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Art. 72 do CPC - Do curador especial

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Atualizado às 07:42

A lei processual brasileira, buscando garantir os princípios da isonomia e do devido processo legal, dispõe da figura do curador especial para tutelar os interesses da pessoa, impossibilitando a prolação de sentença sem sua participação na lide com o devido espaço de ampla defesa e contraditório. Ressalta-se que além dos casos previstos no artigo 72 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 - que será abordado no presente artigo -, o juiz também nomeará curador especial "ao ausente, se não o tiver" (inc. I do art. 671) e ao interditando, caso este deixe de constituir advogado (§2º do art. 752).

O inciso I do artigo 72 do CPC/2015 prevê que o juiz nomeará curador especial ao "incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade". Essa previsão muito se assemelha ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 1421, e também é reiterada no próprio Código de Processo Civil, no inciso II do artigo 6712.

Vê-se que uma das hipóteses de designação de curador especial pressupõe a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal, contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda apresenta divergências quanto à possibilidade de o Ministério Público substituir a figura do curador especial.

Por um lado, o STJ possui precedentes para sustentar que "a atuação do Ministério Público, enquanto fiscal da ordem jurídica na ação de interdição da qual não é o autor, impede que ele atue, simultaneamente, como defensor do curatelando"3. Por outro lado, o mesmo Tribunal superior tem precedentes no sentido de que "a atuação do Ministério Público como custos legis, nas ações de interdição não ajuizadas pelo órgão, é suficiente para resguardar os interesses do interditando, de modo que é desnecessária a nomeação de outro curador especial, bem como não há incompatibilidade com as funções institucionais"4.

Nada obstante, considerando que a função de custos legis do Ministério Público consiste em fiscalizar a estrita aplicação legal e que este participa do feito na posição de fiscal da ordem jurídica, cuidando, inclusive, da atuação dos representantes legais, fica instintivo concluir que a acumulação das funções de fiscal da lei e de curadoria especial pode levar à prevalência de uma em detrimento da outra, logo, a participação do MP nos processos de interdição não deveria afastar a necessidade de o incapaz ser assistido ou representado por um curador especial. Ressalta-se que o artigo 7615 do CPC/2015 autoriza ao Ministério Público o requerimento da remoção do curador nomeado no feito.

O inciso II do artigo 72 do CPC/2015 dispõe que o juiz nomeará curador especial ao "réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado". Quando comparado ao CPC/1973, percebe-se que no novo Código o legislador optou por delimitar o aspecto temporal do exercício do curador especial, determinando que este só exercerá suas funções até o momento em que for constituído ao curatelado advogado competente.

A jurisprudência do STJ é pacífica ao dispor que se o réu preso constituir advogado nos autos, a nomeação de curador especial será desnecessária. Veja o decidido no julgamento do REsp nº 897.682/MS: "Se a parte, mesmo estando presa, tem patrono nomeado nos autos, torna-se absolutamente despicienda a indicação de um curador especial para representá-la"6. Já a nomeação de curador especial ao réu revel que foi citado por edital ou por hora certa é uma medida imperativa, ou seja, é uma obrigação do juízo sob pena de nulidade, "porque sobre a citação ficta (seja por hora certa, ou pela via editalícia) pesa a presunção de que poderá o réu não ter tido efetivo conhecimento da existência da demanda. Visa, portanto, garantir o contraditório efetivo e real quando não se tem certeza de que o réu tomou ciência da ação em face dele aforada"7.

Conforme o parágrafo único do artigo 72 do CPC/2015, "a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei". Insta destacar que desde que vigora a Lei Complementar Federal 80/1994, o exercício da função de curador especial já é uma atribuição institucional da Defensoria Pública, denominada "função atípica do Defensor Público"8, pois o órgão estatal estaria atuando em prol da pessoa juridicamente hipossuficiente e não economicamente empobrecida. A propósito, no que tange à concessão da justiça gratuita nesses processos em que o defensor público atua como curador especial, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, mais uma vez, não apresentam consenso.

