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Duas notas sobre o novo governo

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Atualizado às 07:21

Ainda não temos a completa confirmação, mas, ao que parece, o trio da política econômica será formado pelos economistas Alexandre Tombini, mantido no BC, Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda e Nelson Barbosa, no Ministério do Planejamento. Há, ainda, definições em relação ao Ministério do Desenvolvimento (Armando Monteiro, ligado à CNI) e Ministério da Agricultura (Kátia Abreu).

Observados estes nomes podemos tirar algumas conclusões que ordeno pontualmente:

1) Não se pode acusar a presidente da República de estar formando um ministério "bolivariano" como alguns mais inflamados chegaram a enunciar enquanto previsão;

2) Há evidente sinalização de que a nova administração de Dilma Rousseff se encaminhará no sentido de um ajuste em relação aos erros cometidos no primeiro mandato;

3) A principal correção, já amplificada por notícias na mídia, diz respeito ao ajuste fiscal, prioritário pelo que se sabe. Neste sentido, a presença de Joaquim Levy à frente da Fazenda é bastante sintomática vez que se trata de uma figura formada à luz de ajustes de contas públicas;

4) Nota-se que a presidente faz concessões à base política na medida em que tanto Kátia Abreu (ligada ao PMDB) quanto Armando Monteiro (ligado ao PTB e ex-candidato derrotado ao governo de Pernambuco) tem ativas atuações políticas no Congresso Nacional;

5) Além disso, a presidente procura se associar ao setor produtivo, pois ambos os indicados para a agricultura e desenvolvimento são líderes setoriais;

6) Dilma fez importante concessão aos setores conservadores ao tentar atrair para o governo (Fazenda) o presidente do Bradesco Luiz Carlos Trabuco, apesar deste não ter aceitado;

7) Joaquim Levy também é nome que representa os interesses mais próximos do "mercado financeiro" e, em menor medida, "dos setores produtivos";

8) Tanto Alexandre Tombini quanto Nelson Barbosa estão longe de ser nomes "heterodoxos" na condução das áreas monetária e de orçamento;

9) Acredito que o tom menos "conservador" da presidente será dado na escolha do novo presidente do BNDES e das áreas sociais.

Estamos diante de notícias positivas, mas é muito pouco provável que os agentes econômicos e a sociedade como um todo sejam receptivos apenas a um jogo de aparências. Todos terão de ver as primeiras ações da nova equipe econômica para verificar se as expectativas foram confirmadas - valerá a "Lei de São Tomé".

Há um déficit de credibilidade do governo e a melhor coisa que ele faria neste momento seria reconhecer a sua existência. Assim, suas ações seriam encaradas como mais transparentes e compromissadas.

De outro lado, temo que as soluções da atual equação econômica "torta" sejam apenas na direção da política fiscal e suas relações mais importantes (superávit em relação ao PIB, relação dívida/PIB, velocidade de crescimento de despesas e receitas, etc.). Apesar da extrema importância do tema, a questão econômica brasileira requer soluções mais amplas. No âmbito conjuntural ainda temos de resolver a questão do imenso déficit de conta corrente. Trata-se de um indicador insustentável no médio prazo (três anos). O real precisa ser desvalorizado (em termos reais), o que não é tarefa trivial, sem que se perca a competitividade da economia como um todo - as importações de bens de capital, neste sentido, são importantíssimas. É certo que a solução "final" do problema das contas em moeda forte do país passam pela remontagem do setor exportador brasileiro o qual foi dizimado pelo abuso das políticas cambiais dos governos FHC, Lula e Dilma para controlar a inflação.

Se Dilma acertar no ajuste de seus erros crassos da primeira administração, restará a velha e conhecida questão da sustentação do crescimento. Estamos a tratar sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para o país. Parece uma questão "velha", mas de fato é apenas uma questão não resolvida. Todos os países que fizeram transições de países subdesenvolvidos para desenvolvidos tiveram modelos de desenvolvimento muito bem definidos no longo prazo - e.g. Japão e Coreia do Sul nas décadas mais recentes e a Europa Meridional (e.g. Itália e Espanha), há mais tempo.

O Brasil precisa de uma revolução nas áreas de tecnologia e inovação, educação, regras laborais, etc. Creio que será difícil para a presidente encaminhar políticas no sentido de uma grande mudança de patamar do país em termos de padrão de desenvolvimento. A oportunidade foi perdida quando Dilma Rousseff errou em aspectos primários da política econômica. Agora vem o ajuste que felizmente ela parece ter escolhido. Todavia, é notável que a sociedade brasileira permanece imóvel sobre o debate a respeito de seu futuro no longo prazo. Muitas vezes os "formadores de opinião" se ocupam apenas de criticar o governo e se esquecem de ajudar a mobilizar a sociedade no sentido mais vital de sua existência que é o desenvolvimento integral do país com uma substancial redução da desigualdade.

***

No momento, o aspecto mais preocupante para o futuro do governo Dilma é a solução da crise da Petrobras. Parece pouco provável que uma solução surja no curto prazo. Há várias complicações pela frente. São tantas que não cabe listá-las aqui. Vão das dificuldades políticas que advirão das investigações judiciais, sobretudo quando chegarem ao STF, até as questões legais e regulamentares, aqui e no exterior, sobre mercado de capitais, societárias e financeiras, além das criminais.

A despeito desta perigosa teia na qual há vários implicados (e não somente o governo), Dilma Rousseff deveria tomar medidas que aumentem o poder de manobra da Petrobras e, com efeito, do governo. Isso passa necessariamente por uma radical mudança na gestão da empresa. Isso significa alteração no seu modelo de governança corporativa e de transparência que alterasse a desconfiança em relação aos negócios da empresa, bem como servisse de modelo para outras empresas estatais, notadamente as de capital aberto. Acredito que o governo tema que tais alterações lhe retirem flexibilidade (política?) para lidar com a crise. Fico imaginando que talvez a presidente prefira ter uma amiga na presidência da Petrobrás (Graça Foster) que um(a) profissional com quem tivesse menos intimidade pessoal e política. Num momento de crise ela deve, eventualmente, se sentir mais segura. Trata-se de um terrível engano, a meu ver.

A Petrobras necessita ser protegida da sua própria crise. A empresa faz milhares de negócios por dia e tem de rolar um enorme endividamento. Além disso, sua base acionária, espalhada aqui e alhures requer elevado padrão de prestação de informações e confiança destas perante vastos públicos de investidores e credores, além da sociedade. Com efeito, se a Petrobrás continuar sem mudanças profundas, em breve, à crise atual se juntarão novas pressões de seus acionistas, credores, fornecedores, parceiros e, quiçá, até mesmo, seus funcionários. Se a presidente tomar a iniciativa e mudar radicalmente a gestão da empresa, dará um passo no sentido da solução estrutural dos problemas e evitará o espalhamento da crise em função de outras causas que não as denúncias de corrupção.

A crise da estatal chegou a tal patamar que já há especulações sobre o tamanho dos ajustes patrimoniais que serão necessários ser feitos nas demonstrações financeiras dos últimos anos. Comenta-se no mercado local e internacional em uma bagatela ao redor de US$ 10-12 bilhões. Um ajuste desta magnitude é razão de sobra para ações judiciais de várias naturezas e para complicações na gestão financeira da empresa. Melhor agir agora que esperar. Esta não tem sido a forma de proceder do governo. Talvez seja melhor rever seus conceitos sobre o tema.