplicação expandida para outras hipóteses. De acordo com o §1º do artigo 332 do CPC/2015, nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição. Essa hipótese é uma inovação lida como a aplicação da teoria da causa madura no âmbito do primeiro grau de jurisdição. Como visto, no texto do código anterior o fato de "a causa versar questão exclusivamente de direito" - aquela sobre a qual não há fatos controvertidos - era requisito fundamental para a aplicação da teoria. Todavia, perante inúmeras discussões acerca da aplicação desse dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência sobre a teoria da causa madura no julgamento do EREsp nº 874.507/SP, no ano de 2013, fixando que "ainda que a questão seja de direito ou de fato, não havendo necessidade de produzir prova (causa madura), poderá o Tribunal julgar desde logo a lide, no exame da apelação interposta contra a sentença que julgara extinto o processo sem resolução do mérito"1. Em conformidade com o entendimento do STJ, o §3º do artigo 1.013 do CPC/2015, subtrai o trecho que falava em "questão de direito" e subsiste como requisito apenas a condição de imediato julgamento, devendo o tribunal decidir desde logo o mérito quando: I) reformar sentença sem julgamento de mérito fundada nas hipóteses do art. 485; II) decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; III) constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; e IV) decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. Para além do referido §3º, o §4º art. 1.013 do CPC/2015 reforça que "quando reformar sentença que reconheça a decadência ou prescrição, o tribunal, se possível julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau". Diante de seu significativo caráter modificador de realidades concretas, a teoria da causa madura é objeto de intensa discussão doutrinária, sobretudo no que se refere à necessidade ou dispensabilidade do requerimento do apelante. Para Fredie Didier Júnior, a aplicação do art. 1.013 do CPC/2015 demanda "o requerimento do apelante"2. No mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior argumenta que proferir decisão de mérito sem o devido requerimento da parte em procedimento recursal afronta o direito das partes, "sobretudo do litigante que vier a experimentar a derrota"3. Se de um lado há quem defenda que o interesse do recorrente de que os autos retornem [ou não] ao juízo anterior é fator determinante para a aplicação da teoria da causa madura, por outro, há o entendimento de que o emprego da palavra "deve"4 impõe obrigação ao julgador de decidir prontamente o mérito da causa madura, dispensando a expressa solicitação da parte recorrente5. Nesse contexto, aparenta ser razoável argumentar que caberia ao peticionante veicular sua vontade de forma expressa no recurso: se não há interesse de aplicação da causa madura, o pedido deve ser manifesto no sentido de que após o provimento do recurso os autos sejam devolvidos ao juízo a quo para análise de mérito, nesse caso o tribunal não poderá examinar o mérito sob pena de exarar decisão extra petita; noutro sentido, se há interesse na invocação da teoria da causa madura, deve-se requerer que o tribunal analise de pronto o mérito da causa, assim, se não o fizer, o tribunal estará decidindo de maneira citra petita por força da teoria da causa madura. Ocorre que, de acordo com a doutrina de Gervásio Lopes Jr6, preenchidos os requisitos legais, o recorrido não tem a faculdade de afastar a aplicação da teoria da causa madura e pleitear a remessa dos autos à origem para que se proceda a análise de mérito, pois tal situação seria afrontosa ao direito da outra parte obter a razoável duração do processo. Recente decisão da terceira turma do STJ manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) que, após afastar parcialmente a prescrição de uma ação indenizatória, julgou o mérito por entender suficientes as provas juntadas até então. Ao concluir seus argumentos para o desprovimento do recurso, o ministro relator destaca ainda que "os recorridos pediram, na apelação, o afastamento da prescrição e o julgamento da causa com o reconhecimento do direito à indenização material com base no laudo pericial produzido na ação de divisão"7. Em outras palavras, o pedido da parte tonifica a teoria da causa madura e reitera a incumbência do tribunal no caso. Por sua vez, a jurisprudência do STJ já está consolidada no sentido de que "extinto o processo sem julgamento do mérito, o Tribunal pode de imediato julgar o feito, ainda que inexista pedido expresso nesse sentido"8. Numa análise crua e introdutória é possível observar que a partir do momento em  que a teoria da causa madura impossibilita a apreciação do mérito no primeiro grau, por consequência, aflige a garantia do duplo grau de jurisdição. Diante disso questiona-se: a teoria da causa madura apresenta um conflito entre os princípios constitucionais da razoável duração do processo e do duplo grau de jurisdição? O entendimento doutrinário que prevalece é que não há conflito entre esses  princípios. É verdade que a teoria em comento apresenta uma mitigação da garantia do duplo grau de jurisdição, mas tal enfraquecimento não configura supressão de instância porque é justificado pela possibilidade concreta de se realizar a devida prestação jurisdicional de maneira justa, célere e efetiva. Ademais, o duplo grau de jurisdição se encontra minorado na própria Constituição Federal, que prevê a possibilidade de causas serem decididas em única instância (art. 102, III). Nas palavras de Cândido Dinamarco, "há de considerar ainda que o duplo grau possui índole ideológica, pois permite uma melhor reflexão sobre a decisão e também pedagógica, uma vez que condiciona o juízo a quo a atentar sobre a legalidade de sua decisão. Entretanto, em que pese a relevância dessas questões, é plenamente justificável a relativização de tal preceito, desde que feita com responsabilidade e observando-se os limites legais, visto que intenciona-se a celeridade processual e a entrega de uma prestação jurisdicional justa e eficiente"9. Sem a pretensão de esgotar o assunto, verifica-se que a teoria da causa madura não pretende tão somente a abreviação do processo, partindo do pressuposto de que uma prestação jurisdicional tardia é uma prestação injusta. Trata-se, ao invés disso, de um instrumento processual que viabiliza a prolação de decisões judiciais cada vez mais justas e efetivas. A celeridade processual é um dos pontos nodais do CPC/2015, sendo os incrementos à causa madura importantes dissoluções para a promoção da razoável duração do processo e para o estabelecimento da segurança jurídica. __________ 1 STJ. EREsp nº 874.507/SP, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, julgado em 19/06/2013, DJe 1º/07/2013. 2 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: 3 meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13 ed. reform. Salvador: Ed JusPodivm, 2016. 3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. vol. 3. 48ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2016. 4 CPC/2015. Art. 1.013. "§3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:" 5 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a lei 13.256, de 4-2-2016. Volume único. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016. 6 LOPES Jr.,Gervásio. Julgamento direto do mérito na instância recursal (art. 515, § 3º, CPC).   Imprenta: Salvador, JusPodivm, 2007. 7 STJ. REsp nº 1.845.754. Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. DJe 31.08.2021. Pág. 9. 8 STJ. REsp n° 1.192.287-AgRg. Relator o Ministro Benedito Gonçalves. Primeira Turma. DJe 10.05.2001. 9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1995, p. 159. 1995, pág. 159.
quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Arts. 92, 93 e 94 do CPC - Custas processuais

A realização de atos processuais implica em investimento de tempo e dinheiro. Compatibilizar estas variáveis com melhor proveito às demandas judiciais, implica as partes e eventuais interessados com a celeridade e as despesas realizadas na prestação jurisdicional. Este é um dos horizontes almejados na redação dos artigos 92, 93 e 94, preceituados no Código de Processo Civil/2015, e que encontra equivalência no CPC/1973, norma revogada. O artigo 92, CPC/2015, estabelece que o autor fica impedido de propor a ação novamente enquanto não pagar ou depositar em cartório as despesas e honorários a que foi condenado no processo em que o juiz proferiu sentença sem resolução de mérito por requerimento do réu. Esta norma se assemelha ao artigo 28 do CPC/1973, e não trouxe modificações relevantes, mas cabe destacar alguns pontos relativos a sua interpretação. A sentença extingue o processo (Art. 316, CPC/2015) e os casos em que a extinção se dá sem resolução de mérito estão previstos no artigo 485 do CPC/2015, são exemplos a ausência de legitimidade ou de interesse processual da parte, a existência de litispendência ou coisa julgada envolvendo a matéria, entre outros. A obrigatoriedade do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários do advogado para que se possa ingressar com nova ação será novamente reafirmada no artigo 486, CPC/2015. Nesse sentido, a doutrina tece críticas à reprodução da norma: "[...] o art. 92 reproduz mal a norma do art. 486, passando a falsa impressão de que apenas, quando o processo for extinto sem resolução de mérito, a requerimento do réu, é vedado ao autor intentar de novo a ação, sem realizar os pagamentos devidos em cartório"1. Sobre o trecho em destaque, o autor adverte que as despesas e honorários já não são feitos em cartório há muito tempo, mas sim por meio de guia de depósito judicial própria em estabelecimento bancário, ou seja, o novo Código já poderia trazer esta atualização. Ademais, diferentemente do que faz crer a redação do artigo 92, CPC/2015, qualquer que seja a causa de extinção do processo dentre aquelas elencadas no art. 485, CPC/2015, o autor fica impedido de ingressar com nova ação até que cumpra a exigência de pagamento das despesas e honorários a que foi condenado. O art. 93 do CPC/2015, também não trouxe relevantes mudanças na comparação com o artigo 29 do diploma anterior, todavia, a redação está mais clara e objetiva. O normativo visa coibir a prática de adiamentos e repetições de atos judiciais. Assim, impõe à parte, auxiliar de justiça, órgão do Ministério Público, Defensoria Pública ou juiz que houver dado causa ao adiamento ou repetição sem justo motivo a incumbência de arcar com as despesas de tais atos, de modo a evitar adiamentos e repetições desnecessárias de atos processuais, bem como que os envolvidos nos atos processuais sejam diligentes e comprometidos com a celeridade da prestação jurisdicional. Esta norma não é destaque no Supremo Tribunal Federal tampouco no Superior Tribunal de Justiça, que sem prejuízo de que possam fazer uso do normativo, não se prestam ao reexame de fatos e provas (Súmula 279/STF e súmula 7/STJ) e por isso o alcance da norma nestas instâncias fica limitado. A jurisprudência, no que tange ao dispositivo, ganha realce em juízos de primeiro grau, visto que se sobressai no contexto da repetição de perícias judiciais. Quando a parte, descontente com o apurado e diante da desconfiança de que a perícia cometeu equívocos nos cálculos ou apreciação dos fatos, solicita a repetição do ato, esta arcará com as novas despesas processuais a que deu causa. De igual modo, outra pessoa ou ente envolvido na demanda, também será responsável pelas despesas a que der causa em virtude de adiamento ou repetição do ato2. Aqueles que derem causa ao adiamento ou à repetição do ato serão os responsáveis pelas despesas que ocorrerem, ainda que não sejam os entes expressamente citados no art. 93 do CPC/2015. É o caso, por exemplo, das intimações das partes e de testemunhas que estiverem a cargo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT); caso não cumpridas ou feitas de forma irregular e com isso cause o adiamento ou a repetição de ato processual, os Correios, órgão auxiliar extravagante, serão responsáveis pelas despesas ocorridas3. Entretanto, é difícil comprovar que o atraso ou a repetição tenha se dado por responsabilidade exclusiva dos Correios e não em virtude de causas naturais ou o do próprio curso do processo judicial, a exemplo de acúmulo de processos a serem julgados, dentre outros. Outro caso de distribuição no pagamento de despesas processuais se refere aos processos com atuação de assistente, espécie de intervenção de terceiros prevista nos artigos 119 a 124 do CPC/2015. O artigo 94 do mesmo Código aborda a questão das despesas processuais relativas a este terceiro interessado. Prevê o dispositivo que o assistente será condenado ao pagamento das custas em proporção à atividade que houver exercido no processo se o assistido for vencido. Este artigo guarda correspondência com o artigo 32 do CPC/1973 e não alterou o sentido da previsão normativa. O objetivo da norma é conferir maior justiça na divisão das despesas processuais que a parte vencida deve custear. Isto é, caso o assistido seja vencedor na demanda, seu interesse ao ingressar no processo foi atendido, ou seja, o próprio êxito na pretensão judicial, e também, por não ser parte processual, não terá direito a reembolso de eventuais despesas que tenha realizado tampouco de honorários advocatícios. Todavia, caso o assistido seja vencido na demanda, caberá ao assistente o pagamento das custas na proporção com a atividade que tiver exercido no processo, isto é, o assistente não pagará tudo, tampouco a divisão será exata entre assistente e a parte assistida, mas será proporcional ao que efetivamente o assistente trabalhou. Os artigos 92, 93 e 94, CPC/2015, não trouxeram modificações relevantes em relação ao CPC revogado, entretanto, destacam-se pela acurácia com que foram elaborados já no Código de Processo Civil de 1973 e que permanecem no contexto legislativo e judiciário atual. O fato de não terem sido modificados ressalta a importância da parcimônia e acuidade quando da elaboração de um novo código de processo; estas normas são essenciais para aferição de quem é o responsável pelo pagamento de custas e, logo, para a celeridade processual. __________ 1 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 89. 2 RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal. Apelação cível nº 0013070-76.2004.4.02.5101. Decisão. Juíza Sandra Meirim Chalu Barbosa de Campos. Rio de Janeiro, 23 set. 2016. Pág. 388, JFRJ do TRF-2 de 30 set. 2016.) 3 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 91.
terça-feira, 16 de agosto de 2022

