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Guardanapo democrático

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Atualizado em 3 de dezembro de 2010 14:36

Em uma de suas crônicas, João do Rio disse que o guardanapo do garçom carioca era um guardanapo democrático. O nome da crônica é "O guardanapo Carioca". O grande cronista das cenas cariocas do início do século passado dessa feita fixou-se no guardanapo, que, no seu dizer, é o "guarda de honra da alimentação das casas de pasto".

Com sua extraordinária verve, Paulo Barreto (João do Rio) conseguiu, mais uma vez, escrever sobre um fato insignificante, que não mereceria a atenção de um jornalista, um literato ou mesmo de um cronista. Dizer o que a respeito de um pedaço de pano ou de papel, cuja utilidade limita-se à higiene dos lábios? Por vezes limpa uma mancha na gola do paletó, na gravata. Raramente, mas acontece, sua utilidade sofre uns desvios e ele é usado para dar brilho aos sapatos do freguês; limpar a boca do garçom que furtou um naco do prato do cliente, ou se dá a ele qualquer outra serventia menos normal.

No entanto, ao ler João do Rio passei a entender o tema guardanapo como perfeitamente adequado a uma crônica. O escritor, em um restaurante carioca, dialoga com um guardanapo, que procura demonstrar-lhe a sua natureza democrática e o relevante papel social que desempenha.

Realmente, o guardanapo da crônica é democrático e se considera um democrata, pois ele é único. Ou melhor, ele é o único que serve o dia todo a todos. E esclarece ser o único porque seria uma loucura, com o preço das lavanderias, ter um guardanapo para cada cliente. Por tais razões acha-se "incomparável, o incomparável guardanapo carioca".

Embora distante no tempo, cabe um veemente protesto à afirmação do guardanapo de João do Rio, no sentido de ser ele incomparável. Não, ele não o é. Eu conheci um igualmente democrático. E, era paulista. Paulista de quatrocentos anos. Habitava a Rua Benjamin Constant, especificamente um restaurante onde se comia sardinha frita e se tomava cerveja casco azul, magistralmente gelada em uma geladeira antiga, ou era um frízer? Não me lembro, de aço, ou era de alumino?

Falhas de memória à parte, a sardinha era estupenda. Daquelas portuguesas de autenticidade induvidosa. Será? Pouco importa. Eram dignas de ininterruptas homenagens, por parte dos fregueses que as comiam sem intervalos. Assim, as homenageavam. Em verdade, entendo que o guardanapo paulista era mais democrático do que o carioca. Ele não dependia do garçom. Não era por ele levado de mesa em mesa. Passava de mesa em mesa pelas mãos do povo. O povo era os fregueses, que exerciam o poder soberano sobre ele, sem intermediação do garçom. Democracia direta. Cada um que o usava, passava ao outro. E, assim havia plena isonomia na sua utilização. Todo poder era do povo e para o povo. Esqueci de dizer que as sardinhas eram comidas com a mão, fato que mais realçava a importância desse indispensável instrumento de higiene...