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O que ocorreu de bom em 2020

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Atualizado às 08:48

Quero aproveitar a minha última participação na coluna para rememorar alguns fatos relevantes no segmento da insolvência no ano de 2020.

A pandemia provocou pronta atuação do Conselho Nacional de Justiça, que, extrapolando sua função, imiscuiu-se em matéria jurisdicional, ao editar a Recomendação n. 63, declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em vários julgados da 1ª. Câmara Reservada de Direito Empresarial.

Outro efeito da pandemia foi a tentativa de introduzir no direito brasileiro um sistema de prevenção à insolvência, que, além de ter se mostrado inoportuno - não se previne uma crise já instalada pelos efeitos econômicos do combate à pandemia -, exigia prévia atuação jurisdicional para o início de uma negociação extrajudicial, colocando em risco a capacidade da organização judiciária para suportar o esperado aumento de demandas. O destino do PL 1397/20, após sua aprovação pela Câmara dos Deputados, foi o esquecimento pelo Senado Federal.

Em meio a pandemia, foi julgada apelação contra sentença que havia rejeitado pedido de falência ajuizado pela Fazenda Nacional em 2019, sob o fundamento de que o credor tributário deve se valer exclusivamente execução fiscal para o recebimento de seu crédito. O Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento à apelação e reconheceu que o credor tributário também pode requerer falência de contribuinte que não paga os tributos, não se dispõe a parcelar os valores devidos e não tem bens suficientes para garantir o juízo, usando a inadimplência tributária como vantagem competitiva ilícita  (apelação cível n. 1001975-61.2019.8.26.0491).

Outra decisão relevante nessa seara foi proferida pela Presidência do Supremo Tribunal Federal, ao deferir liminar na Reclamação 43.169, cassando decisão do Superior Tribunal de Justiça que havia dispensado do devedor em recuperação judicial a apresentação de certidão negativa de débitos tributários. Quem milita na área pode constatar que o STJ, ao firmar jurisprudência dispensando a CND e suspendendo atos constritivos em execuções fiscais contra recuperandas, não só colocou o Fisco em posição muito pior do que a legislação pretendia lhe assegurar, como criou um incentivo para os devedores deixarem de pagar os impostos correntes, e não só os anteriores ao pedido de recuperação judicial.

Não deve ser saudada apenas a decisão da Presidência do STF, por iniciar um movimento de superação da jurisprudência do STJ, mas igualmente a lei 13.988/20, que instituiu a transação de créditos de natureza tributário. O devedor passou a dispor de mecanismos para equacionar suas dívidas tributárias e não cabe mais a concessão de recuperação judicial sem a regularização do passivo fiscal, seja por meio do parcelamento ou da transação.

Por fim, registro a iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, que criou um comitê de enfrentamento da crise formada pelos juízes das varas de falência e recuperações judiciais da Comarca de São Paulo, e da 1ª. RAJ, cujo trabalho deu origem a três instrumentos de padronização de procedimentos realizados por administradores judiciais.

Com o propósito de conferir proteção aos credores e segurança às deliberações sobre o plano de recuperação judicial, foram estabelecidos os requisitos mínimos que os administradores judiciais possam realizar uma assembleia-geral de credores virtual (Comunicado CG n. 809/2020 - Processo 2020/76446, publicado no DOE em 24 de agosto de 2020).

Também foi recomendada a uniformização, pelos administradores judiciais, de suas manifestações no procedimento verificação de créditos, mediante o fornecimento de informações claras e objetivas nas correspondências enviadas aos credores, nos editais e nos pareceres acerca das habilitações, divergências e impugnações (Comunicado CG no. 876/2020 - Processo 2020/81417, publicado no DOE de 2 de setembro de 2020).

Com objetivo de permitir que o plano de recuperação efetivamente contenha informações adequadas sobre a situação econômico-financeira do devedor e acerca da origem dos recursos para pagamento de  todas as dívidas, privadas e fiscais, sugeriram à Corregedoria Geral da Justiça que passasse a ser adotado um relatório, a ser elaborado pelo Administrador Judicial.

Neste relatório, deve ser apresentado: a) resumo do laudo econômico-financeiro e do laudo de avaliação. Espera-se uma análise crítica do AJ quanto às premissas usadas pelo avaliador, ao valor de mercado dos ativos e à expectativa de faturamento da recuperanda com base em seu histórico; b) resumo dos meios de recuperação, com a indicação de como será realizado o pagamento de credores sujeitos ainda não contemplados no quadro de credores,  dos créditos fiscais e dos demais créditos não sujeitos à recuperação judicial, e se tal previsão de pagamento é compatível com o fluxo de caixa da recuperanda (cf. Comunicado CG nº 786/2020 - Processo nº 2020/75325, publicado no DOE de 20 de outubro de 2020).

Finalmente, destaco duas iniciativas da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, materializadas nos Provimentos 11 e 19, que buscaram introduzir mecanismos de solução extrajudicial à crise empresarial, com o auxílio da mediação, instrumento já utilizado em processos de recuperação judicial, com potencial de reduzir a assimetria de informações, permitir a negociação de planos mais equilibrados e reduzir a duração do processo, tornando-o mais eficiente.