Art. 85, § 8º do CPC - Honorários por equidade

O Código de Processo Civil de 2015 positivou grandes avanços no que tange à disciplina dos honorários advocatícios. O diploma pacificou divergências jurisprudenciais e uniformizou o entendimento acerca de diversos aspectos da matéria, garantindo dignidade e segurança jurídica ao exercício profissional da advocacia, função essencial à administração da justiça, nos dizeres constitucionais. Todavia, a classe ainda enfrentava problemas quando se tratava da fixação de honorários por equidade, haja vista sua aplicação arbitrária e mesmo contrária à expressa previsão legal. O parágrafo 8º do artigo 85 do CPC estabelece que nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do parágrafo 2º, isto é, o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e a importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. A citada previsão não modifica substancialmente o disposto no parágrafo 4º do artigo 20, CPC/1973, inclusive os parâmetros a serem observados pelo juiz ao fixar o valor dos honorários sucumbenciais nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico seguem os mesmos, com igual redação ao CPC revogado. Cabe dizer que as causas de "valor inestimável" são aquelas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como as pertinentes ao estado e à capacidade das pessoas, tais como divórcio, anulação de casamento, interdição e emancipação, por exemplo1. Já o "irrisório proveito" não é definido ou delimitado pelo atual CPC, de tal sorte, que diante da ausência de parâmetro monetário que estabeleça limites ao que pode ser considerado irrisório, o ajuste dos valores acaba por ficar exposto aos critérios subjetivos do juiz. O termo equidade, por sua vez, não possui conceito preciso, mas busca revelar a ideia de "justiça do caso concreto", em que o julgador deve considerar as especiais circunstâncias que o cercam, e as condições pessoais dos envolvidos na demanda.2 Com a vagueza dos termos vinculados ao juízo de arbitramento, assim como a própria subjetividade do julgador, havia grande disparidade no arbitramento dos honorários sucumbenciais. De modo a ordenar esta situação, a recente Lei nº 14.365, de 2 de junho de 2022, acrescentou o parágrafo 8º-A ao artigo 85 do CPC/2015, prevendo que o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no parágrafo 2º do mesmo artigo, aplicando-se o que for maior.  O acréscimo do parágrafo 8º-A ao artigo 85, CPC/2015, é um avanço na lei e um marco legal para a subsistência da advocacia. O CPC agora fixa índices e retira a subjetividade que a apreciação do termo equidade pode conferir, pois tradicionalmente resultava no aviltamento dos honorários. O novo normativo contemplou o entendimento fixado no Tema 1.0763 dos recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça, julgado em março de 2022. O Tribunal pacificou o entendimento de que a equidade somente deverá ser utilizada como parâmetro no arbitramento dos honorários de sucumbência nas causas em que o proveito econômico for irrisório ou inestimável, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo; sendo vedada quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. Notadamente a advocacia se via injustiçada em relação aos honorários sucumbenciais a serem recebidos, pois antes do acréscimo do parágrafo 8º-A ao artigo 85 do CPC/2015, tinha-se a seguinte situação: quando os valores a serem recebidos eram baixos, a advocacia estava sujeita ao crivo e bom senso do magistrado para o recebimento de honorários sucumbenciais justos, e muitas vezes os valores recebidos eram ínfimos, todavia, quando os valores auferidos a título de honorários sucumbenciais, em estrito cumprimento da previsão legal, deveriam ser elevados, muitas vezes o juiz da causa atuava para que a previsão do CPC fosse aplicada à parte e os honorários fossem minorados. Esta situação evidenciava o prejuízo para a classe advocatícia quaisquer que fossem as situações. A decisão do STJ no tema repetitivo 1076 avançou em relação à jurisprudência firmada pelo Tribunal durante a vigência do CPC de 1973, que tinha por base as situações em que a Fazenda Pública fosse vencida. Ocorre que o parágrafo 3º do artigo 85, CPC/2015, já prevê a fixação escalonada da verba de sucumbência nas causas em que a Fazenda Pública for parte no litígio, impedindo o enriquecimento sem causa do advogado da parte adversa e a fixação de honorários excessivamente elevados contra o ente público, logo, acertadamente, a mais recente decisão do STJ avançou na garantia à justa remuneração aos advogados vencedores em demandas judiciais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de modo diverso, admite que em hipóteses nas quais o valor da causa e/ou do proveito econômico almejado seja muito alto, a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais se dê por equidade4. Esta jurisprudência certamente será superada, em virtude da mencionada mudança legislativa no Código de Processo Civil. Em recente oportunidade, quando instado a se manifestar sobre majoração de honorários sucumbenciais em fase recursal, o tribunal pleno do STF decidiu apenas por dobrar o percentual fixado no juízo de origem, que era de 1%, cumprindo o previsto no artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015 (honorários recursais), haja vista a fixação por equidade ter se dado na vigência do CPC/19735 , mas já agrega a recente mudança no CPC ao exame da causa. Por fim, é de se ressaltar a grande conquista da advocacia brasileira com as recentes garantias legais. Atualmente, embora persista a previsão de equidade no arbitramento dos honorários sucumbenciais, a nova legislação afastou a subjetividade e vagueza do termo, ao estabelecer que a tabela de honorários da OAB será o parâmetro nas causas de baixo valor. Também foi superada a problemática aplicação da equidade quando os valores a serem auferidos pelos advogados forem elevados, com a reafirmação do percentual mínimo de 10%, tal qual prevê o parágrafo 2º do artigo 85, CPC/2015. Os honorários sucumbenciais compõem importante parcela dos proventos de muitos advogados e assim como honorários contratuais são verbas de natureza alimentar. Defender o avanço e a garantia do exercício profissional digno e respeitado é, em última instância, defender o acesso à justiça e a garantia de direitos aos cidadãos. O advogado é a voz do cidadão nas disputas judiciais e a sua valorização é indispensável à prestação do seu serviço com autonomia, independência e dignidade. __________ 1 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 50. 2 ALVIM, J.E. Carreira. Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 - Atualizada pela Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016 - Volume II - Arts. 82 ao 148. Curitiba: Juruá, 2015, p. 50. 3 i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 4 Rcl 43869 AgR-ED-segundos-ED, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/09/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 03-12-2021 PUBLIC 06-12-2021. 5 ARE 1374233 AgR, Relator(a): LUIZ FUX (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-126  DIVULG 28-06-2022  PUBLIC 29-06-2022).
A elaboração do Código de Processo Civil de 2015 foi orientada por uma forte valorização dos precedentes. Ao estabelecer que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente1, o diploma processual instituiu um imperativo à uniformidade, estabilidade, integridade e coerência das decisões judiciais. O código apresenta, de forma inovadora, que as demandas repetitivas serão resolvidas por meio de uma técnica processual que possui a natureza jurídica de incidente. Inicialmente inspirado no instituto do Musterverfahren do sistema jurídico alemão, que atribuía força vinculativa à decisão de mérito no procedimento-modelo2, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é uma das novidades do diploma processual brasileiro e tem a "finalidade de auxiliar no dimensionamento da litigiosidade repetitiva mediante uma cisão da cognição por meio do procedimento-modelo ou procedimento-padrão"3. Em outras palavras, esse incidente tem por objetivo a concentração da apreciação de questões jurídicas - de direito material ou processual - comuns a casos similares, de forma que a matéria seja pacificada e passe a vincular os demais casos semelhantes. Trata-se de uma técnica procedimental cabível quando houver, simultaneamente, nos termos do artigo 976 do CPC, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. O Código não foi específico no que tange ao número mínimo de processos repetitivos que teriam o potencial de fomentar o incidente em comento. Nesse contexto, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado 87 e passou a considerar que "a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica"4. De acordo com o artigo 977 do CPC, o pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal e poderá ser suscitado pelo juiz ou relator (por ofício), pelas partes (por petição), pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública (por petição). Tanto o ofício quanto a petição devem ser bem fundamentados e instruídos com os documentos aptos para a demonstração de sua necessidade e utilidade5. O incidente não exige o pagamento de custas6 e como as partes gozam da liberdade de desistir do processo a qualquer tempo, o §1º do artigo 976 do CPC prevê que a desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente. A interferência do Ministério Público é obrigatória e, na hipótese de desistência ou abandono do requerente, é o órgão ministerial quem assumirá a causa na qualidade de parte, porém, a decisão proferida nos autos não afetará a parte que desistiu da ação7. Nos termos do §3º do artigo 976, a inadmissão do incidente por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado. Nessa toada, o parágrafo seguinte estabelece que é incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. A doutrina elucida que o IRDR é trifásico, sendo a primeira fase a instauração e admissão do incidente. Nessa etapa inaugural, abarcam-se tanto os atos preparatórios ao debate como o reconhecimento do objeto em que incidirá a tese jurídica formulada. A segunda fase é da afetação e instrução, momento em que se compreende a delimitação da estruturação, atuação dos legitimados presentes no rol do artigo 977 do CPC, as possibilidades de intervenção e os atos instrutórios. A terceira fase, por sua vez, é o julgamento, em que se fixa a tese jurídica e os possíveis recursos que podem ser interpostos contra esse pronunciamento judicial8. O incidente de resolução de demandas repetitivas enquadra-se no que a doutrina tem denominado de "instrumento de molecularização de demandas atomizadas"9. Ressalta-se que o IRDR não é uma ação autônoma, tampouco um recurso. Trata-se de um incidente processual, ou seja, é o apontamento de questão controvertida com o objetivo de se obter tutela jurisdicional e fixação de um precedente. Por meio desse incidente obtém-se uma decisão judicial dotada de eficácia vinculante. A instauração desse instrumento tem como fundamento essencial três princípios constitucionais, quais sejam: a isonomia, que visa garantir igual tratamento em casos iguais; a razoável duração do processo, assegurando a celeridade processual como um elemento básico; e a segurança jurídica, possibilitando previsibilidade do resultado a partir de um caso paradigmático, previamente estabelecido pelos tribunais, para garantir a uniformidade das decisões. No âmbito do Poder Judiciário, a valorização dos precedentes deve ser articulada ao princípio do livre convencimento do magistrado. A vinculação ao precedente não é centrada nas circunstâncias fáticas que serviram de base à controvérsia, mas sim nos fundamentos que sustentaram a decisão a ser reproduzida em casos futuros. O livre convencimento faz-se presente na abertura do sistema à possibilidade de o magistrado, aplicar o precedente ou deixar de fazê-lo. A vinculação dá-se no que respeita à norma contida na ratio decidendi do precedente, não restringindo a autonomia de julgamento, mas criando "uma disciplina mais clara do método de trabalho do juiz"10. Depois de dois anos de vigência do CPC/2015, o grupo de pesquisa Observatório Brasileiro de IRDRs da Universidade de São Paulo (USP), campus Ribeirão Preto, publicou o primeiro relatório analítico de um estudo acurado sobre a aplicação do novel incidente. A partir dos dados apresentados, em análise geral dos tribunais estaduais, verifica-se que a proporção de incidentes não admitidos é de 70%11. Por outro lado, "retirando da análise do total de incidentes instaurados apenas aqueles do TJSP e do TJRJ, os quais concentram o maior número de incidentes inadmitidos, a proporção entre inadmitidos/admitidos cai para 61% (inadmitidos)/ 39% (admitidos)12. Na mesma linha, refazendo a análise do julgamento de admissibilidade sem a contagem dos tribunais de grande porte (TJRJ, TJSP, TJRS, TJPR e TJMG) - de acordo com os critérios do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça13 -, a proporção entre inadmitidos/admitidos cai para 58% (inadmitidos) e 42% (admitidos)14. A pesquisa identificou que 60% dos pedidos de instauração do incidente são suscitados pelas partes, seguidas pelos membros dos tribunais, com 32%, e por último aparecem o Ministério Público e a Defensoria Pública, com 5% e 0,5% respectivamente. Contudo, embora as partes sejam responsáveis pelo maior número de solicitações de instaurações de IRDRs, são os membros dos tribunais - incluindo relatores, câmaras ou órgãos dos tribunais e juízes de primeira instância - que têm obtido a maior parte das decisões favoráveis à admissibilidade do incidente. Enquanto o Poder Judiciário conta com um índice de sucesso de 55%, as partes do processo originário somam apenas 17%15. No que concerne à matéria discutida, revela-se a predominância de incidentes que abordam questões de direito administrativo, incidindo em 37,37% da amostra total, seguidos das matérias de direito processual com 29,23%, direito civil com 19,79% e tributário com 16,98%16. Por outro lado, resultados da pesquisa revelam ínfima preocupação com a abordagem acerca da representatividade do caso paradigma, caso-padrão do IRDR, pelos tribunais. Da amostra de 196 julgamentos em que o incidente foi admitido, em consulta ao acórdão disponibilizado foi possível verificar que em apenas 2% dos casos houve a análise de representatividade do caso17. Outro dado interessante é que o tempo médio entre o julgamento de admissibilidade e de mérito dos IRDRs de todos os tribunais é de 9,29 meses e na maioria dos casos analisados em que houve julgamento do mérito não foram apresentados recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF)18. Nesse ponto, cabe assinalar que se cada tribunal dita suas próprias normas sobre questões que afetam todo o cenário nacional, cria-se a possibilidade de uma "federação pelo Judiciário"19. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, foi instituída dogmática adequada a um processo objetivo que permite soluções uniformes a casos em que sejam veiculadas as mesmas questões de direito, garantindo assim segurança, previsibilidade e racionalidade à ordem jurídica como um todo. A valorização do precedente judicial pelo atual CPC integra um processo de commonlawlização do direito brasileiro orientado à busca de uma prestação jurisdicional isonômica, célere e segura. Isso significa que, além da inspiração alemã, a Comissão do Anteprojeto do CPC/2015 também foi instigada pela sistematização do Reino Unido, afastando da figura do juiz a legenda de mero aplicador da lei, concedendo-lhe legalmente a competência de intérprete, e promovendo a jurisprudência à fonte de direito. A propensão do Brasil para beber de várias experiências mundiais decorre, entre inúmeros motivos, da formação recente desta nação habituada ao sincretismo, ao pluralismo e à diversidade. A sociedade brasileira não é monolítica ou fundamentalista. No direito constitucional, o Brasil adota os modelos de controle concentrado e difuso, experimentando os modelos europeu e americano. No direito processual, tal fenômeno ocorre com a aproximação dos sistemas da common law e da civil law. A prática e a aplicação do instituto do IRDR serão decisivas para o aprimoramento e a consecução de seus objetivos, com vistas a assegurar isonomia, razoável duração do processo e segurança jurídica. __________ 1 CPC/2015. Art. 926. 2 CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Revista de processo, v. 32, n. 147, p. 123-146, maio 2007. 3 AMARAL, Sérgio Tibiriçá; CEGARRA, Carolina Menck de Oliveira; MIZUSAKI, Bianca Thamiris. Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas: uma análise crítica à lus dos princípios constitucionais. P. 243. 4 Disponível aqui. 5 CPC/2015. Art. 977, parágrafo único. 6 CPC/2015. Art. 976, §5°. 7 CPC/2015. Art. 976, §2°. 8 TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2017. P. 277. 9 PINTO, Luis Filipe Marques Porto Sá. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios: tendência de coletivização da tutela processual civil. Revista de processo, v. 35, n. 185, p. 117-144, jul. 2010. P. 185. 10 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O livre convencimento motivado não acabou no novo CPC. Acesso em 28 de setembro de 2016. 11 FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. I Relatório de Pesquisa. Observatório Brasileiro de IRDRs: Dados de incidentes suscitados de 18 de março de 2016 a 15 de junho de 2018. Coordenação de Camilo Zufelato. Ribeirão Preto: novembro de 2019. Disponível aqui. P. 26. 12 Idem. P. 38. 13 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2021. Brasília: CNJ. 2021. P. 34. Disponível aqui. 14 FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. I Relatório de Pesquisa. Observatório Brasileiro de IRDRs: Dados de incidentes suscitados de 18 de março de 2016 a 15 de junho de 2018. Coordenação de Camilo Zufelato. Ribeirão Preto: novembro de 2019. P. 44. 15 Idem. Pp. 59-63. 16 Ibidem. P. 67. 17 Ibid. P. 81. 18 Ibid. Pp. 122-125. 19 Termo proposto por Teresa Arruda Alvim quando opinou sobre as inadmissões de recursos especiais em IRDR.
Os princípios da sucumbência e da causalidade são critérios importantes para se designar a quem cabe o ressarcimento de despesas e honorários advocatícios. Em conformidade com os referidos postulados, o artigo 90 do Código de Processo Civil (CPC/2015) estabelece que se o processo terminar por desistência, renúncia ou pelo reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu. Desistência e renúncia são expressões sinônimas, ambas se referem à abdicação de algo, contudo, sob a ótica processualista, tratam-se de conceitos distintos e com efeitos igualmente diferentes. A desistência se refere à abdicação do direito processual, com ela não se encerra de fato a questão discutida no litígio, pois não há resolução do mérito, tem-se apenas uma sentença meramente terminativa, conforme o inciso VIII do art. 485, CPC/2015. Segundo a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, desistindo da ação, a parte autora desiste de ter seu pedido apreciado pelo juiz1. Já a renúncia se refere à abdicação do direito material, a partir dela não se pode mais discutir a mesma matéria, pois encerra-se a demanda com resolução do mérito, nos termos da alínea c do inciso III do art. 487, CPC/2015. Na conceituação de Dinamarco, "a renúncia ao direito é o ato unilateral com que o autor dispõe do direito subjetivo que vinha afirmando ter e que, se realmente tivesse, por essa razão deixará de ter"2. Isto é, com a renúncia se "abre mão do próprio direito material que busca ver reconhecido em juízo"3. Enquanto a desistência da ação é ato privativo do autor, que gera a revogação explícita do litígio sem julgamento de mérito, a renúncia é um meio de autocomposição que possibilita o sacrifício do direito, impossibilitando o ajuizamento de nova ação sobre a mesma demanda. Por sua vez, o reconhecimento do pedido, é uma ação do réu de caráter irretratável e tem como consequência a procedência da ação. Vê-se, portanto, que se tratam de três institutos jurídicos diferentes, não obstante, em todos os casos, via de regra, a parte que desistiu, renunciou ou reconheceu é quem responde pelas custas processuais. Em contrapartida, se a desistência, renúncia ou o reconhecimento for parcial, segundo o §1º do artigo 90, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu. De acordo com o artigo 485 do CPC/2015, a parte pode desistir até a prolação da sentença e se apresentada contestação, a desistência só ocorrerá com o consentimento do réu. Como dito, via de regra, é o desistente que suporta o ônus da sucumbência, entretanto, com fundamento no princípio da causalidade, a jurisprudência tem excepcionalmente admitido que o réu sustente as despesas e os honorários advocatícios, nos casos em que ele tenha dado causa à propositura da ação. No julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 604.325/SP, o Superior Tribunal de Justiça, reiterou essa jurisprudência ao ponderar que "no processo civil, para se aferir qual das partes litigantes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e custas processuais, deve-se atentar não somente à sucumbência, mas também ao princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes (REsp n. 1.223.332/SP)"4. Nessa hipótese, em que pese o autor tenha desistido da ação, por força do princípio da causalidade,  não se aplica o caput do artigo 90 do CPC e quem arca com as custas é o réu. Outra curiosidade jurisprudencial que abarca o princípio da causalidade é o reconhecimento da procedência do pedido de forma tácita, a partir de algumas ações e comportamentos do réu, por exemplo: a desocupação voluntária do imóvel enquanto tramita uma ação de despejo; a dívida paga de forma voluntária na fase de execução; ou o adimplemento de aluguéis atrasados após o ajuizamento da ação. Com esses comportamentos manifestos pelo réu, entende-se que houve o reconhecimento da procedência do pedido de forma tácita, o que gera uma sentença com ônus sucumbenciais ao polo passivo. No entanto, conforme o inovador §4º do artigo 90 do CPC/2015, se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade. Ou seja, tal previsão legal é aplicável aos casos de reconhecimento tácito anteriormente exemplificados, pois, não basta que haja o reconhecimento da procedência do pedido, é imprescindível que haja o cumprimento integral e espontâneo da prestação reconhecida. Dessa maneira o CPC incentiva as formas alternativas da solução do conflito, pois, como acertadamente aponta Didier Jr., "o prolongamento do processo, com a consequente elevação dos custos, representa uma denegação da justiça, provocando danos econômicos às partes"5. Noutra hipótese, repetindo o que versava do Código de Processo Civil de 1973, o §2º do artigo 90 do CPC/2015 reitera que havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente. Para estimular acordos, pacificação das partes e a celeridade processual, o CPC/2015 acrescentou, no §3º do artigo 90, que se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se houver. Ressalta-se que o STJ já assentou que as despesas processuais a que se referem os mencionados dispositivos não abrangem os honorários sucumbenciais. Entende-se que "o pagamento dos honorários advocatícios não pode ser dispensado pelas partes ao firmarem transação, tratando-se de parcela autônoma que não lhes pertence, mormente quando os advogados não participam do acordo (Precedentes)"6. Em outras palavras, a transação das partes tem efeitos restritos e não pode atingir direitos de terceiros que dela não participaram, na ausência de expressa renúncia dos advogados, persistem seus direitos aos honorários advocatícios. Nesse mesmo sentido, veja-se o §4º do artigo 24 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil: "o acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença". De forma geral, é notável que o CPC/2015 replicou em seu artigo 90 o que dispunha o diploma processual anterior em seu artigo 26. Nada obstante, privilegiando a boa-fé, a autocomposição, a celeridade dos procedimentos e mirando no descongestionamento do Judiciário, o CPC/2015 estabeleceu algumas novas disposições que prestigiam a pacificação das partes, como é o caso dos §§3º e 4º do artigo 90, que premiam aqueles que optam por uma solução do conflito mais rápida. __________ 1 MARINONI, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 233. 2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V. III. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 270. 3 MARINONI, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Op. Cit. 4 STJ. AREsp nº 604.325/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Dje de 25.02.2015. 5 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento - vol.1. 12. ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2010, p. 93. 6 STJ. REsp nº 704.781/SC, Rel. Min. Felix Fischer, Dje de 14/3/2015.
Em coluna anterior, na qual abordamos os artigos 82 a 84 do Código de Processo Civil, tratamos das disposições iniciais acerca das despesas processuais, o que está abrangido nesse conceito, a quem incumbe arcar com tais ônus, entre outras considerações. Dando continuidade a esse tema, analisaremos, neste artigo, os dispositivos 87 a 89 do Código, que tratam da distribuição das despesas e honorários entre as partes em determinados casos. Uma dessas hipóteses ocorre quando a parte autora da ação não vence integralmente a demanda, sagrando-se vitoriosa apenas em parte da sua pretensão inicial. Nesse caso, diz-se que houve sucumbência recíproca, isto é, tanto o réu como o autor são - ao mesmo tempo - vencidos e vencedores. Diante disso, o artigo 86 do Código de Processo Civil (CPC/2015) prevê que se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Portanto, no que tange à sucumbência recíproca, o ônus deverá ser distribuído entre as partes conforme o montante proporcional à sua perda no quanto pleiteado no processo. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 86, o qual manteve a mesma sistemática do artigo 21 do CPC/1973, trata da sucumbência em parte mínima que se dá no contexto da demanda em que o litigante sucumbe minimamente acerca do pedido. Nesse caso, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários. Ou seja, "quando a perda for ínfima, é equiparada à vitória, de sorte que a parte contrária deve arcar com a totalidade da verba de sucumbência (custas, despesas e honorários de advogado)"1. A aferição do que seria a "parte mínima do pedido", por sua vez, cabe ao juiz que deverá considerar o valor da causa, o bem da vida pretendido e o que foi efetivamente alcançado pela parte em juízo. Ressalta-se, porém, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que a aferição do quantitativo em que o autor e réu saíram vencidos na demanda, bem como a determinação de existência de sucumbência recíproca ou mínima, são análises inviáveis por via de Recurso Especial2, em razão da necessidade do exame do contexto fático-probatório dos autos Reafirmando o que dispunha o artigo 23 CPC de 1973, o artigo 87 do CPC/2015 versa sobre a responsabilidade parcial dos litisconsortes e estabelece que, concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários. Nessa hipótese também cabe ao magistrado analisar a responsabilidade de cada um dos envolvidos sucumbentes, cabendo embargos de declaração em face da sentença que for omissa nesse ponto. Tanto a doutrina majoritária como a jurisprudência concordam que apenas os litisconsortes que deram causa à instauração do feito arcarão com as verbas sucumbenciais, de acordo com a sua responsabilidade. Nesse contexto, o STJ já assentou que não será imposto o ônus de sucumbência, tampouco a verba honorária, nem para efeito de compensação, em desfavor da parte tida como ilegítima para figurar como litisconsorte no polo passivo da relação processual3. Conforme o parágrafo primeiro do referido artigo 87, as despesas poderão ser divididas e fixadas de forma desigual entre os vencidos, pois deve-se observar a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput. Na mesma toada, os honorários sucumbenciais também podem ser fixados de forma desigual entre os vencedores, observar-se-á a proporção do interesse de cada uma das partes, contudo, não é admissível que o somatório dos percentuais arbitrados a título de honorários ultrapasse o limite máximo legal de vinte por cento4. No entanto, de acordo com o parágrafo segundo do artigo 87, se a distribuição de que trata o §1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários. Tal dispositivo do CPC/2015 é inovador e sobreveio para superar o entendimento acerca do artigo 23 do CPC/1973. Anteriormente, como é possível observar na solução adotada no julgamento do REsp nº 489.369, os vencidos só arcariam de forma solidária com os ônus sucumbenciais se houvesse expressa determinação nesse sentido na sentença exequenda e "caso não haja menção expressa no título executivo quanto à solidariedade das partes que sucumbiram no mesmo pólo da demanda, vige o princípio da proporcionalidade"5. Nada obstante, agora, com a atual previsão do §2º do art. 87, o que prevalece é que, se verificada a omissão sobre a responsabilidade proporcional ou solidária na sentença, aplica-se o princípio da solidariedade nas despesas. Portanto, na hipótese de uma decisão judicial omissa nesse sentido, é recomendável a oposição de embargos declaratórios, sob pena de se configurar coisa julgada quanto à solidariedade no pagamento das despesas processuais e como consequência de tal situação, "o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum"6. Por outro lado, importante destaque a ser feito é no tocante àquela jurisdição que se situa na fronteira entre a atividade administrativa e a jurisdicional. De acordo com a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, além da função de pacificação ou composição dos litígios, o Poder Judiciário também tem certas funções em que predomina o caráter administrativo e que são desempenhadas sem o pressuposto do litígio: trata-se da chamada jurisdição voluntária7. Na jurisdição voluntária, diferente da contenciosa, o juiz realiza apenas uma gestão em torno dos interesses privados, não há lide, não há partes, tem-se apenas o negócio jurídico-processual que envolve o juízo e os interessados, é o caso, por exemplo, dos divórcios consensuais, da alienação de bens de incapazes, alteração de regime de bens no matrimônio, nomeação de tutor, entre outros. As despesas processuais nesses procedimentos de jurisdição voluntária, conforme o artigo 88 do CPC/2015, serão adiantadas pelo requerente e rateadas entre os interessados. Como não há contencioso, não há que se falar em vencido e vencedor, portanto, não há sucumbência, razão pela qual as despesas devem ser divididas entre os requerentes. Não raro, procedimentos de jurisdição voluntária são instaurados pelo Ministério Público, nesse caso, por força do artigo 4º da Lei nº 9.289/1996 que isenta o órgão ministerial do pagamento de custas, as despesas deverão ser rateadas pelos interessados. Em continuidade, o artigo 89 do CPC/2015 dispõe que nos juízos divisórios, não havendo litígio, os interessados pagarão as despesas proporcionalmente a seus quinhões. Relembra-se que juízo divisório é o termo que se refere aos processos que visam promover a extinção da comunhão ou fixação de limites sobre um imóvel e seus múltiplos interessados. Nesse sentido, amoldam-se à concepção de ação divisória: a ação demarcatória de terras particulares e a ação de divisão para estremar os quinhões dos condôminos na terra comum (arts. 569, CPC/2015) e a ação de inventário e partilha (art. 610 e ss. CPC/2015). Se houver litigiosidade no juízo divisório, em consonância com o princípio da causalidade, o vencido arcará com o ônus da sucumbência. "Na segunda fase, reservada aos trabalhos divisórios propriamente ditos, as despesas serão sempre rateadas, salvo apenas aquelas provocadas por impugnações ou recursos, que seguirão a regra comum da sucumbência"8. Vê-se que, no tocante ao pagamento das despesas processuais, o Código de Processo Civil de 2015 apresenta regras gerais, mas também dispõe sobre regimes particulares em procedimentos especiais. Atendendo a posição da doutrina majoritária, consolidando entendimentos jurisprudenciais e resolvendo controvérsias interpretativas, o novo CPC busca sopesar a divisão das custas do processo, recorrendo aos princípios da causalidade e da solidariedade para assegurar a justiça no momento de sustenção das despesas do litígio ou dos procedimentos que demandam o movimento do aparato judiciário estatal. Embora, teoricamente, caiba aos usuários deste serviço o financiamento da prestação jurisdicional por meio do pagamento das despesas processuais, na prática, o que se verifica é que os valores arrecadados por meio dos litigantes são insuficientes para o custeio dessa prestação. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante o ano de 2020, a atividade jurisdicional arrecadou cerca de R$ 62,4 bilhões - o recolhimento de custas e arrecadações na fase de execução, emolumentos e eventuais taxas somam apenas 17,3% desse valor. No entanto, as despesas totais do Poder Judiciário naquele ano foram de R$ 100,06 bilhões. Ressalta-se que 93% dessa despesa total é destinada à remuneração dos magistrados, servidores, inativos, terceirizados, estagiários e os auxílios e assistências devidos9. Em outras palavras, a verba que custeia os vencimentos dos juízes, servidores e os demais gastos dos fóruns e tribunais não advém apenas das custas e despesas processuais, a maior parte se origina dos contribuintes em geral. Ou seja, quem arca com os custos do Poder Judiciário não são apenas aqueles que diretamente fazem uso dos serviços e sim toda a coletividade. No ano de 2020, o custo pelo serviço da Justiça foi de R$ 475,51 por habitante e se comparado ao ano anterior observa-se, ainda, uma redução de R$ 25,6 por pessoa10. O alto custo do aparato judiciário não é uma novidade, porém, segue sendo uma temática atual. A massificação dos litígios é um problema da sociedade dinâmica e as despesas finais que garantem o funcionamento da jurisdição e o amplo acesso à justiça estatal são compartilhadas com todos, inclusive com aqueles que não a acionaram. Dessa forma, é importante não perder de vista que a promoção de métodos consensuais de resolução de conflitos, como os apresentadas na concepção do sistema de justiça multiportas, tema de outro artigo aqui já publicado, pode proporcionar soluções mais duradouras, acessíveis e eficientes para toda a sociedade. __________ 1 NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado - 16ª ed. Rev. dos Tribunais, 2016, p. 501. 2 Nesse sentido, veja-se: AgInt no AREsp 918.616/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/11/2016); AgInt no AREsp 985.265/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/11/2016; AgInt no AREsp 1.478.079/RS, Rel Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/03/2020; AgInt no AREsp 1.732.884/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 24/05/2021; REsp 1934233/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 25/06/2021. 3 AREsp 1.018.756/PE - EDs, Rel. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Dje de 19/12/2016. REsp 824.702/RS, Rel. MINISTRO LUIZ FUX, DJe de 08/03/2007. 4 Por força do §2º do art. 85, CPC/2015. 5 REsp 489.369/PR, Rel. MINISTRO CASTRO FILHO, Dje de 28/03/2005. 6 AREsp 304.137/RS, Rel. MINISTRO RAUL ARAÚJO, Dje de 05/09/2014. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 56º Ed. Rev. Ampl. E atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 209. 8 Idem, p. 461. 9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2021/ Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2021. Anual. P. 80. Disponível em: . 10 Idem. P. 77.
Honorário, do latim honorarius, remete à ideia de prestar honrarias ao patrono vencedor1. Entretanto, nas origens do Direito Romano, ante o seu caráter eminentemente público, não havia previsão de remuneração do advogado por meio de reembolso das despesas do processo pelo vencido, tampouco pela parte a que prestava serviço2. No período das Ordenações, o Direito brasileiro previa o advogado como um oficial do foro que exercia um ministério público não remunerado pelas partes ou pelos cofres públicos3.  Foi com as modificações dos estatutos da Companhia Ferro-Carril de S. João d'El-Rei, através do decreto 5.747 em 19874, que estabeleceu-se um regimento de custas que permitiu ao advogado a contratação de honorários quota litis5. A partir da uniformização da legislação processual, o Direito brasileiro passou a estabelecer critérios para a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios.  Com a evolução legislativa gradual, o Código de Processo Civil de 2015 inovou nos aspectos do arbitramento dos honorários, passando a estabelecer critérios mais objetivos para pôr fim em divergências interpretativas, sobretudo no que tange à titularidade da verba honorária sucumbencial, que deve ser paga ao advogado do vencedor, conforme versa expressamente o caput do artigo 856, reforçando o que já dispunha o artigo 23 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.  Destaca-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se encontra consolidada no sentido de que, independentemente de pedido, os honorários advocatícios devem ser fixados, pois decorrem da sucumbência da parte na demanda e se fundamentam no princípio da causalidade7. Ademais, como dispõe o §17 do artigo 85 do CPC/15 - que repetiu a previsão da segunda parte do caput do artigo 20 do CPC/19738 - os honorários serão devidos mesmo quando o advogado atuar em causa própria. Vale dizer, os honorários constituem obrigação legal que resulta de maneira automática da sucumbência, não sendo permitido ao juízo omitir-se em seu arbitramento. Com base no CPC revogado, o STJ editou a súmula 453 prevendo que "os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria". Porém, com o advento do CPC/15, essa Súmula deixa de ser aplicável, pois está expressamente estabelecido - em seu §18, art. 85 - que, caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança. E, conforme o §16 do mesmo dispositivo, quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.  Ocorrendo embargos, de acordo com o §13 do art. 85, as verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais. Segundo a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, "haverá a possibilidade de duas sucumbências do devedor: uma na execução e outra nos embargos"9. Nesse caso, porém, a execução dos honorários se dará nos próprios autos, não havendo necessidade de um novo processo para exigi-los.  Nos termos do §14 do art. 85, os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. Nesse mesmo sentido, veja-se a súmula vinculante 47 do STF, ao estabelecer que "os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza".  A natureza dos honorários possibilita sua equiparação ao salário, assim, o artigo 24 do Estatuto da OAB dispõe que a decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. A verba honorária é expressão indispensável à sobrevivência do advogado, nesse sentido vê-se "pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual os honorários advocatícios, por possuírem natureza alimentar, são impenhoráveis"10.  Entretanto, o STJ também apresenta alguns julgados relativizando a impenhorabilidade da verba honorária em determinadas situações. No julgamento paradigmático do REsp 1.356.404, por exemplo, restou estabelecido que "a garantia da impenhorabilidade assegurada na regra processual referida não deve ser interpretada de forma gramatical e abstrata, podendo ter aplicação mitigada em certas circunstâncias, como sucede com crédito de natureza alimentar de elevada soma, que permite antever-se que o próprio titular da verba pecuniária destinará parte dela para o atendimento de gastos supérfluos, e não, exclusivamente, para o suporte de necessidades fundamentais"11.  O §15, do art. 85, do CPC/25 permite destinar os honorários à sociedade de advogados que o patrono vencedor integra na qualidade de sócio, não retirando a característica alimentar dessa verba, portanto, da mesma maneira - em regra - não pode ser objeto de penhora12. Destaca-se que a sociedade referida no referido parágrafo deve ter por objeto único a prestação de serviços de advocacia, empresas mistas que envolvem trabalhos advocatícios não foram incluídas pelo legislador como credores dessa cobrança.  Outra importante inovação do Código de 2015 foi a possibilidade de ser fixada nova verba honorária em sede recursal. O §11, do art. 85, prevê que os honorários fixados anteriormente devem ser majorados levando-se em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, respeitados os limites de dez a vinte por cento. A título de exemplo, tem-se que caso a sentença fixe os honorários em dez por cento, em fase recursal o tribunal resolva fixar em cinco por cento e o STJ, em recurso especial, em mais cinco por cento; na hipótese de um recurso extraordinário, o STF não poderá fixar honorários adicionais, tendo em vista que o limite máximo de vinte por cento já foi atingido.  O STJ entende que "a majoração dos honorários advocatícios prevista no artigo 85, §11, do CPC/15 está adstrita à atividade desenvolvida pelo causídico na instância recursal, e não em cada recurso por ele interposto no feito"13. É nessa perspectiva que o Enunciado 16 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) dispõe que "não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição".  Conforme o enunciado 242 do Fórum Permanente de Processualistas, "os honorários de sucumbência recursal são devidos em decisão unipessoal ou colegiada". O fundamento dessa norma é, sobretudo, a celeridade processual, busca-se penalizar a parte que procrastina o andamento processual recorrendo, faz-se uma oneração do vencido para o desincentivar interporá interposição de recursos.  Vale lembrar que o sistema jurídico brasileiro proíbe a reforma da decisão recorrida de modo que piore a situação do recorrente, trata-se do princípio da proibição da reformatio in pejus. Para subsidiar tal princípio, o professor Barbosa Moreira sistematiza que: "i) se o interesse recursal é pressuposto de admissibilidade recursal, seria verdadeira contradição imaginar que para o recorrente possa advir qualquer utilidade de pronunciamento que lhe é desfavorável; ii) se nem mesmo por provocação do apelante poderia o tribunal reformar a decisão para pior, menos ainda se concebe que pudesse fazê-lo sem tal provocação"14.  Em que pese disponha o princípio recursal da não reformatio in pejus que não se pode agravar a situação do recorrente, o CPC/15 institui um sistema que prevê a majoração dos honorários advocatícios na instância recursal. Isto é, há possibilidade de a situação do recorrente ser piorada após o julgamento do recurso, com o aumento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios.  Ressalta-se, porém, que o agravamento da situação do recorrente acontece apenas em relação ao capítulo que foi recorrido, pois, por força do efeito devolutivo, cabe ao tribunal o reexame da decisão na parte impugnada pelo recorrente, podendo mantê-la ou revê-la total ou parcialmente.  Além disso, o §12 do art. 85 acrescenta que a referida verba honorária recursal pode ser cumulada com multas e outras sanções processuais, sem observância ao limite de vinte por cento, até porque a aplicação desses institutos atende a finalidades distintas: as multas e sanções penais têm a função de compelir a parte ao cumprimento de decisão judicial específica ou de penalizar a parte por descumprimento de deveres processuais; já os honorários recursais se prestam a remunerar o serviço de excelência da parte vencedora e não a sancionar o litigante.  Por sua vez, segundo o §19 do art. 85 do CPC/15, os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei. Cabe destacar que a própria Constituição Federal estabelece que "o advogado é indispensável à administração da justiça"15, assim, tanto a advocacia liberal como a advocacia pública exercem atividades essenciais na defesa de direitos e para a concretização da justiça. Ademais, pela leitura do próprio texto constitucional não se depreende qualquer interpretação apta a subsidiar a noção de que os advogados públicos estejam apartados da advocacia em geral, no que toca à percepção dos honorários sucumbenciais.  Foi buscando efetivar esse tratamento isonômico entre os advogados públicos e particulares conferido pela CF/1988 que, ainda antes do CPC/15, o Supremo Tribunal Federal - no âmbito da ADIn 2.652 - decidiu que os advogados públicos estão "submetidos à legislação específica que regula tal exercício (...) nem por isso, entretanto, deixam de gozar das prerrogativas, direitos e deveres dos advogados, estando sujeitos à disciplina própria da profissão"16. Diante disso, o Conselho Federal da OAB edita a súmula 8, dispondo que "os honorários constituem direito autônomo do advogado, seja ele público ou privado. A apropriação dos valores pagos a título de honorários sucumbenciais como se fosse verba pública pelos Entes Federados configura apropriação indevida"17.  A elaboração do Código de 2015 contou com grandes discussões acerca desse amplo tema que envolve a garantia de princípios constitucionais, a essencialidade e a eficiência da advocacia pública. Em sede de opinião técnica solicitada para subsidiar esse debate, o ministro Ayres Britto ponderou que "o advogado público não deixa de ser advogado pelo fato de se investir em cargo público de provimento efetivo. Acumula os dois títulos de legitimação funcional, no sentido de que a formação de advogado é condição para a posse no cargo público"18.  O Supremo Tribunal Federal, notadamente nos autos da ADIn 6.053, confirmou o acerto da disciplina mais explícita e objetiva do CPC/15 no tocante à percepção de honorários pelos advogados públicos. Trata-se de conquista histórica pertencente a toda a classe advocatícia. O múnus da advocacia garante não apenas o acesso a direitos e à justiça, como também serve à realização, em última instância, do próprio Estado Democrático de Direito.  No recentíssimo julgamento da ADIn 6.168, o STF decidiu, por unanimidade, declarar a constitucionalidade da percepção dos honorários de sucumbência pelos Procuradores do Distrito Federal. Nos termos do voto do ministro relator Ricardo Lewandowski, as carreiras da Advocacia Pública exercem funções essenciais à Justiça e por tal razão merecem tratamento isonômico aos membros das carreiras jurídicas, portanto, a percepção dos honorários de sucumbência é constitucional e fica limitada ao teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal.  O CPC de 2015 inovou na disciplina acerca dos honorários advocatícios, instituindo aprimoramentos e adaptações com o fim de solucionar as controvérsias apontadas pela doutrina, jurisprudência e pela Ordem dos Advogados do Brasil. A valorização do advogado pelo novo diploma processual integra um conjunto de medidas voltadas a fortalecer o devido processo legal e as garantias do cidadão, posto que é o advogado quem representa as demandas dos cidadãos em juízo, defendendo seus direitos e assegurando-lhe a correta aplicação da lei.  __________ 1 MARTINS, Sergio Pinto. Honorários de advogado no processo do trabalho. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária. 213, mar. 2007.  2 SANTOS FILHO, Orlando Venâncio. O ônus do pagamento dos honorários advocatícios e o princípio da causalidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 137 jan/mar. 1998.  3 Idem.  4 Disponível em: clique aqui.  5 Quota Litis deriva do latim, "percentual da lide".  6 CPC/2015. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.  7 AgInt no AREsp 38.312/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 30/04/2018; AgRg no REsp 1157197/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 29/06/2011.  8 Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.  9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 56º Ed. Rv, atual. E ampl.  10 AgInt no REsp 1236235/PB, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 22/05/2017.  11 REsp 1356404/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/2013, Dje 23/08/2013. Tal entendimento foi replicado no julgamento do AgInt nos EDcl no REsp 1803343/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 24/10/2019. 12 AgRg no AREsp 715.524/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 25/09/2015.  13 AgInt no REsp 1869620/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 31/08/2020; AgInt no AREsp 926.896/CE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018.  14 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, 1 1 a ed., v. 5, cit., p. 434-435.  15 CF/1988. Art. 133.  16 STF. ADIn 2.652/DF. Relator o ministro Maurício Corrêa. Tribunal Pleno. Dj: 08/05/2003. Págs. 5 e 6.  17 Disponível em: clique aqui.  18 Parecer proferido após consulta da União dos Advogados Públicos Federais do Brasil - Unafe com vistas a subsidiar a atuação parlamentar no Senado Federal pela manutenção dos honorários advocatícios no novo CPC. Disponível em: clique aqui.
