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Alemanha inicia flexibilização das medidas de contenção e já surgem decisões judiciais conflitantes a respeito

terça-feira, 28 de abril de 2020

Atualizado às 09:00

A Alemanha começa lentamente a afrouxar as medidas de combate ao novo coronavírus, que deu azo à adoção de rígidas medidas de emergência nos últimos meses.

Na semana passada, o governo da chanceler Angela Merkel anunciou ter acordado com os governos estaduais um plano prevendo as primeiras medidas de retorno à normalidade no país.

As medidas não serão adotadas uniformemente por todos os Estados, mas segundo as conveniências de cada cidade ou região.

As novas regras

Em princípio, as pessoas podem sair às ruas, mas observando a distância mínima de 1,5m para os demais. Apesar da liberação, o governo exorta veementemente as pessoas a permanecerem o máximo possível em casa.

Até 31/8/2020 estão proibidas grandes aglomerações como jogos, shows, festas populares e eventos, cabendo a cada estado regular as peculiaridades do caso.

O uso de máscaras não é obrigatório, isto é, não está sujeito a pena de multa ou detenção, consistindo em exortação do governo aos cidadãos. Isso vale principalmente para os transportes coletivos como metrôs, ônibus e bondes.

Os estabelecimentos vão abrir gradualmente.

Creches e escolas permanecem fechadas, em princípio, até 4/5/2020. Primeiro, devem reabrir as turmas mais adiantadas e apenas depois a das crianças menores. No Estado da Bavária, particularmente afetado pela pandemia, a previsão é de que as aulas retornem só em 11/5/2020.

Apenas estabelecimentos comerciais de no máximo 800 metros quadrados devem reabrir, desde que comprovem a capacidade de manter as regras de higiene exigidas pelo governo.

Independente do tamanho do local, podem voltar a funcionar as livrarias, lojas de bicicletas e concessionárias de veículos.

Mas bares, restaurantes e clubes permanecem fechados, o que tem suscitado acessas discussões acerca da legitimidade dos critérios adotados para permitir a reabertura1.

A discussão envolve principalmente os templos religiosos, que permanecem de portas fechadas aos fiéis, que só encontram consolo nas celebrações onlines oferecidas atualmente.

E a questão que se coloca é por que concessionárias devem voltar a funcionar, enquanto igrejas, sinagogas e mesquitas não, embora observem as regras de higiene e distancia mínima.

Isso representa, argumentam alguns, não sem razão, grave interferência no exercício do direito fundamental à liberdade religiosa dos cidadãos, que justamente nessa hora deveria ter mais peso que meros interesses patrimoniais dos fabricantes de automóveis.

Ainda permanecem sob estrito isolamento os abrigos de idosos e pessoas com deficiência, que precisam de proteção especial diante da covid-19. Para eles, o governo trabalha em um plano especial de reabertura, a fim de evitar o completo isolamento social das pessoas.

Por conta dessas regras, já começaram a pipocar no Judiciário pedidos liminares para reabertura de estabelecimentos comerciais, fechados pelas medidas governamentais de combate à pandemia de covid-19.

O caso de Bremen

A famosa loja de departamento Karstadt Sport e duas redes de restaurante entraram na Justiça questionando a constitucionalidade do decreto da Cidade Hanseática de Bremen de limitar a 800m2 a área máxima dos estabelecimentos comerciais autorizados a retomar o funcionamento.

Segundo as autoras, a medida é desproporcional e representa um tratamento discriminatório injustificável face aos grandes estabelecimentos comerciais, os quais podem melhor garantir a observância das medidas de proteção contra o contágio, principalmente determinações de higiene e distância entre o público no local.

Em contestação, o Poder Público afirmou que a limitação da área dos estabelecimentos justifica-se na medida em que é mais fácil para estabelecimentos menores observar as medidas de higiene no local e fiscalizar o cumprimento da distância mínima entre seus frequentadores.

Essa medida máxima (800m2) não é aleatória, mas utilizada no direito municipal para diferenciar os estabelecimentos grandes dos menores.

O Tribunal Administrativo (Oberverwaltungsgericht) de Bremen deu razão ao Poder Público.

Tratam-se dos processos OVG Bremen Az. 1 B 109/20, julgado em 22.4.2020 e Az. 1 B 107/2020, de 23.4.2020.

Segundo a Corte, a regra fixada é proporcional e justificada.

É bem verdade, disse o OVG Bremen, que as grandes lojas e estabelecimentos comerciais poderiam garantir a observância das medidas de proteção contra o coronavírus, mas ainda é preocupante os efeitos da reabertura sobre o trânsito de pessoas no local.

Diante do estágio atual de saúde pública, ainda é necessário limitar as possibilidades de contato físico entre as pessoas, o que facilmente ocorreria nas grandes lojas de departamento, como a Galeria Kastadt e os restaurantes que lá funcionam.

No caso dos restaurantes, mesmo a manutenção de considerável distância entre as mesas não seria uma medida plenamente adequada para impedir com segurança o contato - e o contágio - entre as pessoas, ressaltou o Tribunal.

O caso de Bayern

Ontem, entretanto, o Tribunal Administrativo (Verwaltungsgerichtshof) da Bavária chegou a conclusão diametralmente oposta à dos colegas de Bremen.

Trata-se do processo BayVGH Az. 20 NE 20.793, julgado em 27.4.2020.

O Tribunal considerou inconstitucional a regra que só permite a reabertura de estabelecimentos com, no máximo, 800m2.

Segundo a decisão, essa regra viola o tratamento isonômico garantido no art. 3, inc. 3 da Lei Fundamental (Grundgesetz), prejudicando desproporcionalmente as grandes lojas e restaurantes.

Isso ainda mais se justifica diante do fato de que essa regra não vale (inexplicavelmente) para concessionárias, lojas de bicicletas e livrarias.

Só nos resta agora aguardar as cenas dos próximos capítulos, pois os processos devem subir ao Bundesverwaltungsgericht, corte máxima da jurisdição administrativa, que fica localizado na histórica cidade de Leipzig.

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1 Das sind die aktuellen Corona-Regeln. Süddeutsche Zeitung, 15/4/2020.