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Petrobras - Governança corporativa e interesse público

terça-feira, 25 de março de 2014

Atualizado às 07:28

Afora os evidentes aspectos políticos, econômicos e de administração da res publica, a divulgação da transação envolvendo uma refinaria localizada em Pasadena, Texas, nos Estados Unidos deixa evidente outro grave problema envolvendo a maior empresa estatal brasileira, a Petrobras. Trata-se de sua governança corporativa, de importância fundamental para o pleno entendimento dos últimos acontecimentos envolvendo a empresa petroleira.

Desde o início do século XXI, a governança corporativa no Brasil encontra sólidas bases, seja na regulação legal, seja na infralegal (inclusa as instituições de mercado). Isso vale especialmente para o caso das empresas de capital aberto, dentre as quais encontra-se a Petrobras que é o foco deste artigo.

A lei das Sociedades Anônimas (6.404/76) foi reformada pelas leis 10.303 de 2001 e 11.638 de 2007 e incorporou suficientes previsões e institutos que criam um sistema bastante razoável de checks and balances que permite o equilíbrio entre os interesses dos acionistas detentores do controle acionário, os administradores das empresas e a parcela mais numerosa desta relação, paradoxalmente denominados pela doutrina jurídica e pelo jargão de mercado de "acionistas minoritários" ou "preferencialistas". De fato, tais acionistas são os "acionistas investidores", aqueles que ordinariamente tomam riscos quando adquirem ações preferenciais das empresas nas bolsas de valores do Brasil e do exterior (usualmente via recibos de ações). Infelizmente, tais investidores ainda não tem a "maioridade capitalista" de deterem o poder de voto. Apenas excepcionalmente estes podem emprestar o voto para tomar decisões, como no caso de incorporação de ativos dos acionistas controladores. Mesmo assim, seus interesses e direitos são fustigados por querelas junto aos órgãos regulados (no geral, a CVM - Comissão de Valores Mobiliários). Chegará o dia no Brasil em que "uma ação representará um voto" para o bem do desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

A governança corporativa, devido à inexistência do direito de voto para as ações preferenciais, apesar de elevados padrões formais ainda carecem de fortaleza material. Afinal, sem o direito de voto, os acionistas preferencialistas acabam, no limite do exame das questões corporativas, limitados pelos interesses do acionista controlador. Note-se que isso ocorre em detrimento de uma mais perfeita avaliação das empresas, cujo valor de mercado (market value) acaba minimizado fossem todas as ações detentoras do direito de voto. Há, de fato, uma estranha democracia censitária pela qual o investidor pode tudo, só não pode aquilo que o acionista controlador não quer.

O Estado, por meio de seus órgãos reguladores (CVM, por exemplo) e de fomento (onde pontificam o BNDES e o BNB), foi um instrumento que contribuiu decisivamente para a melhoria da governança corporativa ao exigir melhores padrões quando da concessão de empréstimos e investimento. No momento, contudo, poderia o Estado acelerar ainda mais as mudanças que valorizariam as ações preferenciais, sobretudo nas fusões e aquisições que patrocinam. Não é o que ocorre, de vez que, parece estar acomodado em relação ao tema.

No caso das entidades privadas, notadamente a BMFBovespa e os fundos de investidores institucionais (fundos de pensão, fundos de investidores ativos, etc.), os avanços quanto a governança corporativa são mais contínuos mesmo porque tais entidades estão mais próximas dos interesses forjados pelo mercado. Não à toa, os níveis de governança corporativa implementados pela Bovespa, no passado, e mantidos e reavaliados continuamente pela BMFBovespa atendem infralegalmente aos mais importantes interesses dos investidores e são parâmetros internacionalmente reconhecidos.

Há, ainda, um outro aspecto a ser observado no tema. A governança corporativa não pode ser olhada apenas como interesse do mercado de capitais ou um interesse meramente "microeconômico" na nomenclatura da literatura econômica. Vai além disso. Na verdade, a excelência da governança corporativa é, no limite, de interesse público, pois a separação entre interesses privados e públicos está cada vez mais mitigado pela realidade observada nos diversos segmentos de mercado. Uma crise que envolva empresas privadas relevantes é na essência uma crise macroeconômica e é por esta razão que a partir do último quartil do século passado os Estado acabou intervindo nos processos tipicamente de mercado e sendo articulador do saneamento de grandes e médias empresas. Os mais liberais não comentam muito este aspecto factualmente evidente, mas não se importam de se valer do Estado quando os riscos acabam afetando os ativos privados e o denominado risco sistêmico.