Honorário, do latim honorarius, remete à ideia de prestar honrarias ao patrono vencedor1. Entretanto, nas origens do Direito Romano, ante o seu caráter eminentemente público, não havia previsão de remuneração do advogado por meio de reembolso das despesas do processo pelo vencido, tampouco pela parte a que prestava serviço2. No período das Ordenações, o Direito brasileiro previa o advogado como um oficial do foro que exercia um ministério público não remunerado pelas partes ou pelos cofres públicos3. Foi com as modificações dos estatutos da Companhia Ferro-Carril de S. João d'El-Rei, através do decreto 5.747 em 18744, que estabeleceu-se um regimento de custas que permitiu ao advogado a contratação de honorários quota litis5. A partir da uniformização da legislação processual, o Direito brasileiro passou a estabelecer critérios para a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. Com a evolução legislativa gradual, o Código de Processo Civil de 2015 inovou nos aspectos do arbitramento dos honorários, passando a estabelecer critérios mais objetivos para pôr fim em divergências interpretativas, sobretudo no que tange à titularidade da verba honorária sucumbencial, que deve ser paga ao advogado do vencedor, conforme versa expressamente o caput do artigo 856, reforçando o que já dispunha o artigo 23 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Destaca-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se encontra consolidada no sentido de que, independentemente de pedido, os honorários advocatícios devem ser fixados, pois decorrem da sucumbência da parte na demanda e se fundamentam no princípio da causalidade7. Ademais, como dispõe o §17 do artigo 85 do CPC/2015 - que repetiu a previsão da segunda parte do caput do artigo 20 do CPC/19738 - os honorários serão devidos mesmo quando o advogado atuar em causa própria. Vale dizer, os honorários constituem obrigação legal que resulta de maneira automática da sucumbência, não sendo permitido ao juízo omitir-se em seu arbitramento. Com base no CPC revogado, o STJ editou a Súmula n. 453 prevendo que "os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria". Porém, com o advento do CPC/2015, essa Súmula deixa de ser aplicável, pois está expressamente estabelecido - em seu §18, art. 85 - que, caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança. E, conforme o §16 do mesmo dispositivo, quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão. Ocorrendo embargos, de acordo com o §13 do art. 85, as verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais. Segundo a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, "haverá a possibilidade de duas sucumbências do devedor: uma na execução e outra nos embargos"9. Nesse caso, porém, a execução dos honorários se dará nos próprios autos, não havendo necessidade de um novo processo para exigi-los. Nos termos do §14 do art. 85, os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. Nesse mesmo sentido, veja-se a Súmula Vinculante nº 47 do STF, ao estabelecer que "os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza". A natureza dos honorários possibilita sua equiparação ao salário, assim, o artigo 24 do Estatuto da OAB dispõe que a decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. A verba honorária é expressão indispensável à sobrevivência do advogado, nesse sentido vê-se "pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual os honorários advocatícios, por possuírem natureza alimentar, são impenhoráveis"10. Entretanto, o STJ também apresenta alguns julgados relativizando a impenhorabilidade da verba honorária em determinadas situações. No julgamento paradigmático do REsp n. 1.356.404, por exemplo, restou estabelecido que "a garantia da impenhorabilidade assegurada na regra processual referida não deve ser interpretada de forma gramatical e abstrata, podendo ter aplicação mitigada em certas circunstâncias, como sucede com crédito de natureza alimentar de elevada soma, que permite antever-se que o próprio titular da verba pecuniária destinará parte dela para o atendimento de gastos supérfluos, e não, exclusivamente, para o suporte de necessidades fundamentais"11. O §15, do art. 85, do CPC/2015 permite destinar os honorários à sociedade de advogados que o patrono vencedor integra na qualidade de sócio, não retirando a característica alimentar dessa verba, portanto, da mesma maneira - em regra - não pode ser objeto de penhora12. Destaca-se que a sociedade referida no referido parágrafo deve ter por objeto único a prestação de serviços de advocacia, empresas mistas que envolvem trabalhos advocatícios não foram incluídas pelo legislador como credores dessa cobrança. Outra importante inovação do Código de 2015 foi a possibilidade de ser fixada nova verba honorária em sede recursal. O §11, do art. 85, prevê que os honorários fixados anteriormente devem ser majorados levando-se em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, respeitados os limites de dez a vinte por cento. A título de exemplo, tem-se que caso a sentença fixe os honorários em dez por cento, em fase recursal o tribunal resolva fixar em cinco por cento e o STJ, em recurso especial, em mais cinco por cento; na hipótese de um recurso extraordinário, o STF não poderá fixar honorários adicionais, tendo em vista que o limite máximo de vinte por cento já foi atingido. O STJ entende que "a majoração dos honorários advocatícios prevista no artigo 85, §11, do CPC/2015 está adstrita à atividade desenvolvida pelo causídico na instância recursal, e não em cada recurso por ele interposto no feito"13. É nessa perspectiva que o Enunciado n. 16 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) dispõe que "não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição". Conforme o Enunciado n. 242 do Fórum Permanente de Processualistas, "os honorários de sucumbência recursal são devidos em decisão unipessoal ou colegiada". O fundamento dessa norma é, sobretudo, a celeridade processual, busca-se penalizar a parte que procrastina o andamento processual recorrendo, faz-se uma oneração do vencido para o desincentivar interporá interposição de recursos. Vale lembrar que o sistema jurídico brasileiro proíbe a reforma da decisão recorrida de modo que piore a situação do recorrente, trata-se do princípio da proibição da reformatio in pejus. Para subsidiar tal princípio, o professor Barbosa Moreira sistematiza que: "i) se o interesse recursal é pressuposto de admissibilidade recursal, seria verdadeira contradição imaginar que para o recorrente possa advir qualquer utilidade de pronunciamento que lhe é desfavorável; ii) se nem mesmo por provocação do apelante poderia o tribunal reformar a decisão para pior, menos ainda se concebe que pudesse fazê-lo sem tal provocação"14. Em que pese disponha o princípio recursal da não reformatio in pejus que não se pode agravar a situação do recorrente, o CPC/2015 institui um sistema que prevê a majoração dos honorários advocatícios na instância recursal. Isto é, há possibilidade de a situação do recorrente ser piorada após o julgamento do recurso, com o aumento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Ressalta-se, porém, que o agravamento da situação do recorrente acontece apenas em relação ao capítulo que foi recorrido, pois, por força do efeito devolutivo, cabe ao tribunal o reexame da decisão na parte impugnada pelo recorrente, podendo mantê-la ou revê-la total ou parcialmente. Além disso, o §12 do art. 85 acrescenta que a referida verba honorária recursal pode ser cumulada com multas e outras sanções processuais, sem observância ao limite de vinte por cento, até porque a aplicação desses institutos atende a finalidades distintas: as multas e sanções penais têm a função de compelir a parte ao cumprimento de decisão judicial específica ou de penalizar a parte por descumprimento de deveres processuais; já os honorários recursais se prestam a remunerar o serviço de excelência da parte vencedora e não a sancionar o litigante. Por sua vez, segundo o §19 do art. 85 do CPC/2015, os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei. Cabe destacar que a própria Constituição Federal estabelece que "o advogado é indispensável à administração da justiça"15, assim, tanto a advocacia liberal como a advocacia pública exercem atividades essenciais na defesa de direitos e para a concretização da justiça. Ademais, pela leitura do próprio texto constitucional não se depreende qualquer interpretação apta a subsidiar a noção de que os advogados públicos estejam apartados da advocacia em geral, no que toca à percepção dos honorários sucumbenciais. Foi buscando efetivar esse tratamento isonômico entre os advogados públicos e particulares conferido pela CF/1988 que, ainda antes do CPC/2015, o Supremo Tribunal Federal - no âmbito da ADI nº 2.652 - decidiu que os advogados públicos estão "submetidos à legislação específica que regula tal exercício (...) nem por isso, entretanto, deixam de gozar das prerrogativas, direitos e deveres dos advogados, estando sujeitos à disciplina própria da profissão"16. Diante disso, o Conselho Federal da OAB edita a Súmula nº 8, dispondo que "os honorários constituem direito autônomo do advogado, seja ele público ou privado. A apropriação dos valores pagos a título de honorários sucumbenciais como se fosse verba pública pelos Entes Federados configura apropriação indevida"17. A elaboração do Código de 2015 contou com grandes discussões acerca desse amplo tema que envolve a garantia de princípios constitucionais, a essencialidade e a eficiência da advocacia pública. Em sede de opinião técnica solicitada para subsidiar esse debate, o Ministro Ayres Britto ponderou que "o advogado público não deixa de ser advogado pelo fato de se investir em cargo público de provimento efetivo. Acumula os dois títulos de legitimação funcional, no sentido de que a formação de advogado é condição para a posse no cargo público"18. O Supremo Tribunal Federal, notadamente nos autos da ADI nº 6.053, confirmou o acerto da disciplina mais explícita e objetiva do CPC/2015 no tocante à percepção de honorários pelos advogados públicos. Trata-se de conquista histórica pertencente a toda a classe advocatícia. O múnus da advocacia garante não apenas o acesso a direitos e à justiça, como também serve à realização, em última instância, do próprio Estado Democrático de Direito. No recentíssimo julgamento da ADI nº 6.168, o STF decidiu, por unanimidade, declarar a constitucionalidade da percepção dos honorários de sucumbência pelos Procuradores do Distrito Federal. Nos termos do voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski, as carreiras da Advocacia Pública exercem funções essenciais à Justiça e por tal razão merecem tratamento isonômico aos membros das carreiras jurídicas, portanto, a percepção dos honorários de sucumbência é constitucional e fica limitada ao teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal. O CPC de 2015 inovou na disciplina acerca dos honorários advocatícios, instituindo aprimoramentos e adaptações com o fim de solucionar as controvérsias apontadas pela doutrina, jurisprudência e pela Ordem dos Advogados do Brasil. A valorização do advogado pelo novo diploma processual integra um conjunto de medidas voltadas a fortalecer o devido processo legal e as garantias do cidadão, posto que é o advogado quem representa as demandas dos cidadãos em juízo, defendendo seus direitos e assegurando-lhe a correta aplicação da lei. __________ 1 MARTINS, Sergio Pinto. Honorários de advogado no processo do trabalho. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária. n. 213, mar. 2007. 2 SANTOS FILHO, Orlando Venâncio. O ônus do pagamento dos honorários advocatícios e o princípio da causalidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 137 jan/mar. 1998. 3 Idem. 4 Disponível aqui. 5 Quota Litis deriva do latim, "percentual da lide". 6 CPC/2015. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. 7 AgInt no AREsp 38.312/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 30/04/2018; AgRg no REsp 1157197/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 29/06/2011. 8 Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. 9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 56º Ed. Rv, atual. E ampl. 10 AgInt no REsp 1236235/PB, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 22/05/2017. 11 REsp 1356404/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/2013, Dje 23/08/2013. Tal entendimento foi replicado no julgamento do AgInt nos EDcl no REsp 1803343/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 24/10/2019. 12 AgRg no AREsp 715.524/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 25/09/2015. 13 AgInt no REsp 1869620/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 31/08/2020; AgInt no AREsp 926.896/CE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018. 14 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, 1 1 a ed., v. 5, cit., p. 434-435. 15 CF/1988. Art. 133. 16 STF. ADI nº 2.652/DF. Relator o ministro Maurício Corrêa. Tribunal Pleno. Dj: 08/05/2003. Págs. 5 e 6. 17 Disponível aqui. 18 Parecer proferido após consulta da União dos Advogados Públicos Federais do Brasil - Unafe com vistas a subsidiar a atuação parlamentar no Senado Federal pela manutenção dos honorários advocatícios no novo CPC. Disponível aqui.
A prestação da tutela jurisdicional é onerosa e funciona por intermédio de serviço público remunerado. Nesse contexto, com exceção das disposições referentes à justiça gratuita1, o diploma processual brasileiro impõe que cabe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título2. Ressalta-se que "as despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha" (art. 84, CPC/2015). A doutrina de Humberto Theodoro Júnior ensina que custas são "as verbas pagas aos serventuários da Justiça e aos cofres públicos, pela prática de ato processual conforme a tabela da lei ou regimento adequado". Despesas, por sua vez, são "todos os demais gastos feitos pelas partes na prática dos atos processuais, com exclusão dos honorários advocatícios, que receberam do novo Código tratamento especial"3. Incumbe à parte autora, conforme o §1º do artigo 82 do CPC/2015, "adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público", enquanto atua como custos legis. Em outras palavras, cabe ao requerente, exequente ou ao interessado do ato processual o adiantamento das despesas para a consecução dos trabalhos. Quando as partes não realizam esse pagamento devido, tem-se como consequência a não realização do ato, o que ocasiona um prejuízo probatório e em alguns casos, de acordo com o artigo 2904, pode culminar até mesmo no cancelamento da distribuição do feito5. Regra geral, o adiantamento das despesas é de responsabilidade do autor. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive, consolidou que a inversão do ônus probatório não necessariamente gera a responsabilidade da parte contrária de custear as despesas decorrentes da realização de prova requerida pelo autor6. Entende-se que a inversão do ônus da prova não se confunde com a distribuição dinâmica do ônus da prova. Em harmonia com a teoria da carga dinâmica da prova, o juiz pode transferir o ônus probatório para a parte que tem melhores condições técnicas de arcar com o mesmo, cabendo ao juízo também, nos casos concretos, analisar se há elementos que realmente conduzem à necessidade ou obrigatoriedade de o réu arcar com o adiantamento do encargo financeiro da prova requerida7. Logo, excepcionalmente é possível que a responsabilidade das custas e das despesas seja imposta ao réu. Na sentença do litígio, o vencido deverá pagar ao vencedor as despesas adiantadas (§2º, art. 82, CPC/2015). Nada obstante, em hipótese de sucumbência recíproca - ou seja, quando inexistir uma parte integralmente vencida no processo -, as despesas devem ser distribuídas e compensadas de forma recíproca e proporcional entre os litigantes, consoante entendimento do STJ8. Reproduzindo o artigo 835 do CPC/1973, o artigo 83 do atual diploma processual prevê o pagamento de caução pelo autor da demanda - pessoa física ou jurídica - que residir fora do Brasil ou que deixar de residir no país ao longo da tramitação do processo. Essa caução deve ser suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, sob pena de indeferimento da inicial. Por outro lado, se essa parte conseguir provar que tem no Brasil bens imóveis suficientes para assegurar o pagamento das despesas processuais, a caução está dispensada. Nesse ínterim, entendimento do STJ no sentido de que, tratando-se de empresa estrangeira com filial no Brasil, faz-se desnecessária também a supramencionada prestação de caução9. Sendo a exigência de caução um pressuposto processual, na sua ausência ou prestação insuficiente - por força do inc. XII e do §5º do art. 337, CPC/201510 - o juiz pode, de ofício, suscitar e conhecer dessa matéria em qualquer grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado, pois se trata de matéria de ordem pública (inc. IV e §3º do art. 485, CPC/2015). Inovando em relação ao código processual anterior, o CPC/2015 dispõe no §1º do artigo 83 que não se exigirá caução de que trata o caput "quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte" (inc. I). Cita-se, a título de exemplo, o artigo 4º do "Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa" - acordado entre os Estados partes do MERCOSUL, a República da Bolívia e a República do Chile - segundo o qual: "nenhuma caução ou depósito, qualquer que seja sua denominação, poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado Parte. O parágrafo precedente se aplicará às pessoas jurídicas constituídas, autorizadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados Partes"11. Conforme o inciso II do mencionado artigo 83, a caução também não será exigida "na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença". Até porque, nessa hipótese, encontram-se já determinadas as figuras de credor, devedor e, de acordo com o artigo 783 do CPC/2015, o crédito está fundado em título de obrigação certa, líquida e exigível. No mesmo contexto, o inciso III do mesmo artigo do novo Código conservou a previsão do CPC anterior ao não exigir caução em reconvenção. De igual maneira, tem-se que o novo Código de Processo Civil manteve a previsão de reforço da caução. Verificando-se no trâmite do processo que o autor da caução se desfez de seu patrimônio, diluiu os bens caucionados ou se ocorreu a desvalorização dos bens ativos em razão da variação de mercado, a parte interessada poderá exigir reforço da caução, "justificando seu pedido com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter" (§2º, art. 83). Pela simples leitura dos artigos 82, 83 e 84 do CPC/2015, evidencia-se a preocupação do legislador em distribuir de forma justa e proporcional os ônus financeiros do funcionamento da máquina judiciária.  Ademais, ao se comparar o novo Código de 2015 ao anterior de 1973, vê-se que muito foi aproveitado e até reproduzido no que tange às custas e despesas processuais, cabendo destacar, aqui, como inovação, o reconhecimento dos tratados e acordos internacionais pelo NCPC, o que ilustra a devida atualização do Direito e diálogo entre as normativas domésticas e internacionais. __________ 1 Veja-se os arts. 98 a 102 do CPC/2015 e a lei 1.060/1950. 2 CPC/1973, Art. 19. CPC/2015, art. 82. 3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 56º Ed. Pág. 456. 4 CPC/2015. Art. 290. Será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias. 5 Quando o devido pagamento não ocorrer em sede de recurso, haverá a deserção do recurso. 6 STJ. REsp nº 1.537.179-AgInt, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Dj: 01.06.2020. 7 STJ. REsp nº 1.478.173, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, Dj: 11.09.2020. 8 STJ. AgInt no REsp 1188891/DF, Segunda Turma, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Dj: 12.02.2019. 9 STJ. REsp nº 1.584.441, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, Dj: 21.08.2018.   10 CPC/2015. "Art. 337. (...) XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; (...) § 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo."   11 Protocolo de las Leñas. Promulgado pelo Estado brasileiro através do Decreto nº 6.891/2009. Disponível aqui.  
O atual Código de Processo Civil (CPC/2015), já em seu artigo inaugural, estabelece que o processo civil deverá ser "ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República". Um dos principais efeitos dessa previsão pode ser observado nos itens do artigo 77, que, em uma acepção mais ampla, decorrem dos princípios da lealdade, probidade e da ética como um valor. Na sistemática processual são deveres das partes, entre outros, "expor os fatos em juízo conforme a verdade" (inc. I, art. 77) e "não formular pretensão ou apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento" (inc. II, art. 77). Conforme lição de Virgilio Andrioli, são as noções de lealdade e probidade que proporcionam o dever de agir segundo a boa-fé1. A propósito, o inciso II do artigo 14 do CPC/1973 fazia uso desses termos ao dispor, expressamente, que "proceder com lealdade e boa-fé" é um dos deveres das partes. No mesmo sentido, também o CPC de 2015 estabelece expressamente que não apenas as partes, mas quem "de qualquer forma participa do processo" deve comportar-se de acordo com a boa-fé2. O dever de "não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito" (inc. III, art. 77) está diretamente relacionado à resistência injustificada ao andamento do processo e à interposição de recurso manifestamente protelatório. A produção de atos inúteis e desnecessários infringe o direito das partes de obterem a resolução do mérito em prazo razoável, isto é, viola o artigo 4º do CPC/2015, que assegura às partes o direito de obter em prazo razoável a resolução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Ressalta-se que "o processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos da cidadania"3. Com isso, é possível observar que os incisos supramencionados do artigo 77 do CPC/2015 guardam estreita relação com o artigo 80 do mesmo diploma processual. Isso porque, em que pese as referidas condutas descritas no artigo 77 não sejam consideradas atos atentatórios à dignidade da justiça, podem ser consideradas litigância de má-fé na forma do artigo 80, o que pode acarretar na aplicação de multa. Outro importante dever das partes, dos procuradores e daqueles que participam do processo é "declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva" (inc. V, art. 77). Na hipótese do juízo não ser informado sobre uma mudança de endereço para o recebimento dos atos processuais, presumem-se válidas as informações e intimações ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado (§2º do art. 106 e o parágrafo único do art. 274, CPC/2015)4. Por sua vez, não cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e criar embaraços à sua efetivação (inc. IV, art. 77), assim como não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (inc. VI, art. 77), são hipóteses em que o juiz deverá primeiro advertir qualquer das pessoas mencionadas no caput - as partes, seus procuradores e todos aqueles que de qualquer forma participem do processo - de que suas condutas poderão ser punidas como atos atentatórios à dignidade da justiça (§1º, art. 77). Se, mesmo advertida, a parte violar os incisos IV e VI do art. 77, o juiz deverá aplicar ao responsável multa de até 20% do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis (§2º, art. 77). Caso o valor da causa seja irrisório ou inestimável, a multa prevista no mencionado §2º poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário-mínimo (§5º, art. 77) em razão da prática de ato atentatório à dignidade da justiça, devendo-se considerar a gravidade da conduta para referida dosimentria. Faz-se importante frisar que, embora a alteração no estado de fato de bem ou direito litigioso configure, a princípio, ato atentatório à dignidade da justiça, se esse mesmo ato for praticado com o intuito de ludibriar o juízo ou o perito, a conduta restará subsumida ao ilícito penal da fraude processual previsto no artigo 347 do Código Penal. A contagem do prazo para o pagamento da multa iniciará após o trânsito em julgado da decisão que a fixou. Não ocorrendo o pagamento no tempo determinado pelo juiz, o §3º do art. 77 dispõe que a multa será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se em fundos de modernização do Poder Judiciário. Essa penalidade, nos termos do §4º, art. 77, poderá ser fixada independentemente da incidência das multas previstas para a hipótese de não cumprimento espontâneo da obrigação de pagar quantia certa (art. 523, §1º) ou dos meios coercitivos utilizados pelo juiz para satisfazer o credor de obrigação de fazer ou não fazer (art. 536, §1º). Visando instituir um processo justo nos moldes dos princípios constitucionais, que enaltecem o comportamento ético de todos os sujeitos da relação processual, valoriza-se, dentre outras normas fundamentais, o princípio da boa-fé (art. 5º, CPC/2015). Para Humberto Theodoro Júnior, "não é só a má-fé (intenção de prejudicar o adversário ou a apuração da verdade) que interessa ao processo justo, é também a avaliação objetiva do comportamento que se terá de fazer para mantê-lo nos limites admitidos moralmente, ainda quando o agente não tenha tido a consciência e a vontade de infringi-los"5. Nessa toada, salienta-se que o STJ já se manifestou diversas vezes no sentido de que o não pagamento do precatório no prazo não configura, por si só, resistência injustificada à ordem judicial6. Ou seja, o instituto do precatório não tem compatibilidade com a imposição de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, visto que o pagamento do débito judicial não está submetido apenas à vontade da Fazenda Pública, faz-se necessária uma dotação orçamentária do Estado. Importa enfatizar que os deveres de boa-fé, lealdade e probidade, dispostos no art. 77, CPC/2015 - no art. 14 do CPC/1973 - alcançam todos os envolvidos no processo, abrangendo desde autor e réu até o próprio juiz. O Superior Tribunal de Justiça corrobora a amplitude do dispositivo ao entender que até mesmo os terceiros, alheios à relação jurídico-processual, também devem obediência a esses deveres. "Por esse motivo, a multa por desacato à atividade jurisdicional (...) é aplicável não somente às partes e testemunhas, mas também aos peritos e especialistas que, por qualquer motivo, deixam de apresentar nos autos parecer ou avaliação"7. O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar (§8º, art. 77), além disso, não se pode perder de vista que o novo Código distinguiu a conduta praticada pela parte e pelos advogados públicos ou privados, defensores e do Ministério Público. A eles a multa não será aplicável, cabendo ao respectivo órgão de classe ou corregedoria a aplicação de eventual responsabilidade disciplinar, ao qual o juiz oficiará (§6º, art. 77). Cita-se, por exemplo, o artigo 34 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que dispõe sobre as infrações e sanções disciplinares, dentre os vinte e nove incisos, destaca-se as condutas de: "advogar contra literal disposição de lei" (inc. VI) e "deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa" (inc. XIV); essas infrações disciplinares, dispostas na Lei nº 8.906/1994, muito se assemelham às disposições ora analisadas no artigo 77 do CPC/2015. Na hipótese de o ato atentatório à dignidade da justiça ocorrer por inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (inc. VI), o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação da multa prevista no §2º, assim prevê o §7º do art. 77. Conforme estipula o artigo 78, "é vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados". Nesse ponto, menciona-se o §2º do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, o qual prevê a chamada imunidade do advogado, segundo a qual, quaisquer manifestações por ele praticadas no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, não constituem injúria ou difamação, sem prejuízo das sanções disciplinares pelos eventuais excessos. No julgamento da AO 933, de relatoria do ministro Carlos Ayres Britto, restou estabelecido que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que "não é absoluta a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações, o que não infirma a abrangência que a Carta de Outubro conferiu ao instituto, de cujo manto protetor somente se excluem atos, gestos ou palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública (ADI 1.127)". Quando as expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra (§1º, art. 78). De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada (§2º, art. 78). No CPC/1973, disposições similares constavam no caput do artigo 15 e em seu parágrafo único. Os deveres das partes e dos advogados, sobretudo aqueles dispostos no artigo 77, são designados tanto às partes como àqueles que de qualquer forma participem do processo, visto que a boa-fé e a lealdade processual fundamentam esses deveres que são comuns e gerais para a manutenção da dignidade da justiça. Por fim, relevante frisar que a exigibilidade de multa por atentado à dignidade da justiça não é imediata, devendo ocorrer apenas após o encerramento do processo com o trânsito em julgado da decisão final, e o beneficiário da multa não é a parte prejudicada - como ocorre na multa por litigância de má-fé -, mas o Poder Público, que a arrecada como dívida ativa e a converte em fundos para a modernização do Poder Judiciário. __________ 1 ANDRIOLI, Virgilio. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Napoli: Jovene, 1973. 2 Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. 3 STJ. REsp nº 65.906/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira. Dj: 02.03.1998. 4 CPC/2015. Art. 106. (...) § 2º Se o advogado infringir o previsto no inciso II, serão consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos. CPC/2015. Art. 274. (...) Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço. 5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 57º Ed. Pág. 445. 6 STJ. REsp 1.225.772/SP, Rel Min. Mauro Campbell Marques, Dje de 12.4.2011; REsp 980.134/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 21.9.2009; AgRg no AgRg no REsp 951.662/RS, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, DJe de 24.5.2010; REsp 1.103.417/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 4.8.2009. 7 STJ. REsp nº 1.013.777/ES. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 13.04.2010.
Observando a segurança jurídica e a efetividade da prestação jurisdicional, o Código de Processo Civil consagrou o princípio da primazia do julgamento de mérito, em detrimento da simples extinção do feito por ausência de pressupostos processuais. De acordo com esse princípio, "o órgão julgador [deve] priorizar a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra"1. É nesse contexto que o artigo 76 do CPC/15, prevê que "verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício". O dispositivo supramencionado se refere a vício sanável que, doutrinariamente, é conceituado como "aquele que, por não afetar a substância do ato ou negócio jurídico, torna-o anulável, mas, por ser suscetível de ratificação, se for removido, revalida-o"2. Em outras palavras, vícios sanáveis são meras irregularidades processuais passíveis de correção, como, por exemplo, os relativos à incapacidade processual ou irregularidade da representação (art. 76) e o pagamento insuficiente do preparo ou por ausência de sua comprovação ou recolhimento (§2º do art. 1.0073). Na regra geral, o entendimento sobre o que seria um prazo razoável está em conformidade com o artigo 352 do CPC/154. Isto é, se nos termos do artigo 76 é verificada a existência dos mencionados vícios ou irregularidades sanáveis, o prazo para a correção dos defeitos - que deverá ser determinado pelo magistrado -, não poderá ser superior à 30 (trinta) dias. Caso o processo esteja na instância originária e a determinação para sanar o vício tenha sido descumprida, o diploma prevê as respectivas consequências jurídicas nos incisos do §1º do artigo 76, segundo o qual: I) se o vício tiver de ser sanado pela parte autora, o processo será extinto; II) se couber ao réu a providência, será esse considerado revel; III) se o defeito tiver de ser sanado por terceiro, a depender do polo em que se encontrar, será considerado revel (se no polo passivo), ou será excluído do processo (se no polo ativo). No entendimento jurisprudencial, a regra do artigo 76 do CPC/15, correspondente ao artigo 13 do CPC/73, "não cuida apenas da representação legal e da verificação da incapacidade processual, mas também da possibilidade de suprir omissões relativas à incapacidade postulatória" (REsp 102.423/MG)5. Portanto, a ausência de procuração do advogado nos autos do processo constitui vício sanável, devendo o magistrado conceder prazo razoável para que o defeito seja sanado, nos termos do art. 76 do CPC/15. Sob a égide do CPC/73 a jurisprudência dos tribunais superiores6 estava consolidada no sentido de que os recursos dirigidos à instância superior desacompanhados do respectivo instrumento de procuração eram considerados inexistentes, ou seja, constituíam vício insanável, o STJ inclusive editou súmula com esse viés: "Súmula nº 115: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos". Ocorre que, com a inovação do §2º do artigo 76 do CPC/15, passou-se a entender que esse enunciado sumular estaria superado, pois o referido dispositivo do novo diploma processual já prevê as possíveis decisões do relator nas hipóteses de vícios sanáveis em fase recursal. Diante disso, a doutrina majoritária asseverou que o enunciado da Súmula 115/STJ estaria superado. O STJ, por sua vez, entende que a súmula permanece válida e tem decidido que a parte deve ser intimada para que seja feita a regularização da representação processual, nos termos do parágrafo único do art. 932 do CPC/157, e apenas se "a parte deixar de proceder à juntada no prazo de 5 (cinco) dias, faz incidir ao caso a Súmula nº 115/STJ"8. Em julgamento de agravo interno9 sobre o tema o STJ assim consignou: constatada a irregularidade na representação processual, os agravantes foram intimados para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC/15. (...) Os agravantes, ignorando o despacho dado nos autos, apresentaram a procuração utilizando o prazo de 15 dias do art. 104, do NCPC, que faculta ao advogado a juntada posterior da procuração, mediante protesto, na prática de ato considerado urgente". Entendendo, porém, que "a interposição de recurso, no decorrer do processo, não é ato considerado urgente para fins do referido artigo, porquanto a interposição de recurso faz parte da dinâmica processual", o Tribunal concluiu pela rejeição do agravo. Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal tem decidido nesse mesmo sentido10. No que tange à intimação, "a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a intimação para sanar vício de representação deve ser feita em nome da parte, pessoalmente, e não em nome do advogado, que não se sabe, até então, se realmente a representa" (REsp 1.119.836/PR)11. Conforme o §2º do artigo 76, se em fase recursal - perante o Tribunal de Justiça, Tribunal Regional ou Tribunal Superior - a determinação para sanar o vício for cumprida, cabe ao Relator do caso: I) não conhecer do recurso, se a providência couber ao recorrente; ou II) determinar o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido. Ou seja, se o recorrente não diligenciar a fim de sanar o vício apontado dentro do prazo estabelecido pelo Relator, seu recurso não será conhecido por inobservância dos pressupostos de admissibilidade; por outro lado, se o recorrido não tomar as providências cabíveis para resolver o defeito indicado, o Relator determinará a desconsideração de suas contrarrazões. Para o réu, o momento processual oportuno para a alegação de irregularidade da representação do autor ou de incapacidade processual é nas preliminares da contestação (inc. IX do art. 337, CPC/15), isto é, antes de discutir o mérito da causa. Nessa hipótese, não tomando o autor as providências necessárias para sanação do vício no prazo estabelecido, o juiz decretará a nulidade do processo, extinguindo o feito sem resolução do mérito (inc. IV do art. 485, CPC/15). Em contrapartida, se as providências são cabíveis ao réu e este não as cumprir, o processo não será extinto, nesse caso, declarar-se-á a revelia, devendo a lide ser julgada antecipadamente, reputando-se verídicos os fatos apresentados pelo autor, conforme os artigos 344 e 345 do CPC/15. Todavia, entende-se que os pressupostos e requisitos específicos de admissibilidade são relacionados às condições da ação e se tratam de questões de ordem pública, portanto, podem ser analisadas em qualquer momento do processo e inclusive de ofício pelo órgão jurisdicional, independentemente de qualquer pedido expresso das partes (art. 485, inc. IV e §3º do CPC/15)12. Quando esse processo se encontra em instância extraordinária, ou seja, no âmbito dos tribunais superiores, exige-se que haja o prequestionamento nas questões de ordem pública para que elas sejam devidamente analisadas pelo Tribunal. Em suma, o CPC/15 reproduziu, em seu artigo 76, o mesmo teor do artigo 13 do CPC/73 e inovou ao autorizar expressamente a mesma providência para sanar vício de incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte em órgão de competência recursal. Agora, se nem as partes ou o juízo se atentarem para o vício de incapacidade ou irregularidade processual e a sentença transitar em julgado, admite-se, por manifesta violação à norma jurídica (inc. V do art. 966, CPC/15), a propositura de Ação Rescisória para a desconstituição da decisão definitiva. _____________ 1 DIDIER JUNIOR, Fredie. 2015. Curso de Direito Processual Civil. 17.ed. Salvador: JusPodivm. 2 DINIZ, Maria Helena. 2008. Dicionário Jurídico. 3. Ed. Revisada e atualizada. São Paulo. Saraiva. Vol. Q-Z. 3 CPC/15. Art. 1.007 (...) § 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias. 4 CPC/15. Art. 352. Verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias. 5 STJ. REsp nº 102.423/MG. Quarta Turma. Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Dj: 21/09/1998. 6 STF. AI 640.855 - AgR nos Edcl. Primeira Turma. Relator o Ministro Dias Toffoli. Dj: 13/06/2012. STJ. AREsp nº 183.869/SP - AgInt nos Edcl. Quarta Turma. Relator o Ministro Marco Buzzi. Dj: 06/03/2018. 7 CPC/15. Art. 932. (...) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. 8 STJ. AREsp nº 1.053.466/MS - AgInt no AgInt. Terceira Turma. Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze. Dj: 07/08/2018. 9 Idem. 10 STF. ARE 1.163.233 - ED. Relator o Ministro Ricardo Lewandowski. Dj: 27/02/2019. 11 STJ. REsp nº 1.119.836/PR - AgR. Terceira Turma. Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Dj: 13/08/2012. 12 CPC/15. Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; (...) § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.
Denomina-se coisa julgada a decisão judicial de que já não caiba recurso (§3º, art. 6º da LIDNB), ou seja, é aquela dotada de imutabilidade. A coisa julgada formal "decorre da imutabilidade da decisão dentro do processo em que ela foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado"1. A coisa julgada material, por sua vez, é "a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso" (art. 502 do CPC/2015), produzindo efeitos no processo em que foi proferida como também em outros litígios. Tanto a coisa julgada formal quanto a material possuem o condão de estabilizar os efeitos futuros da decisão e impedem que o Judiciário rediscuta as questões já soberanamente decididas. Esse fenômeno se explica em virtude da necessidade de se tutelar a segurança jurídica, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. Tamanha é a relevância da coisa julgada, que sua imutabilidade é garantida inclusive por preceito constitucional (inc. XXXVI do art. 5º da CF/1988)2. A coisa julgada, como visto, reveste-se do caráter de imutabilidade com vistas a tutelar a estabilidade das relações e o princípio da segurança jurídica. Contudo, tem-se discutido se essa imutabilidade teria o condão de alcançar inclusive decisões fundadas em normas declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a chamada "coisa julgada inconstitucional".   O Código de Processo Civil de 2015, assim como o CPC/1973, considera "inexigível obrigação decorrente de título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional, ou fundado em aplicação ou interpretação inconstitucional3". Veja-se o que dispõe a literalidade do art. 525, §12 do CPC/2015: § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. O dispositivo permite que o executado alegue, como matéria de impugnação à execução, a inexequibilidade do título, tendo em vista decisão do STF que declarou inconstitucional a lei ou ato normativo que lhe dava fundamentação jurídica. Parte da doutrina defende que, por força da supremacia da Constituição, não podem prevalecer decisões que afrontem o texto constitucional, ainda que resguardadas sob o manto da coisa julgada. Sustentam, assim, a flexibilização do princípio da coisa julgada em prol da supremacia constitucional. De outro lado, há quem defenda a prevalência do princípio da coisa julgada, ainda que em afronta ao texto constitucional.  Como se observa, há intensa polêmica doutrinária a respeito do tema. A inexigibilidade de título declarado inconstitucional não pode ser interpretada de forma isolada. A ponderação de princípios e valores é medida que se impõe, posto que não há primazia da Constituição se a segurança jurídica é frontalmente violada. Há que se sopesar, de um lado, a autoridade da coisa julgada material e, de outro, a supremacia constitucional e a justiça da decisão no caso concreto. Nessa perspectiva de busca por harmonia e ponderação principiológica, o CPC/2015 inovou ao instituir as regras constantes nos parágrafos 13 e 14 do artigo 525. Em atenção à segurança jurídica, o §13 estabelece que "os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo", isto é, pode-se determinar a não aplicação imediata do novo entendimento do Tribunal ou atribuir-lhe efeitos ex nunc (sem retroação). O §14, por sua vez, prevê que a obrigação decorrente de título executivo judicial fundado em lei ou ato inconstitucional só poderá ser considerada inexigível se a decisão do STF for anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, in verbis: "§14: A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda". O intuito do legislador foi preservar as decisões proferidas e já resguardadas sob o manto da coisa julgada, ainda que divergentes de entendimento superveniente do STF no sentido de sua inconstitucionalidade. Há, aqui, um limite para a reversão, para a modificação da chamada coisa julgada inconstitucional. Se a decisão do STF que declara a norma inconstitucional for anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá a alegação de inexequibilidade do título executivo com fundamento no art. 525, III do CPC. Diversamente, caso a decisão do STF seja posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, aí então prevalecerá a coisa julgada. Nesse caso, o legislador conferiu maior peso à segurança jurídica e à coisa julgada, mesmo havendo entendimento superveniente quanto à sua inconstitucionalidade. O legislador ordinário traçou balizas para o tratamento da sentença inconstitucional revestida de coisa julgada, conferindo a ela limites para possibilitar a compatibilização de princípios de mesma hierarquia, quais sejam a segurança jurídica e a supremacia da Constituição. No julgamento da ADI nº 2.418/DF, na qual, entre outros dispositivos, questionava-se a constitucionalidade do art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14 do CPC, o STF asseverou que essas normas têm o propósito de harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, bem assim para "agregar ao sistema processual um instrumento com eficácia rescisória de certas sentenças eivadas de especiais e qualificados vícios de inconstitucionalidade, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda"4. Em razão da garantia constitucional inderrogável da coisa julgada, instituída no art. 5º, XXXVI, e da própria concepção de Estado Democrático de Direito, exige-se o respeito às decisões judiciais transitadas em julgado. Em diversas ocasiões o STF se manifestou para "consignar advertência que põe em destaque a essencialidade do postulado da segurança jurídica e a consequente imprescindibilidade de amparo e tutela das relações jurídicas definidas por decisão transitada em julgado"5. Em sede de repercussão geral, o STF apreciou o RE 611.503, "Tema 360 - Desconstituição de título executivo judicial mediante aplicação do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil". Na ocasião, o Tribunal firmou que "para o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade qualificado exige-se que o julgamento do STF, que declara a norma constitucional ou inconstitucional, tenha sido realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda". Evidencia-se, portanto, que o CPC assegura, em sede de impugnação à execução, que o executado alegue como matéria de defesa a inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação, em face de declaração de inconstitucionalidade de norma que lhe dá sustentação, todavia, restringindo essa possibilidade para os casos em que o STF tenha declarado tal inconstitucionalidade antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Assim, o diploma processual buscou assegurar a estabilidade das relações intersubjetivas, a legítima expectativa das partes e a proteção da confiança dos particulares diante das condutas do Estado-Juiz, tendo em vista a garantia constitucional consagrada à coisa julgada e a sua íntima relação com o princípio da segurança jurídica.   __________ 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 58. Ed. atual e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017. 2 CF/1988. Art. 5º (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 3 É o que se depreende do §1º do art. 475-L do CPC/1973 e do §12º do art. 525 do CPC/2015. 4 Consoante se depreende da ementa do julgado: 3. São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. 4. Ação julgada improcedente. (STF. ADI nº 2.418/DF. Relator o Ministro Teori Zavascki. Dje. 4/5/2016). 5 STF. Liminar deferida no MS nº 35.078/DF. Relator o Ministro Celso de Mello. 2º Turma. Dje: 23/08/2017.
quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Art. 75 do CPC - Das partes representadas em juízo

