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Pretérito mais-que-perfeito

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Atualizado em 3 de outubro de 2022 14:18

O leitor Rafael Leite Paulo envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas 

"Prezado José Maria, estou em disputa com uma colega de trabalho. Em suas peças, ela lança mão do pretérito mais-que-perfeito em toda oportunidade em que caberia a utilização do pretérito perfeito, tornado aquele regra e este exceção (utilizá-lo só diante da necessidade de sucessão de ações no passado). Questiono se essa é uma escolha estilística válida ou se há equívoco na utilização indiscriminada desse tempo verbal."

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1) Um leitor relata que uma colega de trabalho, em suas peças jurídicas, usa do pretérito mais-que-perfeito o tempo todo, nos lugares em que o normal seria empregar o pretérito perfeito. E indaga se essa é uma opção estilística válida, ou se há equívoco na utilização indiscriminada desse tempo verbal.

2) Em termos de fixação de premissas, observe-se que o pretérito perfeito indica uma ação terminada ("Fiz o trabalho"), enquanto o pretérito mais-que-perfeito aponta uma ação passada em relação ao próprio perfeito ("Quando ela chegou, eu já fizera [ou tinha feito] o trabalho".

3) Para Evanildo Bechara, em seu emprego clássico, o pretérito mais-que-perfeito "denota uma ação anterior a outra já passada"1, e isso se pode observar com facilidade em exemplo de autor inquestionável: "No dia seguinte, antes de me recitar nada, explicou-me o capitão que só por motivos graves abraçara a profissão marítima..." (Machado de Assis).

4) Em segunda possibilidade de emprego, o pretérito mais-que-perfeito pode, sem correlação com outra ação passada, denotar um fato vagamente situado no passado, como se dá no seguinte exemplo: "Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos" (Monteiro Lobato).

5) E, para o que interessa aqui, não há outra permissão para emprego do pretérito mais-que-perfeito.

6) Respondendo de modo mais direto ao leitor, pode-se dizer que, se não ocorre nenhum dos casos citados - (i) nem ação anterior a outra já passada, (ii) nem fato vagamente situado no passado, mesmo sem correlação com outra ação passada - , mas se lança mão do pretérito mais-que-perfeito como simples equivalente do pretérito perfeito, então o que há é um equívoco nesse indiscriminado emprego de tempo verbal.

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1 Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 275.