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A tecnoempresariocracia avança em busca de reformas estruturais

terça-feira, 26 de julho de 2016

Atualizado em 25 de julho de 2016 13:37

Está cada dia mais claro que o governo do presidente Michel Temer ganha dinâmica em relação às melhores expectativas em relação à economia. Conforme estamos a afirmar nesse espaço há mais de três meses, a mera adição de estabilidade mínima do ponto de vista político daria melhores perspectivas econômicas. A queda brutal da atividade econômica no Brasil sofreu com peso redobrado os efeitos da crise institucional (aquela que se nega até hoje!) - de fato, o peso foi quadruplicado, de algo entre -0,5% a 1% de queda do PIB para os quase 4% no ano passado. Temer é sinal de estabilidade para os agentes econômicos que "formam a opinião" sobre os penosos temas da inflação, da finança pública e da taxa de câmbio, mesmo que seus números sejam tão sofríveis perante a opinião pública quanto os da era Dilma Rousseff. A diferença é que a presidente afastada é analfabeta funcional em matéria econômica e Temer é letrado em política congressual e, assim, sabe, para onde deve ir a economia por intuição e alguma convicção. Aliás, essa é a razão pela qual Dilma Rousseff foi defenestrada do governo - esqueçam pedalas fiscais e outras cositas más!

Doravante a tração da economia dependerá cada vez mais da reversão, digamos, "estrutural" das expectativas. Isso não apenas demandará mais tempo, mas sobretudo consistência e persistência governamental e vigilância da sociedade.

A manchete dessa segunda-feira (25/7/2016) do Valor Econômico ("Projeto Temer visa reformas, investimentos e empregos") é boa notícia. De um lado, espelha à plenitude o caráter tecnoempresariocrático do atual governo, conceito esse que desenvolvemos aqui em colunas precedentes. Os jornalistas do jornal Valor Rosângela Bittar e Thiago Resende relatam que o governo formulou cinco eixos de prioridades do ponto de vista (i) econômico (reequilíbrio fiscal, melhoria no ambiente de negócios (sic), reforma previdenciária e reforma trabalhista); (ii) o de infraestrutura (programas de concessões, privatizações e atração de investimentos); (iii) o Social e de Cidadania (pacto nacional pelo emprego, programa de fazer mais com menos na Saúde, salto de qualidade e gestão na educação, melhora nas políticas de transferência de renda); (iv) reconexão do Brasil com o mundo (gestão de crises, emergências e grandes eventos); (v) gestão pública (programa de modernização do Estado e programa nacional anticorrupção). Segundo o jornal, o ministro da Casa Civil Eliseu Padilha lideraria esses programas que o próprio considera um "mar e oportunidades" - um político à frente de um projeto como esse é bom sinal.

Temos de reconhecer que os programas lançados são necessários e é excelente que o governo se lance em busca de mudanças estruturais. Sempre haverá alguém que lembrará que esse programa não pode se concretizar em dois anos e pouco, o período que durará o governo Temer. De outro lado, esse argumento está vencido: alguém tem de começar a reformar para valer esse País do Futuro. É excelente que o governo se lance nessa tarefa.

É preciso que os agentes econômicos parem de desacreditar na possibilidade de que essas ações se tornem reais: ao invés de jogar pedras nas propostas está na hora das elites influenciarem o processo e fazerem prevalecer os melhores interesses do país. Ou seja, fazerem aquilo que eles mesmos cobram do próprio governo.

Críticas são necessárias a todos esses planos, é claro. O que não é possível é que existam vetos, arregimentados sob o argumento de que se tratam de delírios governamentais. Estes são perfeitamente passíveis de execução. O resto é a velha lamentação latino-americana, populista e medíocre. O Brasil precisa aumentar a sua competitividade via aumento de produtividade. Isso apenas ocorrerá se a produtividade do setor estatal crescer bem acima (pelo menos 2%) da produtividade privada (0,5%). Classicamente, a produtividade dos fatores econômico (PFE) é dada pela seguinte fórmula:

PFE= Y / (i.K + w.L) onde:

"Y" é o produto (cuja melhor aproximação é o PIB);

"K" são todos os fatores de produção, exceto "Trabalho", os quais são ponderados pela taxa de juros em termos reais (i) vigente;

"L" é o fator trabalho que é ponderado pelo salário real (w).

Notem que os cinco eixos de prioridade do governo focam no aumento de produtividade, especialmente na melhoria da infraestrutura (o que é correto). Do lado da taxa de juros, a sua redução depende sobremaneira da consistência da política fiscal (déficit primário suficiente para cobrir os custos de financiamento de dívida pública). Assim, a produtividade terá incremento "sistemático" (que incidirá sobre toda a economia, como no caso da taxa de juros) e "não-sistemático" (setorial, como no caso da infraestrutura o que se "espalha" dinamicamente sobre toda a economia ao longo do tempo).

Outro aspecto notável do ponto de vista estrutural é que no Brasil atual a população economicamente ativa cresce à taxa equivalente daquela que se aposenta ou se torna inapta ao trabalho. Logo, o "bônus laboral" que sempre contribuiu positivamente para o incremento da produtividade, agora é neutro. Em dez anos será negativo. A hora é essa, com efeito.

Do ponto de vista do Direito as transformações não serão menores. Vejamos.

O que ocorreu por força da Operação Lava Jato no direito penal - um inusitado paradigma doutrinário, jurisprudencial, normativo (notadamente a Lei Anticorrupção) e cultural (e.g. tratamento da mídia), acontecerá em outros ramos do direito. Haverá alterações brutais nas áreas do direito administrativo, societário, financeiro (especialmente no setor público), tributário e do trabalho. O surgimento de um novo direito do desenvolvimento (com a permissão de uso aquele criado pelo Prof. Carlos Ary Sundfeld) parece possibilidade concreta, mesmo que ainda existam substanciais dúvidas de que as mudanças propostas pelo governo sejam implementadas.

Do ponto de vista político, é preciso pressionar a classe política brasileira, predatória e infantilizada pelos interesses mais escusos que vão do nepotismo até a mais pura corrupção. Aqui também temos um paradigma a ser realizado e talvez seja o mais dificultoso: as elites tem de reduzir o gap que separa a Política (formal) e o Poder (real). Isso passa pela reforma política (desde o sistema eleitoral até a forma de se fazer campanha eleitoral). Esse gap terá como onda favorável o próprio processo de transformação econômica ao tempo e ao cabo de quando este estiver em curso - é possível que já estejamos nele e ainda não percebamos. Como "contra-onda" temos o papel das oligarquias políticas e econômicas as quais operam de forma ativa, mas subterrânea, bem como, os próprios interesses instalados dos atuais políticos acostados nas câmaras, assembleias estaduais e nas casas legislativas de Brasília.

Finalmente, está evidente que a tecnoempresariocracia do atual governo não dará ênfase substantiva nos temas sociais. Formalmente estes estão relacionados no "Plano Temer", mas há severas dúvidas se Temer engendrará mudanças nas áreas sociais que sejam sensíveis e aproveitáveis para o aumento da produtividade. A inexistência de detalhamento no seio do Governo sobre as áreas de educação e moradia, apenas para citar duas prioridades "sociais", é mau sinal. Vamos falar sobre o tema em outro artigo.