O artigo 75 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 dispõe sobre a representação em juízo, seja ela ativa ou passiva. Em que pese aludido diploma fazer uso do termo "representação em juízo" para versar sobre pessoas jurídicas públicas e privadas, há muito a doutrina estabelece uma distinção entre "presentação" e "representação". Segundo os ensinamentos de Pontes de Miranda, o presentante seria uma espécie de órgão que fala pelo presentado, é como se o presentante fosse parte do "corpo físico" do presentado, ele diz: "estar presente para dar presença à entidade de que é órgão [...]; onde não se trata de órgão, caberia empregar a palavra 'representação', 'representar', 'representante', não porém onde a participação processual ativa ou passiva é de órgão"1. O vocábulo presentação advém da Teoria do Órgão, estabelecendo que as relações do Estado estão diretamente relacionadas aos seus agentes, cabendo a esses - que são pessoas físicas -, responderem pela entidade, isto é, apresentam manifestações de vontade correspondentes à entidade. Nessa perspectiva, Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes, também explicam: "Os órgãos das pessoas jurídicas (...) são partes de seu ser, portanto, não as representam. A lei constitutiva da pessoa jurídica em causa, seja ela de direito público ou de direito privado, dirá quem a deve presentar, torná-la presente (não representá-la) em juízo"2. Ou seja, apesar de o CPC utilizar em geral o termo "representar" no caput do artigo 75, as pessoas jurídicas referenciadas nos incisos I, II, III, IV, VIII, IX, e X3 devem ser regularmente presentadas em juízo, cabendo representação apenas nas hipóteses dos incisos V, VI e VII4 do mesmo artigo. Outro ponto importante a esse respeito é diferenciar a presentação e a representação da substituição processual (art. 18, CPC)5. Nas duas primeiras situações tanto o presentante como o representante não são partes no processo, apenas estão autorizados a agir em juízo no interesse de determinada pessoa jurídica, entidade despersonalizada ou pessoa incapaz. A substituição processual, por sua vez, ocorre quando a lei confere legitimidade para que alguém atue em juízo em nome e interesse próprios, na defesa de pretensão alheia. Se comparado ao CPC/1973, que previa a presentação da União tão somente por seus procuradores6, a novidade desse dispositivo no CPC/2015 é dispor que "I - a União, [será presentada em juízo] pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado", ou seja, tanto a AGU pode estar em juízo pela União como também outro órgão vinculado àquele ente federado. Ressalta-se que isso foi primeiramente disposto no artigo 131 da Constituição Federal de 1988: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo". Os incisos II e III do dispositivo em comento, o artigo 75 do CPC/2015, dispõem que, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cabem aos procuradores a sua presentação, ademais, os municípios podem contar com a presentação também de seus prefeitos.   Em seguida, o inciso IV, que não tem correspondente no CPC/1973, versa que a presentação da autarquia e da fundação de direito público, será realizada por quem a lei do ente federado designar. Nesse ponto, é válido mencionar que o artigo 9º da lei 9.469/19977 prevê a presentação desses órgãos por seus respectivos procuradores, além disso, assevera ser desnecessária a apresentação de instrumento de mandato para tal. Foi nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 644 com o seguinte enunciado: "Ao titular do cargo de procurador de autarquia não se exige a apresentação de instrumento de mandato para representá-la em juízo". O inciso subsequente (inc. V, art. 75) prevê que a massa falida será representada pelo administrador judicial. Nesse ponto, salutar a precisão do CPC/2015, pois o Código anterior dispunha que cabia ao "síndico" a representação da massa falida (inc. III, art. 12, CPC/1973). Sobre a atribuição do administrador judicial para representar a massa falida, o diploma converge com o quanto já disposto na Lei de Falências (lei 11.101/2005) a qual disciplina ser dever do administrador judicial representar a massa falida nas ações judiciais (alíneas "c" e "n" do inciso III do artigo 228). Em ato contínuo, o inciso VI dispõe que a herança jacente ou vacante deverá ser representada por seu curador, redação esta idêntica a do inciso IV do artigo 12 do CPC/1973. No que concerne à matéria, destaca-se que o CPC/2015 apresenta uma seção inteira sobre a "herança jacente". Neste ponto, dá-se especial atenção ao artigo 739 segundo o qual: "A herança jacente ficará sob a guarda, a conservação e a administração de um curador até a respectiva entrega ao sucessor legalmente habilitado ou até a declaração de vacância". O inciso VII do artigo 75, por sua vez, dispõe que o espólio deve ser representado por seu inventariante. É sabido que, ocorrendo a morte de qualquer das partes, o juiz determinará a suspensão do processo (art. 313, I)9 dando tempo ao interessado para se habilitar nos autos (art. 689)10. Tratando-se de sucessão pelo espólio, a representação fica, primeiramente, aos cuidados do administrador provisório, o inventariante assume o lugar se já tiver prestado o compromisso (arts. 613 e 614)11. "Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio faz parte" (§1º do artigo 75, CPC/2015). A nomeação do inventariante dativo é recomendável, por exemplo, quando existe intenso conflito entre os herdeiros, podendo inviabilizar o andamento da ação de inventário. Entretanto, percebe-se que o legislador não concedeu ao inventariante dativo legitimidade para a representação plena do espólio, pois estabelece que todos os herdeiros e sucessores deverão ser chamados para compor a lide. Nessa perspectiva, o STJ possui jurisprudência pacífica no sentido de que a representação de espólio em juízo pelo inventariante dativo gera um "litisconsórcio necessário dos herdeiros e sucessores do falecido"12. O inciso VIII do art. 75, por sua vez, regulamenta que a presentação da pessoa jurídica cabe a quem seus respectivos atos constitutivos designaram ou, não havendo essa designação, aos seus diretores. Salienta-se que o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência no sentido de que "não é necessária a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurídica que é parte no processo"13, essa juntada "apenas é imprescindível caso haja fundada dúvida sobre a validade da representação em juízo"14, a simples alegação, de caráter meramente formal, da ausência do referido documento não gera nulidade. Já a sociedade e a associação irregulares, e outros entes organizados sem personalidade jurídica, serão presentados pela pessoa a quem couber a administração de seus bens (inc. IX). Considera-se irregulares ou sem personalidade jurídica os órgãos privados que não levam seus Contratos Sociais ao respectivo registro no Cartório ou Junta Comercial, sendo, portanto, sociedades de fato que não gozam de personalidade jurídica. Nesse momento, cabe frisar o §2º do artigo 75 do CPC/2015, segundo o qual "a sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada". Se assim o pudesse, estaria se beneficiando de sua própria irregularidade. O inciso X assevera que a presentação de pessoa jurídica estrangeira, cabe ao gerente, ao representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil. Ademais, o §3º do artigo 75 assevera que: "o gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo". A intenção do legislador com esse dispositivo foi facilitar a citação de empresas estrangeiras pelo Poder Judiciário brasileiro, por essa razão, inclusive, o STJ já entende que as expressões "filial, agência ou sucursal", que o CPC apresenta na redação art. 75, inciso X, não devem ser interpretadas restritivamente, "de modo que o fato de a pessoa jurídica estrangeira atuar no Brasil por meio de empresa que não tenha sido formalmente constituída como sua filial ou agência não impede que por meio dela seja regularmente efetuada sua citação"15. No supracitado julgado, que é a Homologação de Decisão Estrangeira nº 410, a Corte Especial do STJ fixou que "exigir que a qualificação daquele por meio do qual a empresa estrangeira será citada seja apenas aquela formalmente atribuída pela citanda inviabilizaria a citação no Brasil daquelas empresas estrangeiras que pretendessem evitar sua citação, o que importaria concordância com prática processualmente desleal do réu e imposição ao autor de óbice injustificado para o exercício do direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa". Agora no que tangue ao condomínio, a representação é feita pelo administrador ou síndico (inc. XI). No caso dos condomínios instituídos de forma voluntária, a representação caberá ao administrador - que poderá até ser pessoa diferente dos condôminos (art. 1.323, CC/2002)16. Já no caso dos condomínios edilícios, a representação caberá, preferencialmente, ao síndico (art. 1.348, inc. II, CC/2002)17 e esse poderá até transferir - total ou parcialmente - seus poderes de representação a outrem, desde que haja aprovação em assembleia (§§ 1º e 2º do art. 1.323, CC/2002)18. Por último, o §4º do artigo 75 em comento apresenta um regramento novo para a prática de atos processuais por procuradores de Estados e do Distrito Federal, a saber: "Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias". Nos termos desse dispositivo, as procuradorias poderão se articular para melhorar o acompanhamento das diligências processuais, o que lhes confere maior eficiência, otimizando suas funções e atuação judicial. Quando comparado ao CPC/1973, é perceptível que o Código de 2015 aperfeiçoou a linguagem técnica - em que pese não incluir os ensinamentos doutrinários da diferenciação entre presentação e representação. O artigo 75 do Código de Processo Civil de 2015 é mais um exemplo de que o novo diploma prima pela celeridade na tramitação dos processo judiciais e administrativos, otimizando as regras de presentação dos entes públicos e buscando fazer prevalecer a Constituição Federal no tocante à garantia da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inc. LXXVIII do art. 5º, CF/1988). __________ 1 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil. 5.ed. Tomo I. Atualizado por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995. Pág. 288. 2 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Pág. 141. 3 Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado; II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores; III - o Município, por seu prefeito ou procurador; IV - a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar; VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores; IX - a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens; X - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil; 4 Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (...) V - a massa falida, pelo administrador judicial; VI - a herança jacente ou vacante, por seu curador; VII - o espólio, pelo inventariante; 5 CPC/2015. Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial. 6 CPC/1973. Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores; 7 Lei 9.469/1997. Art. 9º A representação judicial das autarquias e fundações públicas por seus procuradores ou advogados, ocupantes de cargos efetivos dos respectivos quadros, independe da apresentação do instrumento de mandato. 8 Lei 11.101/2005. Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: (...) III - na falência: (...) c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida; (...) n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores; 9 CPC/2015. Art. 313. Suspende-se o processo: I - pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador; 10 CPC/2015. Art. 689. Proceder-se-á à habilitação nos autos do processo principal, na instância em que estiver, suspendendo-se, a partir de então, o processo. 11 CPC/2015. Art. 613. Até que o inventariante preste o compromisso, continuará o espólio na posse do administrador provisório. Art. 614. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa. 12 STJ. REsp nº 1.184.832/SP. Relator o Ministro João Otávio de Noronha. Terceira Turma. Dj: 25/11/2013. 13 STJ. REsp nº 929.885/RR. Ag-R. Relatora a Ministra Denise Arruda. Primeira Turma. Dj: 20/10/2009. 14 STJ. REsp nº 1.343.777/RS. Ag-R. Relator o Ministro Og Fernandes. Segunda Turma. Dj: 16/03/2015. 15 STJ. HDE nº 410-EX. Relator o Ministro Benedito Gonçalves. Corte Especial. DJ: 26/11/2019. 16 CC/2002. Art. 1.323. Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não o é. 17 CC/2002. Art. 1.348. Compete ao síndico: (...) II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns; 18 CC/2002. Art. 1.348. (...) § 1 o Poderá a assembléia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação. § 2 o O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembléia, salvo disposição em contrário da convenção.    
quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Art. 72 do CPC - Do curador especial