No julgamento do AREsp 978.895/SP, em junho de 2018, a 1º Turma do STJ acordou que "não é possível a concessão de assistência judiciária gratuita ao réu citado por edital que, quedando-se revel, passou a ser defendido por Defensor Público na qualidade de curador especial, pois inexiste nos autos a comprovação da hipossuficiência da parte, visto que, na hipótese de citação ficta, não cabe presumir a miserabilidade da parte e o curador, ainda que membro da Defensoria, não possui condições de conhecer ou demonstrar a situação econômica da parte ora agravante, muito menos requerer, em nome desta, a gratuidade de justiça"9.

Por outro lado, no julgamento do AREsp. nº 1.108.665/ES, cinco meses depois do julgado supramencionado, a mesma 1º Turma decidiu que "a exigência do preparo para o conhecimento de recurso interposto pela Defensoria Pública, na condição de curadora especial de réu ausente, representa indevido obstáculo ao livre exercício do munus público atribuído à instituição. 3. Inteligência do princípio constitucional da ampla defesa, o qual também deve ser assegurado na instância recursal"10.

Perceba, portanto, que não há um único entendimento jurisprudencial, mas se faz importante ponderar que sentenciar a deserção de um processo por ausência de preparo por parte da Defensoria Pública, enquanto atua como curador especial, é o mesmo que esvaziar por completo o conteúdo da norma prevista no artigo 72 do Código de Processo Civil. Nessa hipótese, vale ressaltar que o artigo 91 do CPC/2015 dispõe que "as despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido".

Há quem diga que a defesa do ausente é meramente simbólica se comparada com a defesa da pessoa economicamente carente. Porém, inexiste fundamento jurídico para subalternizar a defesa prestada pelo curador especial e a este compete, por exemplo, verificar as condições da ação e seus pressupostos processuais, fiscalizar a regularidade da citação e a observância ao princípio da motivação das decisões jurisdicionais, bem como examinar as cláusulas contratuais, se houver. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 196, dispondo que "ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos".

A figura do curador especial possui grande relevância, tendo em vista seu escopo de proteção e garantia dos princípios constitucionais da isonomia, da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Como inovação marcante do CPC de 2015 quando comparado ao Código processual anterior, destaca-se a previsão expressa da atribuição da Defensoria Pública na curadoria especial. Já no que tange ao entendimento dos tribunais, ainda é possível observar divergências jurisprudenciais na aplicação do instituto da curatela.

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1 Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. "Art. 142. Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual. Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual".

2 CPC/2015. "Art. 671. O juiz nomeará curador especial: I - ao ausente, se não o tiver; II - ao incapaz, se concorrer na partilha com o seu representante, desde que exista colisão de interesses".

3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 1.824.208/BA. 3º Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 13/12/2019.

4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AREsp nº 1.470.628/BA- AgInt. 4º Turma. Rel. Min. Marco Buzzi. DJ: 03/02/2020.

5 CPC/2015. "Art. 761. Incumbe ao Ministério Público ou a quem tenha legítimo interesse requerer, nos casos previstos em lei, a remoção do tutor ou do curador. Parágrafo único. O tutor ou o curador será citado para contestar a arguição no prazo de 5 (cinco) dias, findo o qual observar-se-á o procedimento comum".

6 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 897.682/MS. 3º Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 04/06/2007.

7 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. nº 1.089.338/SP. 4º Turma. Rel. Min. Marco Buzzi. DJ: 04/02/2014.

8 CARVALHO, Leandro Coelho de. As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa. Revista de Processo, v. 33, p. 216-218.

9 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AREsp nº 978.895/SP. 1º Turma. Rel. Min. Sérgio Kukina. DJ: 19/06/2018). Veja-se também: AgInt no REsp nº 1.607.617/AC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, 1º Turma, DJe 3/2/2017.

10 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. nº 1.108.665/ES. 1º Turma. Rel. Min. Gurgel de Faria. DJ: 18/09/2018. Veja-se também: REsp nº 1.537.810. 3º Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. DJ: 16/11/2015.