A Petrobras, neste contexto, é um caso que merece as maiores e melhores atenções. É a maior empresa brasileira, responsável por enormes investimentos setoriais e pelo fornecimento do mais importante insumo que viabiliza toda a dinâmica da logística doméstica do Brasil. Além disso, é uma empresa de capital aberto e se serve do mercado de capitais local e externo para a satisfação de suas operações de crédito e de equities.

O prejuízo verificado na aquisição da Refinaria de Pasadena, bem como as denúncias envolvendo padrões éticos duvidosos no caso do aluguel de plataformas de petróleo são resultados de uma conjunção de fatores, alguns declinados, outros camuflados pela obscuridade das indicações políticas de seus diretores e pelas práticas comerciais e administrativas que confundem o público e privado, quase sempre com desvios na direção de bolsos alheios.

A governança corporativa da empresa demonstra com sólida evidência que "há algo de errado no reino da Petrobras".

A presidente do Conselho de Administração de quando a já famosa operação de Pasadena foi concretizada era a atual presidente da República. Provavelmente, ela não mente quando diz que tomou decisões baseadas em "laudos incompletos", muito embora tenha votado a favor do negócio e, nisso, foi acompanhada pelo restante dos conselheiros da empresas, inclusos aí, personagens de alto coturno da indústria nacional como Jorge Gerdau. Lembro neste ponto a responsabilidade pessoal dos conselheiros em relação aos votos proferidos em relação à condução dos negócios corporativos. Muito provavelmente, a Petrobrás carecia, como ainda carece, de uma governança corporativa sólida, calcada nas necessidade de conciliar os interesses públicos e privados dos quais a empresa é uma espécie de "fiadora".

No que tange ao papel dos conselheiros, vale dizer que o material produzido pela empresa relativos às reuniões do Conselho de Administração e enviado aos seus conselheiros é volumoso como a velha Enciclopédia Britânica. Somente conselheiros profissionais e extremamente dedicados podem ler este material e, com espírito crítico, votar nas matérias que dependem de decisão. Teria a então ministra Dilma Rousseff tempo para isto? O mesmo vale para o empresário Jorge Gerdau e outros conselheiros. Ademais, pergunta-se: um general de Exército é o melhor conselheiro para uma estatal, no caso de então o valoroso Gleuber Vieira? Por que os acionistas "minoritários" não tinham verdadeiramente uma representação no Conselho de Administração? Isso não poderia criar um sistema mais eficiente de checks and balances em favor da empresa? Por que a transparência desta operação permanece tão obscura se se trata de uma empresa de capital aberta e com deveres legais de informar?

Não bastasse isso, percebe-se que aquela situação perpetua-se. Dentre os candidatos à composição do Conselho de Administração que devem ser eleitos no próximo dia dois de abril, estão inclusos Guido Mantega (ministro da Fazenda), Marcio Zimmermann (secretário Executivo do Ministério das Minas e Energia) e Luciano Coutinho (presidente do BNDES). Note-se o peso destes conselheiros na gestão da empresa e o quanto estes representam os interesses governamentais conflituosos, em muitos casos, com os da empresa. Não seria melhor que houvesse mais equilíbrio na composição do Conselho de Administração? É certo que o acionista controlador, no caso a União, necessita ser representado, mas empresas públicas que operam no regime jurídico de empresas de capital privado requerem mais do que representação. Requerem atributos de gestores, de experts na administração de negócios e defensores de padrões privados de eficiência. A título de ilustração analise-se o caso das multas bilionárias (R$8,7 bilhões) aplicadas pela Receita Federal à Petrobras. O Presidente do Conselho de Administração da Petrobras é o chefe supremo da Receita Federal, o Ministro Guido Mantega. Se isso não é um flagrante conflito de interesses, o que mais poderia ser?

Hoje a Petrobras tem apenas um representante dos "acionistas minoritários". Isso é outra evidência de que o governo não está atento aos interesses da governança corporativa da estatal em prol da defesa do valor da empresa. Pensa estar a defender, de forma errônea (para dizer o mínimo), os interesses do Tesouro em detrimento do tal do mercado. Triste ver que as autoridades pouco se sensibilizam com a perda gigantesca de valor de mercado - as ações que já foram cotadas a R$ 62 valem R$ 14 atualmente. Neste sentido, a questão dos desajustes do preço dos combustíveis é "apenas" mais um elemento a evidenciar o extraordinário desequilíbrio nos poderes de gestão da empresa.

A hora é de investigar os fatos ao redor da Petrobras e que geram tantas dúvidas e indignações aos investidores e aos cidadãos brasileiros. Todavia, também é rara ocasião de se repensar a governança corporativa da empresa. É o caso de torná-la um exemplo de como a adequada forma de gestão de uma gigante com esta serve aos interesses públicos mais relevantes. Inclusive poderia evitar que a presidente da República tivesse tomado decisões tão importantes com base em "laudos duvidosos".