A lei processual brasileira, buscando garantir os princípios da isonomia e do devido processo legal, dispõe da figura do curador especial para tutelar os interesses da pessoa, impossibilitando a prolação de sentença sem sua participação na lide com o devido espaço de ampla defesa e contraditório. Ressalta-se que além dos casos previstos no artigo 72 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 - que será abordado no presente artigo -, o juiz também nomeará curador especial "ao ausente, se não o tiver" (inc. I do art. 671) e ao interditando, caso este deixe de constituir advogado (§2º do art. 752). O inciso I do artigo 72 do CPC/2015 prevê que o juiz nomeará curador especial ao "incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade". Essa previsão muito se assemelha ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 1421, e também é reiterada no próprio Código de Processo Civil, no inciso II do artigo 6712. Vê-se que uma das hipóteses de designação de curador especial pressupõe a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal, contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda apresenta divergências quanto à possibilidade de o Ministério Público substituir a figura do curador especial. Por um lado, o STJ possui precedentes para sustentar que "a atuação do Ministério Público, enquanto fiscal da ordem jurídica na ação de interdição da qual não é o autor, impede que ele atue, simultaneamente, como defensor do curatelando"3. Por outro lado, o mesmo Tribunal superior tem precedentes no sentido de que "a atuação do Ministério Público como custos legis, nas ações de interdição não ajuizadas pelo órgão, é suficiente para resguardar os interesses do interditando, de modo que é desnecessária a nomeação de outro curador especial, bem como não há incompatibilidade com as funções institucionais"4. Nada obstante, considerando que a função de custos legis do Ministério Público consiste em fiscalizar a estrita aplicação legal e que este participa do feito na posição de fiscal da ordem jurídica, cuidando, inclusive, da atuação dos representantes legais, fica instintivo concluir que a acumulação das funções de fiscal da lei e de curadoria especial pode levar à prevalência de uma em detrimento da outra, logo, a participação do MP nos processos de interdição não deveria afastar a necessidade de o incapaz ser assistido ou representado por um curador especial. Ressalta-se que o artigo 7615 do CPC/2015 autoriza ao Ministério Público o requerimento da remoção do curador nomeado no feito. O inciso II do artigo 72 do CPC/2015 dispõe que o juiz nomeará curador especial ao "réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado". Quando comparado ao CPC/1973, percebe-se que no novo Código o legislador optou por delimitar o aspecto temporal do exercício do curador especial, determinando que este só exercerá suas funções até o momento em que for constituído ao curatelado advogado competente. A jurisprudência do STJ é pacífica ao dispor que se o réu preso constituir advogado nos autos, a nomeação de curador especial será desnecessária. Veja o decidido no julgamento do REsp nº 897.682/MS: "Se a parte, mesmo estando presa, tem patrono nomeado nos autos, torna-se absolutamente despicienda a indicação de um curador especial para representá-la"6. Já a nomeação de curador especial ao réu revel que foi citado por edital ou por hora certa é uma medida imperativa, ou seja, é uma obrigação do juízo sob pena de nulidade, "porque sobre a citação ficta (seja por hora certa, ou pela via editalícia) pesa a presunção de que poderá o réu não ter tido efetivo conhecimento da existência da demanda. Visa, portanto, garantir o contraditório efetivo e real quando não se tem certeza de que o réu tomou ciência da ação em face dele aforada"7. Conforme o parágrafo único do artigo 72 do CPC/2015, "a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei". Insta destacar que desde que vigora a Lei Complementar Federal 80/1994, o exercício da função de curador especial já é uma atribuição institucional da Defensoria Pública, denominada "função atípica do Defensor Público"8, pois o órgão estatal estaria atuando em prol da pessoa juridicamente hipossuficiente e não economicamente empobrecida. A propósito, no que tange à concessão da justiça gratuita nesses processos em que o defensor público atua como curador especial, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, mais uma vez, não apresentam consenso. No julgamento do AREsp 978.895/SP, em junho de 2018, a 1º Turma do STJ acordou que "não é possível a concessão de assistência judiciária gratuita ao réu citado por edital que, quedando-se revel, passou a ser defendido por Defensor Público na qualidade de curador especial, pois inexiste nos autos a comprovação da hipossuficiência da parte, visto que, na hipótese de citação ficta, não cabe presumir a miserabilidade da parte e o curador, ainda que membro da Defensoria, não possui condições de conhecer ou demonstrar a situação econômica da parte ora agravante, muito menos requerer, em nome desta, a gratuidade de justiça"9. Por outro lado, no julgamento do AREsp. nº 1.108.665/ES, cinco meses depois do julgado supramencionado, a mesma 1º Turma decidiu que "a exigência do preparo para o conhecimento de recurso interposto pela Defensoria Pública, na condição de curadora especial de réu ausente, representa indevido obstáculo ao livre exercício do munus público atribuído à instituição. 3. Inteligência do princípio constitucional da ampla defesa, o qual também deve ser assegurado na instância recursal"10. Perceba, portanto, que não há um único entendimento jurisprudencial, mas se faz importante ponderar que sentenciar a deserção de um processo por ausência de preparo por parte da Defensoria Pública, enquanto atua como curador especial, é o mesmo que esvaziar por completo o conteúdo da norma prevista no artigo 72 do Código de Processo Civil. Nessa hipótese, vale ressaltar que o artigo 91 do CPC/2015 dispõe que "as despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido". Há quem diga que a defesa do ausente é meramente simbólica se comparada com a defesa da pessoa economicamente carente. Porém, inexiste fundamento jurídico para subalternizar a defesa prestada pelo curador especial e a este compete, por exemplo, verificar as condições da ação e seus pressupostos processuais, fiscalizar a regularidade da citação e a observância ao princípio da motivação das decisões jurisdicionais, bem como examinar as cláusulas contratuais, se houver. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 196, dispondo que "ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos". A figura do curador especial possui grande relevância, tendo em vista seu escopo de proteção e garantia dos princípios constitucionais da isonomia, da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Como inovação marcante do CPC de 2015 quando comparado ao Código processual anterior, destaca-se a previsão expressa da atribuição da Defensoria Pública na curadoria especial. Já no que tange ao entendimento dos tribunais, ainda é possível observar divergências jurisprudenciais na aplicação do instituto da curatela. __________ 1 Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. "Art. 142. Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual. Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual". 2 CPC/2015. "Art. 671. O juiz nomeará curador especial: I - ao ausente, se não o tiver; II - ao incapaz, se concorrer na partilha com o seu representante, desde que exista colisão de interesses". 3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 1.824.208/BA. 3º Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 13/12/2019. 4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AREsp nº 1.470.628/BA- AgInt. 4º Turma. Rel. Min. Marco Buzzi. DJ: 03/02/2020. 5 CPC/2015. "Art. 761. Incumbe ao Ministério Público ou a quem tenha legítimo interesse requerer, nos casos previstos em lei, a remoção do tutor ou do curador. Parágrafo único. O tutor ou o curador será citado para contestar a arguição no prazo de 5 (cinco) dias, findo o qual observar-se-á o procedimento comum". 6 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 897.682/MS. 3º Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 04/06/2007. 7 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. nº 1.089.338/SP. 4º Turma. Rel. Min. Marco Buzzi. DJ: 04/02/2014. 8 CARVALHO, Leandro Coelho de. As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa. Revista de Processo, v. 33, p. 216-218. 9 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AREsp nº 978.895/SP. 1º Turma. Rel. Min. Sérgio Kukina. DJ: 19/06/2018). Veja-se também: AgInt no REsp nº 1.607.617/AC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, 1º Turma, DJe 3/2/2017. 10 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. nº 1.108.665/ES. 1º Turma. Rel. Min. Gurgel de Faria. DJ: 18/09/2018. Veja-se também: REsp nº 1.537.810. 3º Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. DJ: 16/11/2015.
segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Arts. 73 e 74. Do consentimento do cônjuge

O artigo 73 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 dispõe que "o cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens". Em outras palavras, estabelece-se uma restrição à capacidade processual da pessoa casada nas ações que versem sobre direitos reais imobiliários. Até meados do século XX, a mulher casada era considerada relativamente incapaz, tal previsão só foi alterada pela Lei nº 4.121/1962, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada. A partir daí, as mulheres passaram a ter posição jurídica análoga à de seus maridos, "assim, nem o marido depende da outorga da mulher, nem esta da autorização daquele, para estar em juízo nas ações em geral"1. Nesse contexto, destaca-se que a regra geral dispõe que apenas e tão somente nas ações que versem sobre direitos reais imobiliários é que se exige o mútuo consentimento dos cônjuges para ingressar em juízo. Perceba, portanto, que essa restrição à capacidade processual da pessoa casada atinge ambos os consortes, independente do sexo, e diante do reconhecimento das relações e casamentos homoafetivos, pelos Tribunais Superiores, a aplicação dessa norma independe também da orientação sexual. O já mencionado artigo 73 do CPC/2015 conversa com o artigo 10 do CPC/1973, inovando ao estabelecer que não se exige consentimento do outro cônjuge aos casados sob o regime de separação absoluta de bens, até porque nesses casos a administração dos bens continua sendo exclusiva de cada um dos consortes, logo, estes podem livremente alienar ou gravar de ônus real imóvel a ele pertencente. Essa regra se apresentou anteriormente no inciso I do artigo 1.6472 do Código Civil (CC) de 2002 e foi reiterada no CPC/2015, mas, no geral, a exigência de consentimento mútuo é o que prevalece nos outros regimes matrimoniais, que não a separação absoluta de bens. O "regime de bens é o estatuto que disciplina os interesses econômicos, ativos e passivos, de um casamento, regulamentando as consequências em relação aos próprios nubentes e a terceiros, desde a celebração até a dissolução do casamento, em vida ou por morte"3. O CC/2002 estabelece quatro diferentes regimes de bens, podendo os interessados optar por: comunhão parcial (art. 1.658)4; comunhão universal (art. 1.667)5; participação final nos aquestros (art. 1.672)6; e separação convencional ou absoluta de bens (art. 1.687)7. No regime de separação absoluta de bens não haverá comunhão de qualquer bem ou dívida, seja anterior ou posterior ao casamento. Nessa circunstância, frisa-se o artigo 220 do CC/2002, segundo o qual "a anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento". Com a dissolução da sociedade conjugal e a extinção da relação matrimonial por meio da separação judicial e do divórcio, os bens não partilhados passam para o regime ordinário, sobre o qual não vigora a exigência de anuência conjugal para os atos individuais. Ressalta-se que o caput do artigo 73 não impõe um litisconsórcio ativo necessário entre os cônjuges quando o assunto é a propositura de ações reais imobiliárias, impõe apenas o consentimento do outro, e não a figuração deste no processo. Veja-se que tanto a jurisprudência do STF8 e do STJ9 quanto o artigo 1.650 do CC/2002 reconhecem que a "decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros". Nesse caso, fala-se em invalidade ou anulabilidade e não nulidade. Por sua vez, o §1º do artigo 73 já apresenta um litisconsórcio necessário (art. 114, CPC/2015)10, haja vista a obrigatoriedade de ambos os cônjuges serem citados, sob pena de nulidade do processo, para a ação: "I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens; II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles; III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família; IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges". Apesar de o §2º do artigo 47 do CPC/2015 classificar as ações possessórias como ações reais, em regra, o Código não exige litisconsórcio necessário entre os cônjuges para elas em todas as hipóteses. O diploma processual prevê no §2º do artigo 73 que "nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado." Isso significa que o possuidor, mesmo casado, pode propor ação possessória sem a participação obrigatória de seu cônjuge, desde que entre eles não estiver configurada a composse. No mesmo sentido, o esbulhador pode ser demandando individualmente, mesmo casado, se o ato ofensivo à posse do proponente da ação tiver sido praticado isoladamente, sem a participação do cônjuge. Enfatiza-se que todo o disposto no artigo 73 se aplica também à união estável comprovada nos autos do processo (§3º do art. 73, CPC/2015). No contexto normativo, foi a Constituição Cidadã de 1988 que primeiro reconheceu expressamente a união estável como uma entidade familiar11, o Código Civil12 e o Código de Processo Civil posteriores àquela, reiteraram essa cognição. Buscando evitar abusos do outro cônjuge - através de recusas caprichosas, por exemplo -, o caput do artigo 74 do CPC/2015 estabelece que o "consentimento previsto no art. 73 pode ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo". Portanto, nas ações do art. 73, o abono do outro cônjuge integra a capacidade processual da parte e, por essa razão, sua ausência - desde que não suprida pelo juiz - invalida o processo, como versa o parágrafo único13 do art. 74. A exigência de outorga uxória14 para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior extensão econômica previstos nos arts. 73 e 74 do CPC/2015 (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meios de controle da gestão patrimonial, uma vez que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos na constância do casamento. _______________1 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V.01, op. cit., p. 433.2 CC/2002. "Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;"3 GOMES. Orlando. Direito de Família, op. cit., p. 173.4 CC/2002. "Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes."5 CC/2002. "Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte."6 CC/2002. "Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento."7 CC/2002. "Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real."8 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE nº 79.007. 1º Turma. Relator o Ministro Djaci Falcão. Dj: 27/09/1974.9 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. nº 1.060.779. Ag.R. 6º Turma. Relator o Ministro Celso Limongi. Dj: 02/08/2010.10 CPC/2015. "Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes."11 CF/1988. Art. 226. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."12 CC/2002. "Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."13 CPC/2015. "Art. 74. (...) Parágrafo único. A falta de consentimento, quando necessário e não suprido pelo juiz, invalida o processo."14 A outorga uxória é uma forma de autorização que precisa ser concedida de um cônjuge a outro.
segunda-feira, 13 de julho de 2020

