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Das melhorias no procedimento de alienação de ativos pela lei 14.112/20

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:44

A falência é um instituto ainda muito estigmatizado na cultura jurídica brasileira. Há severa falta de objetividade para utilização do processo falimentar, o qual deveria funcionar como um rápido instrumento de liquidação de atividades empresariais malsucedidas, com a rápida alienação de seus ativos, sua pronta realocação em outras empresas e o pagamento dos credores na maior proporção possível, funcionando como importante recuperação de investimentos.

Embora a lei 11.101/2005 tenha trazido uma modernização ao instituto e mesmo diante do amadurecimento do sistema de insolvência pelo profícuo trabalho jurisprudencial das Cortes brasileiras, um dos grandes problemas enfrentados, ainda hoje, está relacionado à venda dos bens do falido.

A alienação de ativos arrecadados é ponto vital para a efetividade do processo falimentar. Importante que a alienação ocorra tão logo concluída a arrecadação dos bens, para a preservação de seu valor e, consequentemente, para permitir maior obtenção de recursos para pagamento dos credores.

Entretanto, mesmo com sensível alteração do sistema de alienação de ativos proposto pela redação original da lei 11.101/2005, na prática o procedimento tem se mostrado burocrático, mormente por discussões estéreis sobre o valor de avaliação do bem provocadas, em muitos casos, por falidos ou sócios da falida que assumem uma postura nada cooperativa com o procedimento.

Outro fator que impede o bom andamento dos trabalhos de venda é a consideração, equivocada, de possível espera na alienação para se aguardar melhores oportunidades de mercado, o que, na prática é de difícil ou impossível constatação, de modo a impedir a imediata realização dos bens para reversão de valores à massa falida. Isso porque alguns credores não possuem a devida compreensão da circunstância diferenciada de venda forçada de bens em processos judiciais, a qual não guarda similitude com as vendas de praxe do mercado comum.

Neste ponto, houve sensível avanço do texto proposto pela lei 14.112/2020, no sentido de permitir a discussão de valores dos bens objeto de futura arrematação com a imposição de limites que evitam o abuso processual, sem qualquer comprometimento com o contraditório das partes envolvidas.

Assim, o novo texto do art. 142 agora prevê:

Art. 142. A alienação de bens se dará por:

I - leilão eletrônico, presencial ou híbrido;

II - processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou plano de recuperação judicial, conforme o caso;

III - qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos desta Lei.

§ 1º A alienação de que trata o caput deste artigo:

I - dar-se-á levando em conta o caráter forçado da venda e a conjuntura do mercado no momento da venda, mesmo que desfavorável;

II - independe da consolidação do quadro geral de credores;

III - poderá contar com serviços de terceiros como consultores, corretores e leiloeiros;

IV - no caso de falência, deverá ocorrer no prazo máximo de cento e oitenta dias, a contar da data da lavratura do auto de arrecadação;

V - não estará sujeita à aplicação do conceito de preço vil.

§ 2º No leilão eletrônico ou presencial, aplicam-se, no que couber, as regras do Código de Processo Civil.

§ 3º A alienação por leilão eletrônico, presencial ou híbrido dar-se-á:

I - em primeira chamada, pelo valor mínimo de avaliação do bem;

II - em segunda chamada, dentro de quinze dias, contados da primeira, por no mínimo cinquenta por cento do valor de avaliação; e

III - em terceira chamada, dentro de quinze dias, contados da segunda, por qualquer preço.

§ 4º A alienação prevista nos incisos II e III do caput deste artigo, conforme disposições específicas desta Lei:

I - será aprovada pela assembleia-geral de credores; ou

II - decorrerá de disposição de plano de recuperação judicial aprovado;

III - deverá ser aprovada pelo Juiz, levando em conta a manifestação do administrador judicial e do Comitê de Credores, se existente.

§ 5º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público e as Fazendas Públicas serão intimados por meio eletrônico, sob pena de nulidade. § 6º Todas as formas de alienação de bens realizadas de acordo com esta Lei serão consideradas, para todos os fins e efeitos, alienações judiciais.

