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Reprodução não assistida

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Atualizado em 5 de fevereiro de 2021 13:34

A procriação medicamente assistida, em evolução constante e cada vez mais aperfeiçoada, vem superando vários desafios e marcando notáveis progressos na resolução dos problemas relacionados com a reprodução humana. O desenvolvimento acelerado das técnicas de reprodução assistida é tamanho que nem mesmo a legislação ordinária emite normas a respeito, com exceção do permissivo existente no artigo 1.597, incisos III, IV e V, do Código Civil. Daí que o vácuo existente é preenchido pelas resoluções do Conselho Federal de Medicina que estabelecem as normas éticas para a utilização das técnicas existentes, conforme se depreende da resolução  2.168/2017, do referido Conselho.

As técnicas existentes somente poderão ser utilizadas desde que exista a probabilidade de sucesso no procedimento, sem qualquer risco para a paciente e, principalmente, sem qualquer intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica, exceto quando for para evitar doenças no futuro descendente. O protocolo médico exige que os pacientes assinem o termo de consentimento esclarecido, demonstrando total concordância após a discussão bilateral entre as partes envolvidas. As perspectivas de sucesso foram se alastrando e provocaram um verdadeiro alargamento de acesso à gestação compreendendo agora as pessoas solteiras, pessoas em relacionamentos homoafetivos e a gestação compartilhada na união estável feminina. Para tanto foi editado o provimento 63/2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, que regulamentou o assento de nascimento de filho havido por técnicas de reprodução assistida.

No Brasil é expressiva a demanda para tratamento de infertilidade oferecido pelo SUS, que disponibiliza o serviço em poucos centros de saúde, obrigando os interessados a aguardarem longo período para o atendimento. Tal direito vem expressamente disposto no artigo 226, § 7º da Constituição Federal, que incumbe ao Estado propiciar recursos científicos para o cidadão atingir a procriação, como é o caso da reprodução assistida.

Ocorre, no entanto, que, em razão do alto custo operacional do procedimento médico, muitas pessoas desavisadas passaram a adotar os aconselhamentos das redes sociais para a realização da chamada inseminação artificial caseira, que consiste em buscar um doador de esperma, que não é anônimo e, em alguns casos, cobra determinada importância pela venda do sêmen. Faz-se a retirada do material que será coletado em um recipiente esterilizado ou até mesmo no preservativo e, em seguida, com o auxílio de uma seringa ou aplicador, realiza a inseminação na cavidade vaginal da mulher, que deverá estar no seu período fértil. Na realidade é um procedimento bem singelo, desprovido de qualquer técnica mais apurada, mas que poderá causar futuramente um imbróglio genético de difícil deslinde.

Tal prática é mais costumeira na união homoafetiva feminina, mas tem cabimento também nas demais situações. Por ser um procedimento paralelo, sem se ater às normas técnicas que regulamentam a matéria, muitos inconvenientes são apontados. No contato com o doador, por exemplo, será assinado um documento de isenção de qualquer responsabilidade futura dele com relação ao filho que for gerado, cláusula que, juridicamente, não irá produzir qualquer efeito em razão do princípio da paternidade responsável, pois, a qualquer tempo, poderá ser intentada ação de investigação de paternidade em seu desfavor, que contará com a conclusão do imbatível exame de DNA.

Também o doador não é submetido a exames específicos, com a finalidade de pesquisar eventuais doenças genéticas ou não, que possam ser transmitidas à mulher ou à prole (HIV, HTLV-I/II, Hepatite e outros), como sói acontecer na reprodução medicamente assistida.

O procedimento contraria frontalmente o disposto na lei 9.434/97, que proíbe qualquer comércio relacionado com o sangue, esperma e óvulo, considerados bens extra commercium.

O doador já é useiro e vezeiro em ceder seu sêmen e não há qualquer controle com relação às inseminações que vingaram, uma vez que seu nome não irá figurar no assento de nascimento da criança, contrariando o direito do infante de conhecer sua identidade genética e história biológica. Pode ocorrer que o responsável pelo sêmen tenha uma imensa prole na cidade onde reside e seus filhos, desconhecendo a filiação paterna, venham a se casar entre si. O Jornal Folha de São Paulo, em excelente trabalho, trouxe uma reportagem em que um doador de esperma tinha quase 200 filhos na Holanda e que uma clínica de esperma da Dinamarca envia material genético para mais de cem países.1

Nos casos de união homoafetiva feminina, a contrário do que recomenda a gestação compartilhada, o registro da criança será feito somente em nome da mulher que deu à luz, cabendo à companheira invocar a tutela jurisdicional para pleitear a adoção unilateral.

A questão abordada representa um nó de extrema complexidade para a concretização do projeto parental, pois foge de todo e qualquer protocolo médico recomendado. Não deve ser apreciada unicamente pelo lado pessoal, para satisfazer uma determinada pretensão, mas deve ser avaliada diante da difusa dimensão pública e também da defesa inconteste dos direitos à saúde da genitora e do nascituro na constituição de uma nova forma de familiaridade.

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