Arts. 70 e 71. Da Capacidade Processual

O artigo 70 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trata de um dos pressupostos processuais para manejar uma demanda: a capacidade processual, dispondo que "toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo". A capacidade de estar em juízo equivale a uma aptidão de pessoa natural ou jurídica (de direito público ou privado) para atuar numa demanda processual - seja no polo ativo (autor) ou no polo passivo (réu). Atente-se que a capacidade de ser parte não implica necessariamente na capacidade processual (possibilidade de estar em juízo), o incapaz e o nascituro, por exemplo, têm capacidade de ser parte, mas não são pessoas capazes de estar em juízo. A capacidade exigida para que uma pessoa possa estar em juízo é a mesma requerida para a realização dos atos da vida civil, isto é, para a prática dos atos jurídicos de direito material. A capacidade processual está diretamente relacionada ao conceito de capacidade civil que, conforme o artigo 5º do CC/20021, é conquistada - instantaneamente - aos dezoito anos de idade, desde que o sujeito não se encontre em nenhuma das previsões legais de incapacidade para exercer os atos civis, e no caso das pessoas jurídicas, inicia-se com o registro de seus atos constitutivos (art. 45, CC2). Nada obstante, destaca-se que a capacidade processual não se limita à personalidade jurídica civil, existem também determinados entes para os quais a lei outorga (art. 75, CPC/2015) a comumente chamada "personalidade judiciária"3 para que possam participar de processos judiciais na defesa de direitos institucionais próprios, como é o caso da União e seus órgãos, da massa falida, do espólio e da sociedade ou associação sem personalidade jurídica, por exemplo - este assunto será abordado mais detalhadamente nos próximos artigos. Por ora, pontua-se que o artigo 8º da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995) limita os entes com capacidade processual, no âmbito de suas atribuições, determinando que o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil não poderão ser partes. Sendo um pressuposto de validade do processo, o momento adequado para o réu alegar incapacidade processual é nas preliminares da contestação (inc. IX do art. 337, CPC/20154), entretanto, por ser considerada matéria de ordem pública, a ausência da capacidade de estar em juízo pode ser conhecida de ofício (§5º do art. 337, CPC/20155) ou suscitada em qualquer tempo ou grau de jurisdição (inc. IV, §3º do art. 485, CPC/20156). Quando "verificada a incapacidade processual ou a irregularidade de representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará um prazo razoável para que seja sanado o vício" (art. 76, CPC/2015). Por sua vez, o artigo 71 do CPC/2015 dispõe que "o incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei", logo, a representação e a assistência são os meios que suprem a incapacidade processual dos sujeitos. Considera-se processualmente incapaz o sujeito que está impossibilitado de realizar plenamente os atos jurídicos de direito material e esses podem ser classificados em: absolutamente incapazes ou relativamente incapazes. Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), apenas os menores de dezesseis anos de idade são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º, CC/2002), já os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxico, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade e os pródigos, são considerados relativamente incapazes (art. 4º, CC/2002). Dessa maneira, o Código de Processo Civil só reconhece a capacidade desses indivíduos de estarem em juízo quando são representados - no caso dos menores de dezesseis anos -, ou assistidos - caso dos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e todos outros indivíduos que manifestarem limitações à realização de certos atos ou à maneira de os exercer. Os indivíduos que são representados - isto é, os menores de dezesseis anos - têm suas vidas administradas pelos representantes, que declaram suas vontades em juízo e celebram negócios em seu nome. O absolutamente incapaz manifesta-se, assim, através de seu representante, que deve ser designado de acordo com os pressupostos legais, devendo sua atuação respeitar os interesses do representado. É justamente nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no julgamento do REsp nº 908.599/PE, estabeleceu que no instituto da representação ocorre "uma substituição de vontades, em que o pai ou o tutor, considerados representantes legais, como os mais interessados, agem, decidem pelos seus representados, como se fora da vontade destes"7. Por seu turno, o indivíduo relativamente incapaz manifesta sua vontade com o auxílio de seu assistente: o próprio assistido declara suas vontades, cabendo ao assistente tão somente confirmá-las, a pessoa do assistente se faz presente apenas para assegurar o respeito aos direitos e a regularidade dos negócios celebrados ou dos atos praticados pelo assistido. Frisa-se que, embora o incapaz esteja regularmente representado ou assistido, o art. 178 do CPC/2015 prevê a necessidade de intervenção do Ministério Público no processo como fiscal da lei, sob pena de nulidade (art. 279). O STJ, no entanto, possui entendimento firmado no sentido de que a nulidade pela ausência de intervenção do MP somente será configurada se houver demonstração de prejuízo aos interesses do incapaz8. O dever de representação ou assistência dos pais deriva do exercício do poder familiar, que é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no que tange à pessoa e aos bens dos filhos menores9. Já a tutela e a curatela são institutos autônomos com alguns pontos em comum: ambos buscam proteger e zelar pelos direitos e interesses das pessoas incapazes e representam encargos públicos de caráter personalíssimo. Conforme os ensinamentos de Pontes de Miranda "a tutela é o poder conferido pela lei, ou segundo princípios seus, à pessoa capaz, para proteger a pessoa e reger os bens dos menores que estão fora do pátrio poder"10. A curatela, por sua vez, é o encargo designado para reger os bens de quem tem mais de dezoito anos e é declarado incapaz judicialmente. Podem ser curadores qualquer sujeito que tenha relação direta com o curatelado, por exemplo, seu cônjuge, filho, pai, mãe ou irmãos, e, na ausência desses, o Ministério Público poderá substituí-los. Por outro lado, qualquer pessoa próxima à criança ou adolescente pode assumir sua tutela, desde que não possuam causas contrárias aos interesses do tutelado e que apresente real intenção de protegê-lo. Entendendo que determinados entes não estão prontos para exercer os direitos da vida civil, o legislador elenca as pessoas que devem ser consideradas absolutamente incapazes e aquelas que têm capacidade restrita. A principal diferença entre essas categorias é que as pessoas absolutamente incapazes não podem agir diretamente na vida civil, necessitando de representação para que seus atos não sejam julgados nulos; enquanto que os indivíduos relativamente incapazes podem praticar os atos da vida civil de forma válida, necessitando tão somente de assistência. A respeito do tema, o CPC/2015 praticamente reproduziu as previsões do CPC/1973, não havendo relevantes alterações. ____________ 1 Código Civil/2002. Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. 2 Código Civil/2002. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. 3 Súmula 525/STJ. A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais. 4 CPC/2015." Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: (...) IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;". 5 CPC/2015. "Art. 337. (...) § 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo." 6 CPC/2015. "Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; (...) § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado." 7 Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 908.599/PE. 1º Turma. Relator o Ministro Luiz Fux. Dj: 17/12/2008. 8 Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.679.588/DF. 3º Turma. Relator o Ministro Moura Ribeiro. Dj: 14/08/2017; REsp nº 1.101.324/RJ. 4º Turma. Relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira. Dj: 12/11/2015. 9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6: Direito de Família - 8º ed. - São Paulo: Saraiva, 2011. 10 MIRANDA. Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Rio de Janeiro: Ed.Borsoi, 1971. P. 253.
segunda-feira, 6 de julho de 2020

O Sistema de Justiça Multiportas no Novo CPC

A adequação do sistema processual brasileiro aos princípios e garantias da Constituição Cidadã é, certamente, uma das mais relevantes inovações do Código de Processo Civil (CPC) de 2015. Buscando harmonizar-se às normas constitucionais - sobretudo aos princípios do amplo acesso à justiça, da razoável duração do processo, da eficiência e do contraditório -, o novo CPC alinha-se ao moderno conceito de Justiça Multiportas. Para além da via tradicional do processo judicial, o diploma estimula a utilização de métodos de solução consensual de conflitos, como a conciliação e a mediação, bem como reconhece a arbitragem como método válido de jurisdição. A expressão "Justiça Multiportas" foi cunhada pelo professor Frank Sander, da Faculdade de Direito de Harvard. Opondo-se ao sistema clássico, que antevê a atividade jurisdicional estatal como a única capaz de solver conflitos, o Sistema de Justiça Multiportas remete a uma estruturação que conta com diferentes mecanismos de tutela de direitos, sendo cada método adequado para determinado tipo de disputa. A jurisdição estatal, nessa senda, passa a ser apenas mais uma dentre as diversas técnicas disponíveis. Ressalta-se que optar pelo caminho do Sistema de Justiça Multiportas não é uma peculiaridade do Estado brasileiro. Após a Segunda Guerra Mundial, diversos países têm atualizado seus sistemas jurídicos nesse sentido, objetivando maior respeito e proteção aos direitos humanos, individuais e coletivos. Conforme leciona Leonardo Cunha, "a expressão multiportas decorre de uma metáfora: seria como se houvesse, no átrio do fórum, várias portas; a depender do problema apresentado, as partes seriam encaminhadas para a porta da mediação, ou da conciliação, ou da arbitragem, ou da própria justiça estatal"1. Diferenciando-se do modelo de justiça tradicional, que era autocentrado e interventivo, o modelo multiportas considera também as soluções extrajudiciais, sejam elas: autocompositivas, por meio da mediação, conciliação ou outros métodos de solução consensual de litígios, a exemplo da negociação direta; ou heterocompositivas, como é o caso da arbitragem, apresentada pelo CPC/2015 como uma jurisdição extraestatal2."O Judiciário deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resolução de disputas. Trata-se de uma importante mudança paradigmática. Não basta que o caso seja julgado; é preciso que seja conferida uma solução adequada que faça com que as partes saiam satisfeitas com o resultado"3. Objetivando maior respeito e asilo aos direitos individuais e coletivos, o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal4 prescreve o amplo acesso à justiça considerando tanto a via repressiva, na apreciação de lesão a direito, quanto a via preventiva, que busca proteção diante de ameaça. O Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive, "tem reconhecido, em obediência ao inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República, a desnecessidade de prévio cumprimento de requisitos desproporcionais ou inviabilizadores da submissão de pleito ao Poder Judiciário"5. Se, por um lado, a inafastabilidade da jurisdição trouxe o benefício do amplo acesso à justiça, por outro, desencadeou um número desenfreado de demandas judiciais, a ponto de muitas vezes inviabilizar sua resolução em tempo razoável. Sublinha-se, como um paradigma no enfrentamento dessa situação, o advento da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a "Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade"6. É a partir da referida resolução que efetivamente se inicia, no Brasil, a implementação do Sistema de Justiça Multiportas para a solução de litígios. Veja-se que a aludida normativa já previa, inclusive, a criação de unidades do Poder Judiciário responsáveis pela realização e gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação7. Nessa circunstância, o caput8 do artigo 3º do Código de Processo Civil de 2015 vem reforçar a garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito. Os parágrafos desse dispositivo, por sua vez, além de reiterar a permissão legal de arbitragem9, já prevista anteriormente na Lei nº 8.987/199510, dispõe que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos" (§2º do art. 3º, CPC/2015) e que "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial" (§3º do art. 3º, CPC/2015). A leitura das referidas normas nos permite extrair, do ordenamento processual civil brasileiro, a adoção de um sistema de justiça multiportas, que objetiva garantir o devido processo legal enquanto assegura direitos fundamentais, ao primar pelo equilíbrio entre as partes e por uma tutela constitucionalmente adequada. O CPC/2015 inova, em seu artigo 33411, quando comparado ao CPC/1973, para incentivar ainda mais essa postura pacificadora e cooperativa, ao prever a designação obrigatória de audiência de conciliação e mediação. Outra significativa inovação instituída pelo CPC/2015 consiste na criação de câmaras privadas de mediação e conciliação (art. 16712). Trata-se de empresas privadas adequadamente capacitadas que, junto a mediadores e conciliadores, poderão operar, em caráter preventivo, judicial e extrajudicial, para a pacificação de conflitos e litígios. Portanto, evidencia-se mais uma vez que, para além da jurisdição estatal, o atual sistema judiciário brasileiro pode contar com modalidades das chamadas ADR e ODR. ADR é a sigla para Alternative Dispute Resolution, também apelidada de "meios alternativos de resolução de controvérsias" (MASCs) ou "meios extrajudiciais de resolução de controvérsias" (MESCs). Todos esses termos remetem aos métodos de negociação, mediação, conciliação e arbitragem. Destaca-se que os meios considerados mais adequados para a solução de demandas podem ser utilizados em qualquer momento, dependem tão somente da vontade das partes, seus benefícios podem ser facilmente percebidos: há uma patente economia de tempo e custas processuais; os envolvidos participam ativamente, assumindo protagonismo da solução do conflito e responsabilizando-se pelos resultados; a solução pode ser criativa e flexível para adaptar-se às necessidades das partes, obtendo-se resultados amplamente favoráveis e duradouros. Por seu turno, ODR significa Online Dispute Resolution e se refere aos mesmos métodos de resolução de conflitos citados em relação à ADR, a diferença é que a modalidade ODR se dá por meio das plataformas digitais. Nesse sentido, assevera Daniel Arbix que a resolução de controvérsias via ODR não se limita a substituir os canais de comunicação tradicionais pelos ambientes virtuais, até porque os "mecanismos de ODR são uma 'nova porta' para solucionar conflitos que talvez não possam ser dirimidos por mecanismos tradicionais de resolução de controvérsias, inclusive os de ADR"13. Dentre os óbices para uma aplicação mais abrangente do modelo de justiça multiportas está a persistência de falsas premissas, como: i) "com esse sistema os advogados serão prejudicados"; ii) "as partes terão suas demandas tramitando em extensões desconhecidas ou incertas"; iii) "esse sistema é apresentado porque o Judiciário não quer ter mais responsabilidades". Nenhuma dessas proposições, contudo, condizem à realidade do sistema jurídico nacional. A verdade é que, solucionar um conflito por outras vias que não perpassem necessariamente pela tutela jurisdicional do Estado apresenta, seguramente, mais vantagens que prejuízos. Os aparatos extraestatais e não adversariais podem proporcionar uma resolução mais rápida da controvérsia, gerando a satisfação das partes e possibilitando maiores chances de arranjo social entre os envolvidos no conflito. Tem-se, ainda, o que podemos chamar de efeitos reflexos que seriam, por exemplo, a redução do número de recursos e a simplificação da execução, que pode ocorrer com o adimplemento espontâneo. Por fim, num cenário em que o modelo de justiça multiportas seja amplamente viabilizado, atingindo satisfatoriamente o cidadão e as pessoas jurídicas em uma cultura de cooperação recíproca, isso resultará na redução da quantidade de processos judiciais. O elevado número de processos, que segue em escala crescente, sobrecarrega a capacidade de julgamento dos tribunais brasileiros. Conta-se mais de 100 milhões de ações judiciais em tramitação e, por essa razão, o Poder Judiciário se mostra ineficiente e extremamente moroso. A advocacia, conforme consagrou a Constituição Federal14, consiste em função indispensável para a administração da justiça, portanto, ainda que a porta mais adequada para a resolução de determinado litígio seja uma das opções extrajudiciais, a função do advogado segue sendo essencial para que as partes alcancem os melhores resultados diante de seus interesses. A propósito, harmonizando-se ao atual Sistema de Justiça Multiportas, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece que o patrono tem o dever de estimular a conciliação entre os jurisdicionados, buscando, sempre que possível, prevenir a instauração do processo. O art. 2º assim dispõe: "o advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São deveres do advogado: (...) VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios." Além disso, reforçando a relevância da atuação do advogado, o Código de Ética assegura que o valor dos honorários do profissional não poderá ser diferente em virtude do uso de métodos adequados para a resolução de conflitos15. Não apenas a advocacia, mas também os Defensores Públicos e o Ministério Público devem estimular os métodos consensuais de resolução de conflitos, posto que tais mecanismos têm apresentado respostas que, além de céleres, são mais eficientes, objetivas, simples e menos custosas - tanto para as partes como para o Sistema Judiciário como um todo. Mesmo diante dessa abertura, o Poder Judiciário é e seguirá sendo o guardião dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. Seu relevante papel em uma Democracia Constitucional é incontestável. A jurisdição estatal, pois, deve ser mantida ao alcance do cidadão, se e quando for a porta mais adequada. Amparado pelo CPC/2015, o Sistema Multiportas se apresenta como uma solução possível e eficaz para efetivar o acesso à justiça. Na medida em que os litigantes são menos adversários e mais cooperativos, a solução do conflito se apresenta com ganhos mútuos que podem até ultrapassar as partes envolvidas e ocasionar o fortalecimento da cidadania através da promoção da paz social, da justiça e da solidariedade, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. __________ 1 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 637. 2 CPC/2015. "Art. 337. (...) §6º. A ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral." 3 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 637. 4 Constituição Federal. "Art. 5º. (...) Inc. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;" 5 Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.139/DF. Relatora a Ministra Cármen Lúcia. Tribunal Pleno. DJ: 01.08.2018. 6 Resolução 125/2010 do CNJ. Art. 1º. 7 Resolução 125/2010 do CNJ. "Art. 8º. Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)." 8 CPC/2015. "Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito." 9 CPC/2015. "Art. 3º. (...) §1º. É permitida a arbitragem, na forma da lei." 10 Lei nº 8.987/1995. "Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)." 11 CPC/2015. "Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência." 12 CPC/2015. "Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional." 13 ARBIX, Daniel do Amaral. Resolução online de controvérsias - Tecnologias e jurisdições. Tese de doutorado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo. 2015. 14 CF/1988. "Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." 15 Artigo 48, parágrafo 5º: "É vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial".
O capítulo destinado a disciplinar a cooperação nacional no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 é novidade nos diplomas processuais brasileiros, entretanto a Constituição Federal já fez referência ao princípio da cooperação jurisdicional no inciso LXXVIII de seu artigo 5º, que enuncia: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Também o próprio diploma processual inovou ao prever expressamente o aludido princípio em seu art. 6º, segundo o qual "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Nessa toada, harmonizando-se temporal e teleologicamente à Constituição, o CPC/2015, em seu artigo 67, determina um dever de cooperação recíproca entre os órgãos do Poder Judiciário, estadual ou Federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, incluindo os tribunais superiores, por intermédio de seus magistrados e servidores. Com esse princípio da cooperação, a relação jurídica deixa de ser triangular (Autor, Réu e Juiz) e passa a ser plural, envolvendo inclusive os funcionários da justiça no que lhes for cabido, abrindo espaço para o diálogo ativo e transigente para a melhor prestação jurisdicional possível. De acordo com o dispositivo subsequente - o artigo 68 - não há delimitação quanto ao objeto do pedido de cooperação entre os juízos. Segundo a doutrina, o Código é amplo justamente para "facilitar e desburocratizar a prática de atos processuais ou diligências fora da circunscrição territorial do foro da causa, facilitando o cumprimento das precatórias ou até mesmo dispensando tal solenidade conforme o caso"1. Enfatiza-se que a cooperação é sinônimo do agir de boa-fé e esse fator deve sempre nortear os sujeitos do processo. Para reiterar a amplitude da noção colaborativa da cooperação nacional, isto é, para reforçar que todas as searas da justiça (cíveis, trabalhistas, fiscais) devem se articular, o CPC/2015 estabelece o §3º do artigo 69, veja-se: "o pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário". Todavia, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça apresenta posicionamento no sentido de que o acordo de cooperação nacional não interfere na fixação de competência da causa. No julgamento do REsp nº 1.706.647/MG2, o Tribunal asseverou que: "os dispositivos do novo CPC apontados pelo recorrente como afrontados pelo decisum, relacionam-se, tão-somente, ao cabimento da cooperação recíproca entre os juízos, mas ainda que não realizado o referido acordo de cooperação, a instância ordinária considerou que sua celebração não interferiria na fixação da competência discutida". No caso, houve manifestação expressa de interesse da União no feito, o que resulta na competência da Justiça Federal. Assim, entendeu o Tribunal que a existência de cooperação nacional entre juízos não afeta as regras de competência jurisdicional. Como versa expressamente o artigo 69, o pedido de cooperação nacional independe de forma específica e deve ser atendido o quanto antes, pois o compromisso do Poder Judiciário com a prestação da melhor jurisdição possível é medida que se impõe, podendo esse requerimento ser executado como: I) auxílio direto; II) reunião ou apensamento de processos; III) prestação de informações; ou IV) atos concertados entre os juízes cooperantes (incisos do art. 69, CPC/2015). Apesar da nomenclatura "auxílio direto" ser mais utilizada para tratar dos meios de cooperação jurídica internacional, também serve como um mecanismo que viabiliza os pedidos de cooperação jurisdicional em âmbito interno. O auxílio direto é a modalidade mais simplificada de cooperação, tende a propiciar o intercâmbio imediato entre os servidores ou magistrados, sem a interferência de qualquer outro órgão ou autoridade. O pedido de auxílio direto, por exemplo, pode tornar desnecessária a formalidade de expedir carta precatória para a prática de determinado ato processual. Na cooperação nacional, a reunião de processos pode ocorrer nas hipóteses de conexão, a fim de evitar a prolação de decisões conflitantes. O apensamento, por sua vez, consiste na agregação de processos para que tramitem em conjunto; apensar é o mesmo que anexar um processo aos autos de outro que com ele tenha relação, sem que isso implique na modificação da numeração originária, sendo também uma medida que busca compatibilizar as decisões proferidas em ambos os feitos. A medida de reunir ou apensar processos deverá ser tomada tão somente por juízes de mesma competência funcional ou material, não sendo possível, por exemplo, o apensamento entre um processo que tramita no Juizado Especial Cível e outro com tramitação na Justiça do Trabalho. Já a medida de prestação de informações deve ocorrer sem maiores formalidades, principalmente com o aumento exponencial da utilização de meios eletrônicos para a prática dos atos processuais. Outra técnica de cooperação jurisdicional nacional prevista pelo diploma de 2015 é a realização de "atos concertados" entre os órgãos cooperantes. Os atos concertados são aqueles definidos entre os juízos, de comum acordo, na tentativa de estabelecer procedimentos para as finalidades previstas nos incisos do §2º do artigo 69 do CPC, a ver: I) a prática da citação, intimação ou notificação de ato; II) a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos; III) a efetivação de tutela provisória; IV) a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas; V) a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; VI) a centralização de processos repetitivos; e VII) a execução de decisão jurisdicional. O dispositivo supramencionado trata de rol exemplificativo, ou seja, não há prejuízo de outros atos compatíveis com o mesmo propósito do instituto. Ademais, ressalta-se que, para que os juízos não venham a incorrer em delegação de competência e, consequentemente, violem o princípio do juiz natural, a cooperação não pode abarcar atos de julgamento, deve limitar-se à realização de atos ordinários e práticos, para não importar no esvaziamento de competência. O Fórum Permanente de Processualistas Civis, no ano de 2013, aprovou o Enunciado nº 4, que dispunha: "a carta arbitral tramitará e será processada no Poder Judiciário de acordo com o regime previsto no Código de Processo Civil, respeitada a legislação aplicável". O §1º do artigo 69 do CPC/2015 sobreveio de forma muito semelhante ao referido enunciado, acrescendo ao texto normativo que, além da carta arbitral, as cartas de ordem e precatória também seguirão o regime previsto no Código3. Quando o CPC/2015 introduz a carta arbitral na cooperação nacional, tem-se uma inovação que facilita a instrumentalização da comunicação entre o juízo arbitral e o juízo estatal, para fins de realização de atos ordinários, cujo árbitro não tem capacidade. Suponha-se, por exemplo, que a oitiva de testemunha é uma prova crucial em determinado processo arbitral, porém, sem justa causa, a testemunha se recuse a comparecer na data, local e hora em que foi intimada; nesse caso, o árbitro poderá recorrer ao Judiciário para que conduza a testemunha para ser ouvida, no exercício do seu poder de império4. Salienta-se que antes mesmo da promulgação do novo CPC, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação nº 38/2011 instituindo a Rede Nacional de Cooperação Judiciária. Desse momento em diante, o paradigma da cooperação nacional começa a se estruturar normativamente com o intuito de substituir o conflito pela colaboração interna entre os órgãos do sistema judiciário. Inclusive, o parágrafo único do artigo 4º desta Recomendação foi praticamente reproduzido pelo CPC/2015 no referido §2º do artigo 69. Essa Rede Nacional de Cooperação Judiciária "foi constituída com a finalidade de imprimir maior fluidez, agilidade e eficácia ao intercâmbio de atos judiciais e de favorecer o exercício de uma jurisdição mais harmônica e colaborativa"5. Para tanto, a Recomendação nº 38/2011 sugere dois mecanismos: I) o juiz de cooperação, cuja função é interligar os juízes, imprimindo maior celeridade aos atos judiciais; e II) o núcleo de cooperação judiciária, que é um espaço institucional de diálogo entre os juízes para que possam identificar problemas e características da litigiosidade de sua localidade, ambicionando traçar coletivamente uma política judiciária adequada à realidade. É perceptível que, ao codificar a cooperação nacional, o legislador buscou primar pela celeridade e eficiência processual, bem como pela razoável duração do processo, princípios fundamentais na Constituição Federal. A desburocratização resultante da cooperação pode evitar o acúmulo processual e reduzir as custas do processo, beneficiando as partes, que aguardam pelo veredicto. Todavia, a almejada celeridade processual está além da letra do Código, portanto, a mera positivação da cooperação jurisdicional nacional não a torna automaticamente eficaz, devendo ao Poder Judiciário proporcionar o aparato necessário para viabilizar a aplicação desses dispositivos. __________ 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. 2017. Novo Código de Processo Civil Anotado. 21º Edição. Revista e atualizada. Editora Forense. P. 187. 2 STJ. AgInt no REsp nº 1.706.647/MG. 2º Turma. Relator o Ministro Francisco Falcão. DJ: 05.06.2018. 3 Art. 69, § 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código. 4 CAVALCANTI. Fabiano Robalinho. 2014.2. Arbitragem. Fundação Getulio Vargas. Rio de Janeiro, 1º Edição. 5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Programa Cooperação Judiciária. Disponível aqui.
segunda-feira, 22 de junho de 2020