São sensíveis as mudanças no sistema atual.

De proêmio temos a alteração das formas de alienação, não havendo mais a previsão das propostas fechadas ou do pregão, este último dificilmente verificado na prática, para a vinda de um procedimento inominado a ser organizado por profissional especializado de mercado e que deverá observar os requisitos do parágrafo 4º.

Outro ponto louvável é a previsão do caráter forçado da venda, o que nem sempre é bem compreendido pelas partes. Muito bem ponderado o tema no agravo de autos nº 9064070-92.2008.8.26.0000 da relatoria do E. Desembargador Elliot Akel do Tribunal de Justiça de São Paulo, verbis:

(...) De qualquer modo, assinale-se que em hipótese como a dos autos não há propriamente perícia avaliatória, em que devam ser observadas as regras processuais atinentes à produção de prova técnica, mas estimativa dos bens arrecadados, que poderá ser repetida quando provado erro ou dolo do avaliador ou no caso de se verificar, posteriormente, que houve considerável diminuição do valor dos bens. Nova avaliação poderá, ainda, ser admitida, se houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem.

Como já decidido, "as avaliações judiciais são feitas para determinado fim (alienação de bens penhorados, em praça pública), que não coincide necessariamente com aqueles que levam os comerciantes a atuar no mercado, comprando e vendendo bens. Sempre existe uma diferença prejudicial ao executado. Vendendo-se as mesmas coisas no mercado, o resultado poderia ser melhor. Entretanto, o objeto da penhora é vendido em praça pública, em execução judicial, em condições diversas, nas quais os preços correntes no mercado nem sempre fornecem os parâmetros de valor aceitáveis no átrio do foro. Os compradores são outros e as regras são de um mercado específico. Não constitui isso nenhuma novidade" (Agravo de Instrumento nº 462 831/9, julg 12.11.90, 2ª Câmara, rel Juiz Senna (sic) Rebouças). (...)

A venda forçada no ambiente do processo judicial é diversa da venda comum do bem em seu regular e específico mercado de comercialização. Desse modo, não corresponde à realidade a expectativa de venda de bens em processo de falência como se fosse uma venda regular de mercado.

As circunstâncias são diversas e para uma melhor maximização dos ativos, é sempre melhor, sobretudo para perspectivas de recuperação de créditos pelos credores, que a venda seja realizada o quanto antes, tendo agora a lei previsto um prazo de 180 dias para ultimação das alienações contado a partir da lavratura do auto de arrecadação.

Nesse particular, também contribui para otimização do procedimento a vedação de aplicação do conceito de preço vil e da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil a fim de que a venda não seja obstada por uma discussão generalizada sobre a precificação de bens a qual é muitas vezes utilizada como expediente de procrastinação, na contramão dos objetivos da lei.

E para que não se alegue prejuízo ao contraditório, andou bem a alteração legislativa em readequar a forma pela qual haverá impugnação ao preço do bem objeto de alienação, que deverá estar acompanhada de oferta firme de aquisição em valor superior ao estabelecido para a venda além de depósito de caução equivalente a dez por cento do valor ofertado.

Por fim, na esteira de imposição de responsabilidade e acuidade no exercício do direito de ação, impôs a lei a caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça para a arguição infundada de vício na alienação, cujo escopo é coibir discussões processuais estéreis, as quais somente servem para tumultuar o processo, sem qualquer utilidade prática em relação aos objetivos da falência.

Enquanto não se firma uma jurisprudência sobre o abuso processual, a redução do espectro de discussão sobre determinados assuntos pode funcionar como importante instrumento para trazer objetividade à questões materiais e processuais, tal como, agora, consta do texto legal atinente à venda de bens em processos falimentares.

Esperamos que essas medidas proporcionem maior racionalidade na tramitação do procedimento de alienação de ativos do falido, contribuindo com a celeridade e a recuperação dos créditos investidos na atividade malsucedida.