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O não cabimento de reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo: o outro lado

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Atualizado às 10:53

Texto de autoria de André Pagani de Souza

Em artigo anterior publicado nesta coluna, foi apresentado o resultado do julgamento realizado em 5/2/2020 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar a Reclamação n. 36.476/SP1. Por maioria, em conformidade com o voto da ministra relatora Nancy Andrighi, foi firmado o entendimento de que não cabe reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo.

O julgamento tratou da interpretação do art. 988, do CPC (lei 13.105/2015), que estabelece em seu inciso IV que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência", conforme redação dada pela lei 13.256/2016.

O voto vencedor da ministra relatora levou em consideração que, originalmente, a redação do inciso IV do art. 988 do CPC, nos termos da lei 13.105/2015, era a seguinte: "garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência" (grifos nossos).

No entendimento da maioria dos ministros da Corte Especial do STJ, a mudança inserida no inciso IV do art. 988 do CPC pela lei 13.256/2016 não foi por acaso: no texto anterior era cabível a reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos e no texto atual ela somente é admissível para garantir observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e incidente de assunção de competência (IAC).

Em outras palavras, o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos foi retirado de maneira proposital e consciente do inciso IV do art. 988 do CPC e, por assim ser, não deve ser admitido nesta hipótese. Esta foi a posição majoritária e vencedora adotada pela ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros Humberto Martins, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão.

Cabe agora apresentar a posição vencida, sustentada pelos ministros Og Fernandes, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Raul Araújo. Para tanto, basta ler trecho do voto-vista do Min. Og Fernandes, dada a sua clareza:

"(...) divirjo do voto da em. Relatora para assentar a viabilidade da reclamação como instrumento hábil para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recursos especiais repetitivos, desde que esgotadas as instâncias ordinárias, nos termos do inciso II do § 5º do art. 988 do Código de Processo Civil, tratando-se, pois, de mecanismo fundamental, pelo menos por ora, para o próprio sistema de precedentes estabelecido pelo legislador (...)".

A propósito, cumpre lembrar que o art. 988, § 5º, II, do CPC, estabelece que é inadmissível a reclamação "proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias". A contrario sensu, portanto, caberia reclamação se esgotadas as instâncias ordinárias.

Ou seja, a interpretação realizada pelo ministro Og Fernandes é a de que, se forem esgotadas as instâncias ordinárias, caberá reclamação para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos. Para tanto, segue o Ministro, "(...) O esgotamento das instâncias ordinárias pressupõe a interposição de agravo interno em face do pronunciamento do Tribunal de origem, conforme disposições do art. 1.030, § 2º, c/c o art. 988, § 5º, II, todos do CPC".

Portanto, no entender da minoria formada por ocasião do julgamento da Reclamação n. 36.476/SP pela Corte Especial do STJ, caso a presidência de um Tribunal local não admita um recurso especial por entender que o acórdão impugnado está em harmonia com um tema firmado pela Corte Superior por meio da sistemática de julgamento de recursos repetitivos, a parte que se sentir prejudicada deve interpor o recurso de agravo interno a que se refere o § 2º do art. 1.030 do CPC para demonstrar que esgotou as instâncias ordinárias e depois deve ajuizar a reclamação nos termos do autorizado pelo inciso II do § 5º do art. 988 do mesmo diploma legal.

Tal entendimento é baseado em sólida doutrina, podendo-se destacar a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:

"Cabe reclamação sempre que se vislumbrar a usurpação de competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a ofensa à autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas as instâncias ordinárias, art. 988, § 5º, II, CPC/2015) e de jurisprudência vinculante" ("Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 976 a 1.044. Dir. Luiz Guilherme Marinoni. Coord. Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, Vol. XV, p. 140").

Diante disso, é importante registrar o entendimento que acabou por vencido em 5/2/2020 no âmbito da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que cabe reclamação para garantir a correta aplicação de tese firmada pelo STJ por meio da sistemática de julgamentos de recursos repetitivos nos termos do inciso II do § 5º do art. 988 do CPC, desde que esgotadas as instâncias ordinárias com a interposição do agravo interno a que se refere o art. 1.030, §2º, do mesmo diploma legal. Entretanto, vale lembrar que, por ora, o entendimento que prevalece - por maioria - no âmbito do STJ é aquele indicado no início deste texto: o de que não cabe reclamação para controlar aplicação de tese de recurso repetitivo, mesmo que esgotadas as instâncias ordinárias.

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1 Fonte: STJ