Arts. 64, 65 e 66 do CPC - Da incompetência

Incompetência é o impedimento legal que veta ao juízo o processamento e o conhecimento de determinados litígios judiciais que escapam às suas atribuições. A incompetência pode ser classificada em absoluta ou relativa: a primeira hipótese é rígida, cogente e determinada de acordo com o interesse público, impondo-se sem ressalvas ou moderações decorrentes da vontade das partes; de outro lado, a segunda hipótese - como assinala o próprio nome - já apresenta alguma margem de escolha ou adequação em relação aos interesses privados envolvidos, em razão do valor da causa, ou mesmo da territorialidade. Percebe-se que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 retirou da sistemática processual o instituto da exceção de incompetência relativa, prevista no art. 112 do CPC/1973, como resposta típica do réu. A modificação vai de encontro à simplificação e desburocratização do processo que orientam principiologicamente o novo Código. O art. 64 do Diploma assevera que a alegação de incompetência - seja ela absoluta ou relativa -, deverá ser sustentada em preliminar de contestação e essa mesma previsão pode ser constatada também no inciso II do art. 337 do CPC. Nesse contexto, ressalta-se que, de acordo com o art. 340 do Código, havendo alegação de incompetência, o réu poderá protocolar a contestação no foro de seu domicílio. Tratando-se da incompetência absoluta - matéria de ordem pública, isto é, transcendente aos interesses das partes -, o legislador acertadamente conservou a regra prevista no caput do art. 113 do CPC/1973, e assentou mais uma vez que a incompetência absoluta pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição, além de considerar dever do magistrado, assim que a identificar, declará-la ex officio (§1º do art. 64, CPC/2015). Entretanto, mesmo que a incompetência absoluta seja matéria sobre a qual o magistrado deva se manifestar de ofício, antes de proferir qualquer decisão neste sentido, conforme o art. 10 do CPC/2015, deve ser oferecido às partes a oportunidade de se manifestar sobre a matéria. A previsão vem em boa hora e reforça a garantia do contraditório no processo civil, evitando as chamadas "decisões surpresa", que baseiam-se em fundamentos sobre os quais as partes não tiveram a oportunidade de se manifestar. Apesar do §1º do art. 64 do CPC/2015 dispor que "a incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição", os tribunais superiores apresentam jurisprudência consolidada no sentido de impossibilitar a análise dessa alegação nos casos em que esta não tenha sido suscitada em instância ordinária. No julgamento do Agravo Regimental no AI 637.258, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirma que a alegação de incompetência absoluta não afasta a necessidade de prequestionamento1. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assenta que "mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas em recurso especial, se ausente o requisito do prequestionamento"2. Segundo jurisprudência do STJ, a alegação de incompetência absoluta do juiz no processo também não pode ser feita após o trânsito em julgado, veja-se: "não obstante o comando do CPC (1973), art. 113, determinando a declaração 'ex officio' da incompetência absoluta em qualquer tempo e grau de jurisdição, fica limitada tal atuação ao trânsito em julgado da respectiva decisão; cabe à parte interessada, em Ação Rescisória, pedir expressamente o seu reconhecimento"3. De modo consequente, harmônico a entendimento pacífico do mesmo Tribunal, este tema também não pode ser alegado na fase de execução4. Conforme previsto no §2º do art. 64 do Diploma vigente, após a manifestação da parte contrária, o juiz deve imediatamente decidir sobre a alegação de incompetência. Havendo o reconhecimento oficioso da incompetência ou sendo essa alegação acolhida, os autos do processo devem ser remetidos ao juízo competente (§3º do art. 64, CPC/2015) e as decisões já proferidas pelo juízo incompetente conservarão seus efeitos até que outra seja proferida, ressalvados os casos em que houver pronunciamento judicial em sentido contrário (§4º do art. 64, CPC/2015). Neste ponto, nota-se outra acertada inovação, no sentido do aproveitamento dos atos processuais do juízo incompetente, dando-se prevalência ao princípio da economia processual. O Código anterior disciplinava que os atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente seriam nulos (art. 113, §2º). Assim, o diploma atual, em sua coerência principiológica tornou excepcional a anulação dos atos, buscando imprimir maior celeridade, utilidade e racionalidade à marcha processual. Em ato contínuo, o art. 65 do CPC/2015 prevê que: "prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação". Em outras palavras, a incompetência relativa deve ser alegada em preliminar de defesa do mérito. Caso assim não proceda o réu, haverá a preclusão da matéria, isto é, ocorre o prejuízo do direito de agir diante da perda de oportunidade. Destaca-se que, diferentemente da incompetência absoluta, a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício. Nesse sentido é o que veicula a Súmula nº 33 do STJ5. Ademais, consoante o parágrafo único do art. 65 do novo CPC, admite-se que a incompetência relativa seja suscitada pelo parquet, nas causas em que atuar. Por sua vez, é o art. 66 do CPC/2015 que define as hipóteses de conflito de competência, podendo ser este conflito positivo ou negativo. Diz-se positivo quando dois ou mais juízes se declaram competentes para processar e julgar o mesmo feito (inc. I do art. 66), por outro lado, considera-se negativo quando dois ou mais juízes se declaram incompetentes para processar e julgar a causa, "atribuindo um ao outro competência" (inc. II do art. 66). Nada obstante, há conflito de competência, ainda, quando dois ou mais julgadores controvertem acerca da reunião ou separação de processos (inc. III do art. 66)6. De mais a mais, o parágrafo único do art. 66 do CPC/2015, além de inovador, é categórico ao anunciar que compete ao julgador que renegar, ou desacolher, a competência que lhe foi declinada, suscitar o conflito de competência, salvo se já o atribuir a outro juízo. Os conflitos de competência entre órgãos de primeiro grau, que tramitam perante o Tribunal, ensejam incidente processual manejado pelos arts. 951 e subsequentes do CPC/2015. A matéria também possui assento constitucional. A alínea "o" do inciso I do art. 102 da CF/1988 prevê que compete ao STF julgar os conflitos de competência envolvendo o STJ e qualquer outro tribunal ou envolvendo os Tribunais Superiores e qualquer outro tribunal; ademais, a alínea "d" do art. 105 da mesma Constituição dispõe que compete ao STJ julgar os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvada a competência do STF, bem como os conflitos de competência entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos. Ainda sobre o tema do conflito de competência, a doutrina leciona que não é possível haver conflito de competência entre o juízo estatal e o juízo arbitral: "o juiz arbitral tem poder de decidir sobre sua própria competência, e o Judiciário não pode interferir nessa questão, conforme o princípio da Kompetenz-Kompetenz"7. Segundo o aludido princípio, cabe exclusivamente ao juízo arbitral julgar a sua própria competência, bem como a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem. Ao se apreciar as escolhas e inovações do legislador do CPC/2015 no tocante à matéria da incompetência, verifica-se a busca pela prevalência dos princípios da celeridade e da economia processual, evidenciando-se também especial cuidado para com a segurança jurídica, objetivando evitar suspensões e tumultos processuais abusivos por uma das partes. Também nota-se a simplificação e desburocratização do processo, expedientes que privilegiam a solução de mérito de forma a proporcionar uma prestação jurisdicional ágil, sem se descuidar das relevantes normas processuais de competência. __________ 1 STF. AI nº 637.258, AgRg. Relator o Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. Julgado em 02.10.2007. 2 STJ. AgRg no Ag nº 1.090.095. Relator o Ministro João Otávio de Noronha. Quarta Turma. Julgado em 09.08.2011. 3 STJ. Resp nº 258.604. Relator o Ministro Edson Vidigal. Quinta Turma. Julgado em 21.11.2000. 4 STJ. CC nº 72.515. Relator a Ministra Denise Arruda. Primeira Seção. Julgado em 11.06.2008. 5 Súmula 33: A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício. 6 Ordem os Advogados do Brasil. OAB - RS, Porto Alegre. 2015. Novo Código de Processo Civil Anotado. ISBN: 978-85-62896-01-9. 7 STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da. (Org.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 128.
A competência é um instituto jurídico relacionado à distribuição e organização da função jurisdicional no processo entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, podendo ser classificada em absoluta e relativa, sendo que as regras que definem a incidência de cada uma dessas espécies não compartilham do mesmo grau de imperatividade. As regras que disciplinam as competências absolutas são protegidas de forma mais rigorosa pelo sistema jurídico, consideradas normas de ordem pública e impondo-se independentemente da vontade ou acordo dos sujeitos envolvidos, já as regras de competência relativa podem ser modificadas por força da vontade das partes. O artigo 62 do Código de Processo Civil (CPC) 2015 apresenta a competência absoluta ao determinar ser inderrogável, por convenção das partes, a competência estabelecida em razão da matéria, da pessoa ou da função. Esse dispositivo apresenta forte semelhança com o que era disposto na primeira parte do artigo 111 do CPC/1973, ocorre que o CPC/2015 apresenta maior intelecção ao substituir a locução "em razão da matéria e da hierarquia" por uma linguagem mais técnica, especificando que a regra é fixada "em razão da matéria, da pessoa ou da função". Entretanto, há quem defenda que a redação do supramencionado dispositivo no novo Código segue tão incompleta ou imprecisa quanto a do anterior, pois repete que tais tipos de competências são inderrogáveis "por convenção das partes", omitindo laconicamente que são inderrogáveis também pela reunião das demandas conexas. Interpreta-se das redações dos artigos 102 do CPC/1973 e 54 do CPC/2015 que os critérios de modificação pela conexão ou pela continência também não afetam a competência absoluta, pois nesta há um interesse público de que determinada causa seja processada e julgada em uma comarca ou instância específica1. Nesse mesmo sentido, pronuncia-se consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao firmar que: "nos termos da jurisprudência desta Corte, a reunião de ações, em virtude de conexão, não se mostra possível quando implicar alteração de competência absoluta2". Em outro julgado: "a eventual existência de conexão entre demandas não é causa de modificação de competência absoluta, o que impossibilita a reunião dos processos sob esse fundamento3". É em consideração à questão de ordem pública que subjaz na determinação das regras de competência absoluta que as partes podem requerer seu exame a qualquer tempo, o juiz pode declarar-se incompetente de ofício (art. 64, §1º, CPC/2015) e a decisão transitada em julgado proferida por juiz absolutamente incompetente é passível de impugnação por ação rescisória (art. 966, II, CPC/2015). Nesse contexto, além dos dispositivos constitucionais que versam sobre a competência originária de tribunal superior, órgão com função jurisdicional ou ainda aquelas que fixam a competência da justiça federal, são exemplos de competência absoluta as regras do CPC/2015 para as ações em que há participação de ente federal no processo (art. 45) e também as regras para as ações fundadas em direito real sobre imóvel (art. 47). A competência inderrogável constitui reflexo das razões relacionadas ao correto exercício da jurisdição e do bom funcionamento do Poder Judiciário. O caput do artigo 63 do Diploma, praticamente repete a redação do trecho final do artigo 111 do CPC/1973, prevê que "as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações". Como a lei não dispõe em sentido contrário e não há jurisprudência consolidada em outra direção, a partir do art. 63 que permite eleição de foro, a doutrina define que as competências em razão do valor e do território são relativas. Todavia, o ordenamento processual brasileiro ainda prevê algumas competências territoriais absolutas - como os §§ 1º e 2º do art. 47, CPC/20154 - e competências absolutas fixadas em razão do valor da causa, a exemplo das competências das varas já instaladas dos Juizados Especiais Federais Cíveis (§ 3º do art. 3º, Lei nº 10.259/2001). Nessa perspectiva, o §1º do artigo 63 do atual código prevê que não produz efeito a eleição de foro que for realizada em mero acordo verbal ou, quando escrita, não aludir expressamente a qual negócio jurídico se refere. Não podendo, pois, ser firmada de forma genérica e abstrata. Diante disso, o parágrafo seguinte dispõe que a eleição do foro é norma que ganha força cogente em relação aos herdeiros e sucessores das partes, podendo ser derrogada tão somente em hipótese de abusividade - prevista no parágrafo subsequente - ou nos casos previstos em legislação extravagante, como, por exemplo, no Direito do Consumidor. Sobrevindo manifesta vantagem a uma das partes e excessiva dificuldade ao exercício do direito de defesa pela outra, pode o juiz, de ofício, reputar ineficaz a cláusula de eleição de foro, desde que o faça antes da citação. Nesse caso, o magistrado "determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu" (§3º do art. 63 do CPC/2015). Quando comparado ao artigo 112 do CPC/1973 que versava sobre o mesmo ponto, percebe-se que o atual CPC inovou ao deixar de exigir, como requisito para o reconhecimento da abusividade, que tal cláusula conste em contrato de adesão. Ademais, o novo diploma reputa ser esta cláusula ineficaz, enquanto o anterior a considerava cláusula nula. Disso se depreende que o pacto entre as partes para a eleição do foro deve ser realizado em situação de equilíbrio técnico, informacional e econômico-financeiro, devendo ser reavaliado em circunstância de excessiva onerosidade ou de difícil exercício dos poderes de participação processual por um dos contraentes. De acordo com o Código Processual vigente, se antes da citação o juiz verificar, nos termos acima, a abusividade da cláusula eletiva de foro, deverá declará-la ineficaz já de ofício e, pela própria dicção legal do supramencionado §3º do art. 64, determinará a remessa dos autos ao juízo de foro de domicílio do réu. A limitação legal proposta pelo CPC/2015 - ausente no CPC/1973 - sobre o reconhecimento ex officio da abusividade da cláusula de eleição de foro tão somente em momento anterior à citação, tem a seguinte fundamentação lógica: se, devidamente citado, o réu constituir advogado e protocolar sua manifestação defensiva no local onde foi efetivamente proposta a demanda, sem dedicar uma única linha a respeito da dificuldade imposta ao exercício de sua defesa naquele juízo, então, aparentemente, a escolha do foro em questão não lhe resultou tão gravosa ou dificultosa, razão pela qual não haverá o juiz de interferir quanto a esse ponto. Nesse diapasão é a previsão expressa do §4º do artigo 63 ao impor que depois da citação cabe "ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão" do seu direito de arguir tal matéria e, consequentemente, esta restará prorrogada para o foro onde a ação foi proposta. Portanto, salvo situações específicas, algumas já mencionadas anteriormente, o artigo 63 do CPC/2015 apresenta como relativa as competências em razão do valor e do território, possibilitando às partes, com a eleição de foro, modificá-las conforme seus interesses privados. Suponha-se, no entanto, que haja o trâmite dessas demandas com uma vinculação atrativa por conexão ou continência, neste caso a prevenção prevalecerá diante da cláusula de eleição de foro? Em resposta à essa questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem apresentado jurisprudência no sentido negativo. No Resp nº 1.294.929/SP, por exemplo, a Quarta Turma do STJ concluiu que "a cláusula de eleição de foro é válida e somente pode ser afastada quando, segundo entendimento pretoriano, seja reconhecida a sua abusividade, a inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Poder Judiciário"5. Verifica-se que, sendo válida a cláusula de eleição de foro estabelecida pelas partes em contrato, ela deverá ser observada para a fixação da competência territorial ou pelo valor da causa, devendo as demandas serem reunidas no foro eleito, independentemente da existência de conexão ou continência entre elas. No mesmo sentido o Resp nº 1.396.958/SP6 e o CC nº 40.879/SP7. Observe que entre as disposições correspondentes dos Códigos de Processo Civil de 1973 e o de 2015 não há mudanças substanciais, porém, evidencia-se um aperfeiçoamento na redação dos dispositivos do novo Código, apresentando maiores especificidades e intelecção redacional. Nada obstante, faz-se necessário reconhecer que ainda restaram algumas lacunas, como a omissão referente à impossibilidade de prorrogação da competência absoluta também em razão de conexão e continência, que têm sido sanadas pela jurisprudência. ___________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. 2016. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Editora Revista dos Tribunais ltda. 3. Ed. em e-book baseada na 3. Ed. impressa. Pág. 154. 2 STJ. CC 142.849/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/3/2017, DJe 11/4/2017. 3 STJ. AgInt nos Edcl no CC 156751/BA. Relator o Min. Antonio Carlos Ferreira. Segunda Seção. Dje: 15.04.2019. No mesmo sentido: STJ. AgInt no REsp 1655993/RO. Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze. Terceira Turma. Dje: 30.08.2019. 4 Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa. § 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova. § 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta. 5 STJ. AgInt no AgInt no RESp nº 1.294.929/SP. Relator o Min. Marco Buzzi. Quarta Turma. DJ: 08.11.2018. 6 STJ. EDcl no REsp nº 1.396.958/SP. Relator o Min. João Otávio de Noronha. Terceira Turma. DJ: 15.03.2016. 7 STJ. AgRg no CC nº 40.879/SP. Relatora a Min. Nancy Andrighi. Segunda Seção. DJ: 22.12.2004.
As regras de competência definem a abrangência e os limites da atividade jurisdicional. Trata-se de um conjunto de normas que organizam a prestação da jurisdição, a fim de racionalizar e otimizar o acesso à Justiça e a solução dos conflitos no caso concreto. Sem essas normas, os juízes seriam competentes para julgar qualquer tipo de processo e matéria e atuar em qualquer grau de jurisdição, o que provocaria grande morosidade e desorganização na prestação jurisdicional. Nesse contexto, um dos critérios de definição da competência é a prevenção. Esta consiste na fixação da competência de determinado juízo perante outro, quando ambos são competentes. Prevenção, do latim proe-venire (batalha vinda), é a concentração em um órgão jurisdicional, da competência que já pertencia a dois ou vários juízos, servindo para estabelecer o sentido vetorial da atração de uma causa a um juiz já preestabelecido e também para aplazar a própria causa e seus incidentes ao órgão jurisdicional que já foi atribuído1. No CPC/2015, a prevenção, ou juízo prevento, é a regra processual utilizada para fixar a competência: 1) da ação de direito real quando o imóvel se situar em mais de uma comarca competente (arts. 47 e 60); 2) das ações acessórias (art. 61); 3) da ação que pretende rever, reformar ou invalidar a tutela antecedente (art. 304, §§2º e 4º); 4) da ação em que a contestação foi distribuída no foro de domicílio do réu, quando há alegação de incompetência do juízo (art. 340, §2º); e 5) em caso de reunião de ações por conexão (art. 55), continência (art. 56) ou litispendência (art. 337, §§1º a 3). O artigo 58 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 determina que a reunião das ações propostas em separado ocorrerá no juízo prevento, onde serão decididas conjuntamente. O artigo 59, por sua vez, define o momento em que o juízo torna-se prevento, qual seja o do registro ou da distribuição da petição inicial. Enquanto o CPC/1973 adotava a anterioridade no despacho (art. 106) ou a precedência na realização válida da citação (art. 219) como critérios objetivos para determinar a prevenção, o CPC/2015 inova e estabelece o registo ou a distribuição da petição inicial (art. 59) como marco para tornar o juízo prevento. Percebe-se uma mudança significativa de um Código para o outro, mostrando-se mais adequada e intuitiva a previsão do novo CPC, que considera a anterioridade na propositura da ação (ou seja, no registro ou na distribuição), pois agora independe de ser o juiz mais ágil do que o outro para ser considerado prevento. Entretanto, supondo que por falhas nos sistemas eletrônicos ou por defeitos na autenticação do protocolo, não se possa obter com precisão a data do registro ou da distribuição dos autos, qual seria o critério adotado para determinar o juízo prevento? Nesse ponto o legislador de 2015 foi omisso, por isso resta à doutrina e jurisprudência a fixação desse critério, apresentando-se como mais conveniente que este considerasse prevento aquele juízo ante o qual se encontra a instrução dos feitos conexos mais avançada. De acordo com o artigo 60 do CPC/2015 - que não se diferencia muito do previsto no artigo 107 do CPC/1973 -, no caso de ação que versa sobre imóvel situado em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, o que confrontaria a competência territorial, o juízo prevento terá a sua competência estendida sobre a totalidade do imóvel. Isto é, entre os juízos territorialmente competentes, aquele que receber primeiro o registro ou distribuição da petição inicial será prevento e, assim, competente para julgar a lide sobre a totalidade do imóvel. Em ato contínuo, o artigo 61 do CPC/2015, que praticamente reproduz o artigo 108 do diploma anterior, prevê que o foro competente para processar e julgar a ação acessória é o mesmo da ação principal. É de bom alvitre salientar que a ação acessória corresponde a uma demanda secundária, cujo pedido integra ou garante o pedido formulado (ou que ainda será formulado) na ação principal. E a competência estabelecida nesses artigos é de natureza absoluta, ou seja, não pode ser derrogada pela vontade das partes. Nessa perspectiva, veja-se a ação cautelar, que é acessória em relação à ação que contém o pedido principal. No julgamento do agravo regimental na Reclamação 4.612, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a "ação cautelar inomimada, em razão de sua natureza acessória, deve tramitar no juízo competente para conhecer da causa principal cujo resultado útil se procura assegurar"2. Nesse sentido, o juízo que examinou anteriormente a ação cautelar de produção antecipada de provas, por exemplo, fica prevento para o julgamento da ação de rito ordinário principal, pois a ação cautelar se reveste de caráter acessório, caracterizando notório vínculo de dependência com a ação principal, e é em resguardo ao interesse público e à segurança jurídica que se recomenda a apreciação pelo mesmo Juízo. De outro lado, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a ação de arbitramento de honorários advocatícios não é acessória em relação à ação em que os serviços foram prestados. O STJ estabeleceu que a ação do procurador contra o seu cliente deriva de relação de direito material, de índole contratual, diferentemente do que ocorre na hipótese de pretensão de honorários de uma parte em relação a outra, em decorrência da causa. Dessa maneira, "não se relacionando as causas, como principal e acessória, e não detendo, nenhuma das partes, prerrogativas que desloque a competência para a Justiça Federal, competente para processar e julgar o feito é a Justiça Estadual"3. Em apertada síntese, perceba que os artigos 58 e 59 do CPC/2015 regulamentam a fixação da competência judicial para o julgamento das ações conexas ou continentes. Um dispõe da prevenção para o processo e julgamento dessas ações e o outro, merecendo maior destaque por ser inovação, estabelece como critério para determinar um juízo prevento o momento em que houver a distribuição ou o registro da petição inicial. Os artigos 60 e 61 do novo Código apresentam grandes semelhanças aos artigos 107 e 108 do CPC/1973. O primeiro trata de expandir a competência territorial do juízo prevento para comportar a totalidade de imóvel situado em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária e o outro garante que compete ao juízo que apreciou a ação acessória o julgamento da ação principal. Por fim, releva enfatizar que a prevenção é um importante instituto para a segurança e estabilidade das relações jurídicas. O Código de Processo Civil de 2015, ao estabelecer hipóteses de prevenção o faz com vistas a evitar decisões contraditórias em causas conexas, continentes ou acessórias, que tramitam em órgãos jurisdicionais distintos, buscando assegurar a integridade e coerência das decisões judiciais, assim como a garantia dos princípios da economia processual e da razoável duração do processo. __________ 1 DINAMARCO. 4. ed., rev. e atual. segundo o Código de Processo Civil/2015, de acordo com a Lei 13.256, de 4.2.2016 e a Lei 13.363, de 25.11.2016. -São Paulo: Malheiros, 2019. 2 STF, Ag.Rg na Rcl 4.612/PE. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 11.04.2013. 3 STJ, CC 3.259/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo. Segunda Seção. Julgado em 14.10.1992.
quarta-feira, 29 de abril de 2020

A suspensão dos prazos processuais

Tanto o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 quanto o atual, de 2015, preveem que a contagem do prazo processual pode ser realizada em dias, meses ou anos. A principal inovação é que enquanto o art. 178 do antigo CPC estabelecia que a contagem do prazo processual era contínuo e não se interrompia nos feriados, o CPC de 2015, em seu artigo 219, dispõe que "na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis". Portanto, o atual diploma excluiu da contagem os sábados, os domingos, os feriados e os dias em que não haja expediente forense, pois, de acordo com o art. 216, CPC/2015 esses são considerados "dias não úteis". Enfatiza-se também no novo Código a utilização da expressão "na contagem de prazo em dias", visto que quando o lapso temporal processual é estipulado em meses ou anos a contagem do prazo deverá ser computada em dias corridos, assim como previa o antigo Código. Outra grande mudança realizada pelo CPC de 2015, resultado de histórica luta da advocacia, consiste na suspensão dos prazos processuais entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, nos termos do art. 220. Diversamente de outros profissionais que atuam perante o Judiciário, como por exemplo os magistrados e os membros do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cujo direito a férias possui assento nas legislações que regulamentam suas respectivas carreiras, ao advogado não era possível gozar de referido direito elementar à saúde laboral. Antes da garantia estabelecida pelo CPC havia tão somente uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (resolução 8/2005) que estipulava o recesso forense no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro. De modo que o efetivo reconhecimento de um direito a férias aos advogados deu-se com o advento no novo Diploma Processual Civil. Ainda nos termos do art. 220, durante a suspensão dos prazos também não são realizadas audiências nem sessões de julgamento. Contudo, o recesso forense não implica em paralisação completa do Poder Judiciário, posto que há demandas urgentes que necessitam de sua apreciação. Nesse diapasão, de forma excepcional conforme os arts. 214 e 215, mesmo durante as férias forenses podem ser realizadas citações, intimações e penhoras, deferidas tutelas de urgências e processadas ações de alimentos, de nomeação ou remoção de tutor ou curador, entre outras. O art. 221 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe que o curso do prazo pode ser suspenso por obstáculos criados em detrimento das partes ou em casos de qualquer das hipóteses previstas no art. 313. Nessas hipóteses, o prazo deve ser restituído por tempo igual ao que faltava para sua complementação. Outra mudança significativa trazida pelo atual CPC é a previsão do parágrafo único do art. 221, que prevê a suspensão dos prazos "durante a execução de programa instituído pelo Poder Judiciário para promover a autocomposição". Esse dispositivo vai ao encontro do estipulado no art. 3º, §2º do Diploma, que determina que os conflitos sejam, sempre que possível, solucionados de forma consensual. Assim, para que o curso do prazo não seja um impeditivo de se estimular as partes à conciliação, andou bem o código ao suspender os prazos durante a execução de programa de autocomposição. Nesses casos, incumbe aos tribunais especificar, com antecedência, a duração dos trabalhos. Quando ocorre o encerramento do expediente forense antes do prazo convencional há implicação de prorrogação dos prazos para o dia útil imediatamente subsequente e isso deve ocorrer de forma automática, independentemente da existência de provimento ou resolução do tribunal alertando, com precedência, sobre o encerramento prematuro do expediente forense naquele dia. Não obstante, é de bom alvitre salientar que o prazo só será prorrogado quando o encerramento prematuro do expediente forense ocorrer no último dia do prazo, isto é, no termo ad quem. Nesse sentido temos maciça jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do REsp 917.763, Resp 263.222 e do Agravo Regimental no AI 1.142.783. O tema pode ser aplicado à realidade enfrentada hoje pelo país. Diante da atual conjuntura social de pandemia em razão do novo coronavírus - covid-19, em 19 de março de 2020 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução 313/2020, estabelecendo um "Plantão Extraordinário" e suspendendo os prazos processuais até o dia 30 de abril. Contudo, diante da persistente situação de emergência em saúde pública, no dia 20 de abril, o CNJ aprova a resolução 314/2020 para prorrogar o regime excepcional anteriormente instituído, ampliando e modificando algumas regras sobre a suspensão dos prazos processuais. É importante elucidar que as referidas resoluções não se aplicam ao Supremo Tribunal Federal e à Justiça Eleitoral. No âmbito do Poder Judiciário Nacional o regime do "Plantão Extraordinário" foi estabelecido para garantir o acesso à Justiça neste período de pandemia e para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, objetivando prevenir o contágio pelo novo coronavírus. Esse novo Plantão funcionará no mesmo horário do expediente forense regular, consistindo na suspensão do trabalho presencial e na aplicação do regime de trabalho remoto para os magistrados, servidores, estagiários e colaboradores. Exige-se apenas o mínimo necessário de servidores em regime de trabalho presencial tão somente para a manutenção dos serviços essenciais de cada Tribunal. A nova resolução 314/2020 prorroga o prazo de vigência da resolução anterior até o dia 15 de maio de 2020, apresentando a possibilidade de ampliação ou redução desse período por ato da presidência do CNJ. Com fundamento no inciso VI do artigo 313 do Código de Processo Civil (CPC/2015), os prazos processuais dos autos que tramitam em meio físico estão suspensos até o dia 15 de maio, já os processos judiciais e administrativos eletrônicos terão seus prazos retomados, sem qualquer tipo de escalonamento, a partir do dia 4 de maio de 2020. O parágrafo primeiro do artigo 3º da resolução 314/2020 prevê que "os prazos processuais já iniciados serão retomados no estado em que se encontravam no momento da suspensão, sendo restituídos por tempo igual ao que faltava para sua complementação". Todavia, insta salientar que o parágrafo 3º do artigo supramencionado dispõe que os prazos para apresentar contestação, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução, defesas preliminares de natureza cível, trabalhista e criminal, inclusive quando praticados em audiência, e outros que exijam a coleta prévia de elementos de prova por parte dos advogados, defensores e procuradores juntamente às partes e assistidos, só serão suspensos se "durante a sua fluência, a parte informar ao juízo competente a impossibilidade de prática do ato", dessa forma o ato será considerado suspenso na data do protocolo dessa informação. É nesse mesmo sentido que os atos processuais que tiverem absoluta impossibilidade técnica ou prática de serem realizados por meio eletrônico ou virtual, devem ser apontados nos autos, de forma justificada, por qualquer dos envolvidos no processo. Dessa forma, a Resolução 314/2020 prevê que os referidos atos "deverão ser adiados e certificados pela serventia, após decisão fundamentada do magistrado". Além disso, ficam suspensos os atendimentos presenciais de partes, advogados, procuradores e interessados, que deverão ser realizados remotamente através dos meios tecnológicos disponíveis durante todo o período do chamado "Plantão Extraordinário". Nessa perspectiva, os tribunais devem disciplinar seus respectivos trabalhos à distância, buscando adotar soluções colaborativas com os demais órgãos do sistema de justiça, realizando virtualmente todos os atos processuais possíveis, bem como, quando necessário, providenciando o traslado de autos físicos para a realização de expedientes internos, não olvidando a vedação do expediente presencial. Como visto, o CPC/2015 trouxe algumas novidades significativas quanto à contagem e a suspensão dos prazos processuais, destacando-se a ideia de convencionar a computação dos dias em "dias úteis" e a busca por eletronizar os processos e procedimentos para maior economia e celeridade do Poder Judiciário no acesso e na prestação da Justiça. O novo Código de 2015 já trouxe alterações impactantes no dia a dia dos advogados conduzindo-os à mudança de costumes, e essas, durante a atual circunstância de pandemia, estão sendo ainda mais intensificadas, já que o contato físico deve ser evitado para mitigar a propagação do vírus da covid-19. Enfim, diante de tamanhas alterações nos prazos processuais, é crucial que além de compreender as nuances do CPC/2015, é importantíssimo que estejamos atentos à contagem dos prazos de cada tribunal. Para isso, recomenda-se consultas aos sítios eletrônicos dos Tribunais Estaduais, Federais, Trabalhistas e Superiores, pois estes já publicaram, ou em breve publicarão, portarias e comunicações para regulamentar, em suas respectivas jurisdições, a nova resolução 314/2020 do CNJ que entrará em vigor a partir de 1º de maio de 2020.
Entre as hipóteses de modificação de competência estabelecidas pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015 pode-se elencar a conexão e a continência. A primeira foi objeto da última coluna publicada, razão pela qual abordaremos, agora, dos aspectos que envolvem o instituto da continência. O artigo 56 do CPC/2015, semelhantemente ao artigo 104 do CPC/1973, dispõe que a modificação da competência relativa por continência ocorre quando se tem duas ou mais ações que se identificam quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abarca o das demais. Há continência quando ocorre perfeita harmonia entre as partes e a causa de pedir, a diferença é que uma das causas - chamada "causa continente" - tem seu objeto mais amplo e abrange o objeto de uma ou mais ações - conhecidas como "causas contidas". Assim como a modificação de competência por conexão, na continência também é necessária a identidade entre as causas de pedir, logo esta última seria uma modalidade da primeira. Enquanto na conexão as causas alcançam diversos segmentos de uma mesma relação jurídica de direito material, na continência a causa contida veicula apenas uma parte da relação jurídica de direito material anunciada na causa continente, ou seja, não se trata de uma relação de dependência de coisas diversas e sim uma relação de identidade parcial entre ações. A doutrina majoritária considera que a continência se assemelha à ideia de litispendência, aplicada a duas ou mais demandas. Por outro lado, temos doutrinadores que defendem a diferenciação entre continência e litispendência. Freddie Didier, por exemplo, sustenta que "pedido" deve ser compreendido não como um conjunto dos requerimentos formulados, mas como cada um dos pedidos efetivamente deduzidos. Ou seja, se em uma demanda há três pedidos e em outra há dois, trata-se de litispendência parcial. Agora, se os pedidos das causas pendentes são diferentes, trata-se de continência, por exemplo: há uma primeira demanda requerendo a anulação de um contrato e há também uma outra demanda pedindo a anulação de algumas cláusulas desse mesmo contrato; a primeira ação engloba/contém a segunda, ou seja, é uma hipótese de continência. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) converge com a doutrina minoritária ao diferenciar os conceitos jurídicos supramencionados, apregoando que: "não havendo configuração de pedidos idêntidos entre as ações, uma vez que o pedido anterior é menos abrangente que o apresentado nesta demanda, não há de se falar em ocorrência de litispendência, mas em continência"1. Configurada a continência, assim como na conexão, deverá ocorrer a reunião dos processos. É nesse sentido que o artigo 57 anuncia que "quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução do mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas"2. Outra hipótese são os casos de ações civis públicas continentes em que uma é de competência da Justiça Federal e a outra da Justiça Estadual. Para dirimir esses casos, o STJ aprovou a Súmula 489 no sentido de que: "Reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual". O artigo supratranscrito define que estando as ações na mesma instância, se a causa continente (a que contém, a mais extensa) tiver sido proposta primeiro, as demais deverão ser extintas. Nada obstante, se a causa contida (a menos extensa) for proposta primeiro, não haverá extinção desta e sim reunião das causas, pois, apesar de menos abrangente, a causa contida estaria em uma fase mais avançada que a causa continente. De mais a mais, conforme o inciso I do artigo 286 do CPC/2015, as ações que se relacionam entre si por conexão ou continência devem ser distribuídas por dependência e, caso assim não ocorra por ausência de informação a respeito da existência de outras causas relacionadas, far-se-á a reunião dos processos com observância do disposto no artigo 59 do Código - que trata da prevenção. Questão interessante é a regra dos honorários advocatícios envolvendo causas em que há continência. Nos casos em que a ação continente foi proposta antes da contida, conforme já se viu, a continente será extinta sem resolução de mérito. Nessa hipótese, haverá obrigação de arcar com as custas processuais e a condenação de honorários advocatícios em ambas as causas. Por outro lado, quando a ação continente for subsequente às ações contidas entende-se que houve uma absorção das causas, exigindo-se apenas as custas da causa mais abrangente, fixando-se honorários no valor atribuído à nova causa continente3. Os dispositivos 56 e 57 do Código de Processo Civil de 2015 privilegiam a economia processual e contribuem para a eliminação do risco de soluções inconciliáveis ou conflitantes. Assim, nos casos em que os pedidos de uma ação estiverem contidos em outra, de abrangência maior, o diploma processual assegura meios para que a solução judicial no caso concreto seja una, garantindo-se estabilidade e segurança na prestação jurisdicional. __________ 1 STJ, Resp 1.197.833 AgRg. Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJ: 09.11.2010. 2 Art. 57, CPC/2015. 3 TJ-DF 0007360-55.2016.8.07.0001, Rel.: Maria de Lourdes Abreu, 3º Turma. DJ: 5/7/2017.  
A competência processual não será sempre absoluta ou imutável, a codificação do direito brasileiro já prevê hipóteses para modificá-la desde 1939. Tanto o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 como o de 2015 estabeleceram duas possibilidades para a modificação da competência, podendo se dar pela conexão ou pela continência - é o que dispõe o art. 54 do CPC/2015. Trataremos, por ora, das hipóteses de modificação da competência relativa pela conexão. O caput do artigo 55 assenta serem conexas as causas ou ações que tiverem o mesmo pedido ou causa de pedir, buscando evitar que haja decisões conflitantes ou contraditórias entre si. Destaca-se que a conexão não é critério para a determinação da competência e sim um fator que, eventualmente, pode vir a alterar uma competência relativa para evitar decisões destoantes em causas que guardem questões em comum. O entendimento majoritário da doutrina é no sentido de que somente o pedido mediato e a causa de pedir remota têm o condão de gerar conexão entre duas demandas. "Por pedido ou objeto mediato, remete-se à ideia chiovendiana de 'bem da vida': bem, valor, utilidade ou vantagem de ordem prática que por meio da demanda se pretende obter1" (em contraposição ao pedido remoto, que consiste no tipo de provimento jurisdicional pleiteado, como pedido declaratório ou condenatório, por exemplo. "Já por causa de pedir remota, alude-se à narrativa fática sobre que se apoia o pedido (em contraposição à tese ou fundamentação jurídica a que tal narrativa se subsume)2", entendida como causa de pedir próxima. Quando houver conexão, os processos serão reunidos para um julgamento conjunto, "salvo se um deles já houver sido sentenciado", como excetua o parágrafo 1º do supramencionado artigo, corroborando o entendimento já esposado pelo Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, por meio da Súmula 235 do Tribunal3. Importante destacar que o dispositivo traz, a um só tempo, o dever do magistrado de julgar os processos conexos em conjunto e um limite temporal para a reunião dos feitos, qual seja a prolação de sentença em uma das demandas. Além da identidade do pedido ou da causa de pedir e que não tenha sido proferida sentença, são pressupostos para a reunião dos processos que as demandas não se submetam a regras de competência absoluta distintas e que os procedimentos sejam compatíveis entre si. Nas hipóteses em que houver competência absoluta distinta, a solução apresentada pelo Código é a suspensão do processo prejudicado por até um ano, aguardando a solução da demanda prejudicial4. O §2º do art. 55, por sua vez, determina que também serão reputadas conexas: (i) a execução de título extrajudicial e a ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico e (ii) as execuções fundadas no mesmo título executivo. A hipótese disposta no inciso I reconhece a existência de conexidade entre as execuções e as ações cognitivas contrapostas, isto é, ações anulatórias, ações declaratórias de inexistência de débito etc. Há uma vinculação lógica entre essas demandas. Trata-se de causas em que se discutem questões comuns, que exigem que o resultado seja coerente, tal como a hipótese tratada no inciso II, em relação às execuções fundadas no mesmo título executivo. Importante inovação trazida pelo CPC de 2015 em relação ao tema foi a previsão de um dispositivo aberto, que abarcasse não apenas as ações conexas, mas todas aquelas que pudessem ter decisões conflitantes entre si. Veja-se a redação da norma: "Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles". Andou bem o legislador ao estipular hipótese mais abrangente de reunião de processos, uma vez que pode ocorrer de duas ações não se encaixarem exatamente no conceito técnico de conexão, não possuindo pedido ou causa de pedir idênticos, porém, a decisão em uma conflitar ou contradizer aquela proferida na outra. O Código, em seu art. 55, §§2º e 3º, consagrou a chamada teoria materialista da conexão, segundo a qual, em determinadas situações, é possível identificar a conexão entre duas ações não com base não no pedido ou na causa de pedir, mas sim em outros fatos que liguem uma demanda à outra. Para se aferir a existência ou não de conexão, é necessário que se avalie a relação jurídica de direito material que é discutida em cada ação. Essa concepção materialista fundamenta a chamada conexão por prejudicialidade, isto é, quando a decisão de uma causa puder interferir na solução da outra, também haverá conexão. O Superior Tribunal de Justiça já aplicou a conexão por prejudicialidade, consignando que: "pode ser reconhecida a conexão e determinada a reunião para julgamento conjunto de um processo executivo com um processo de conhecimento no qual se pretenda a declaração da inexistência da relação jurídica que fundamenta a execução, desde que não implique modificação de competência absoluta5". Também sobre o assunto, o STJ cunhou o entendimento de que "o vínculo de conexão a justificar a reunião de medidas cautelares preparatórias está vinculado com a identidade de objeto e/ou de causa de pedir existente entre as ações principais a serem propostas e não do processo cautelar em si"6. Importante ressaltar que a necessidade de analisar caso a caso a proporção influenciadora das ações recíprocas e a intensidade de suas conexões é dever do magistrado. Além disso, há uma margem de avaliação se, em determinado caso concreto, será economicamente proveitosa a reunião das demandas. Isso porque, se ela tem o mérito de impedir decisões conflitantes, pode trazer, de outro lado, alguma desvantagem se os processos estiverem em fases muito distintas, caso em que o mais adiantado sofrerá inevitavelmente um retardo. O certo é que o CPC, ao disciplinar a matéria, buscou valorizar, com acerto, a segurança jurídica e a coerência na prestação jurisdicional. __________ 1 OLIVEIRA, Bruno Silveira de. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 218. 2 Idem, p. 219. 3 SÚMULA N. 235: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado. 4 Art. 313. Suspende-se o processo: (...) V - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente. 5 STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.941-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/2/2015. 6 STJ. 1ª Turma. AREsp 832.354-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/02/2019.
quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Artigo 53 do CPC - Regras especiais de competência

A regra geral de competência estabelecida no artigo 46 do Código de Processo Civil é a de que as ações devem ser propostas no foro do domicílio do réu. Todavia, o diploma estatui regras especiais de competência em determinadas situações. Essas regras específicas encontram previsão no artigo 53, cujo texto é bastante semelhante ao artigo 100 do diploma anterior, de 1973. O inciso I do art. 53 do CPC/2015 trata da competência para o julgamento das ações relativas a casamento ou união estável. Segundo dispõe, para as ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável será competente o foro: (i) de domicílio do guardião de filho incapaz; (ii) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz; (iii) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal ou, (iv) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha. O CPC de 1973 estabelecia o foro do domicílio da mulher para as ações de separação e divórcio. Andou bem o novo diploma ao instituir, ao invés, o foro do domicílio do guardião do filho incapaz, que pode ser o de qualquer dos cônjuges, seja homem ou mulher. A regra anterior já vinha sendo considerada como não recepcionada pela constituição de 1988 em virtude da violação da isonomia entre homens e mulheres. Outra inovação no dispositivo, essa recentíssima, foi o acréscimo da alínea "d", promovido pela lei 13.894, de 29 de outubro de 2019. Assim, instituiu-se nova hipótese de competência especial que estabelece como competente o foro de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar. Diversamente do caso anterior, aqui se justifica o foro especial tendo em vista a peculiar condição de vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica e não apenas uma previsão abstrata de foro do domicílio da mulher. O inciso II do art. 53 trata da competência para as ações de alimentos, fixando como foro competente o do domicílio ou residência do alimentando. Ao comentar a regra, Marco Gasparetti esclarece que "o objetivo desta norma, nitidamente, é privilegiar os interesses do alimentando, na linha dos dispositivos da Lei de Alimentos (lei 5.478/68), razão pela qual, embora o dispositivo faça referência às ações em que 'se pedem alimentos', a regra de competência deve ser aplicada também para as ações de revisão de alimentos e todas as demais ações que versam sobre o tema, ainda que cumulando outros pedidos ou pretensões1". O terceiro inciso do dispositivo ora em comento, em suas alíneas "a" e "b" trata de detalhar a regra geral da competência do foro do domicílio do réu nas hipóteses em que este for pessoa jurídica. Nesses casos, será competente o foro do lugar da sede ou da agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu. A alínea "a" reproduz a regra do art. 100, IV, "a" do CPC anterior, reiterando a regra de que a ação contra pessoa jurídica deve ser proposta no juízo do local da sua sede. Já pela alínea "b", depreende-se que se a pessoa jurídica tiver diversos estabelecimentos (agências, sucursais, filiais etc.), esta deverá ser demandada no juízo do lugar do referido estabelecimento quando a ação se tratar de obrigações por ele assumidas. O Código também cuidou de estabelecer a regra de competência para as sociedades e associações despersonificadas. Na alínea "c" do inciso II do art. 53 estabeleceu como foro competente nessas hipóteses o do local onde a sociedade ou associação exercer suas atividades. Como se trata de sociedades de fato, não há registro de seus atos constitutivos e, consequentemente, um local definido como sua sede, o que impossibilitaria a aplicação da regra da alínea "a". Portanto, de forma coerente, estabeleceu o diploma que o foro competente deve ser o do local onde a sociedade de fato efetivamente exerce suas atividades. Em matéria de direito das obrigações, também o Código estipulou regra de competência especial. Consoante a alínea "d", é competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento. Trata-se do chamado forum obligationes. A interpretação e o alcance dessa regra suscitam diversas controvérsias, sobretudo quando utilizada para excepcionar a regra geral do foro do domicílio do réu. O local em que a obrigação deve ser cumprida nem sempre é claro e preciso, de sorte que há que se observar aspectos como a natureza da obrigação, as disposições contratuais ou mesmo regras de direito material, como a do art. 327 do Código Civil, segundo o qual as obrigações devem ser cumpridas no domicílio do devedor. Além da definição do local do cumprimento da obrigação, há divergências quanto à extensão da regra, especialmente (i) se ela se aplica apenas para obrigações decorrentes de lei ou de negócio jurídico, ou se também pode ser aplicada para atos ilícitos; (ii) se ela se restringe às ações com conteúdo cominatório (ações que exigem o cumprimento da obrigação), ou se alcança também pedidos indenizatórios decorrentes do descumprimento da obrigação, ou mesmo pedidos constitutivos ou declaratórios de sua inexistência ou invalidade2. A simples leitura do dispositivo não responde a essas inúmeras indagações, de modo que a doutrina e a jurisprudência vêm tentando suprir essas lacunas com interpretações mais ou menos restritivas do dispositivo. No tocante à ação de reparação de danos, com fundamento no inadimplemento contratual, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o foro competente para seu ajuizamento é o do local onde a obrigação deveria ter sido cumprida3, aplicando-se, assim, a regra ora em comento. O Tribunal também entende pela aplicação da referida regra de competência para as ações com pedido de invalidade do contrato4. O CPC de 2015 também estabeleceu regra especial de competência para o foro de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto. É o que aduz o art. 53, III, "e". A norma reflete proteção constitucional conferida ao idoso, no art. 230 da Carta Maior. O Estatuto do Idoso (lei 10.741) já previa, em seu art. 80, que as ações referentes à proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos deveriam ser propostas no foro do domicílio do idoso, "cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa". Assim, nenhuma dúvida pode haver de que, tratando-se de demanda coletiva, o legislador tornou absoluta a competência territorial, ao passo que as demandas individuais que versem sobre direito previsto no Estatuto do Idoso, se submetem, quanto à competência, à norma extraída do art. 53, III ora em comento, a qual é relativa5. A última alínea do inciso III ora em comento prevê foro especial em relação à "sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício". Trata-se de inovação em relação ao Código de 1973. Aqui, o legislador fez a opção política de estabelecer que o juízo cujo foro abranger o lugar da sede da serventia notarial ou de registro é o competente para processar e julgar causas que versem sobre reparação de dano por ato praticado em razão do ofício. Já o inciso IV do art. 53 traz a regra de competência do lugar do ato ou fato para a ação (i) de reparação de dano e (ii) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios. Quanto à ação de reparação de danos, trata-se do forum comissi delicti, segundo a qual é competente o foro do local do fato ou ato onde ocorreram os danos cuja reparação se pleiteia. Essa regra apenas se aplica para a responsabilidade civil extracontratual, já que para a responsabilidade civil contratual a competência é do foro do local onde a obrigação deveria ter sido satisfeita. Se os danos decorrerem de acidente de veículo ou aeronave, a ação que busque a sua reparação pode ser ajuizada tanto no local do fato como quanto no domicílio do autor, conforme previsão do inciso V do art. 53. Já em relação à ação contra administrador ou gestor de negócios alheios, esta deve ser ajuizada no foro do lugar do ato ou fato da gestão. A regra também possuía previsão semelhante no diploma revogado, em seu art. 100, V, "b". Desta feita, observa-se que o artigo 53 do CPC/2015 apresenta um rol de regras especiais de competência, que se distinguem da regra geral do domicílio do réu, seja pela sua especial condição de vulnerabilidade (idoso, mulher vítima de violência doméstica, filho incapaz etc.), seja para buscar maior efetividade da ação, como nos casos de reparação de dano, e cumprimento de obrigação. O dispositivo, a despeito de reproduzir parte do que já constava no ordenamento, no CPC de 1973, realizou aprimoramentos no texto, atualizando-o ao contexto social contemporâneo, bem como ampliando as regras especiais em razão do reconhecimento de sua necessidade visando aperfeiçoar a efetividade do processo e o acesso à Justiça. __________ 1 GASPARETTI, Marco Vanin. In: ALVIM, Angélica Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 106. 2 Idem, p. 107. 3 Ag 1.431.051/DF. Rel. Ministro Raul Araújo. 4ª Turma. DJe: 21/8/2012. 4 REsp 52.012/DF. Rel. Ministro Waldemar Zveiter , 3ª Turma. DJ 13/11/1995. 5 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 214.