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Sociedades empresárias e associações sem fins lucrativos: as vias de direito para organização do futebol

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Atualizado em 5 de abril de 2016 12:20

A ideologia impede o desenvolvimento do futebol no Brasil.

Os puristas ainda clamam pelo retorno de um jogo que ficou em suas memórias - ou nas velhas transmissões desbotadas, com jogadores vestindo mantos sem qualquer indicação empresarial. Por outro lado, reforçam-se os gritos de abertura do esporte para investimentos, como forma de resgate do tempo perdido.

Para se chegar ao melhor modelo para o futebol brasileiro - que se fixará com uma regulação estatal visando à criação de um mercado próprio -, e o encontro de um ponto de equilíbrio, conforme as tradições e as necessidades locais, deve-se, antes, compreender a nova ordem.

O modelo associativo, sem fins lucrativos, gerido por pessoas qualificadas em suas áreas de atuação, mas amadoras no segmento futebolístico - e, por isso, impedidas de receber qualquer remuneração - foi superado, com raras exceções, nos atuais centros mais desenvolvidos, por modelos que contemplam alguma forma de relação com o mercado.

Vejam-se algumas variações.

A estrutura do Bayern de Munique indica a separação do clube amador da atividade econômica do futebol, com a criação de uma sociedade empresária (empresa) e a atração de investidores. A composição acionária desta sociedade é a seguinte:

FC Bayern Munchen eV

75%

Adidas

8,33%

Audi Ag

8,33%

Allianz Se - 8,33%

8,33%

-

100%

O principal time francês da atualidade, o Paris St. Germain (PSG), segue um modelo mais agudo: inexiste relação ou participação de alguma associação ou mesmo de alguma pessoa, física ou jurídica, francesa. Trata-se de uma empresa, cujo capital foi integralmente adquirido, em 2012, pelo Qatar Sports Investments, operado pelo Fundo Soberano do Qatar.

Um terceiro modelo, que se espalha nos principais centros de prática do esporte, inclusive na América Latina, expõe a decisão de abertura efetiva ao mercado, oferecendo-se ações à negociação em bolsa de valores. Nestes casos, geralmente, o clube constitui uma sociedade empresária com ativos do futebol e, na sequência, delibera a abertura do seu capital. Arsenal, Borussia Dortmund, AS Roma, Juventus, Sporting e Porto seguiram este caminho. Na América Latina, listam-se Colo-Colo, Universidad Católica e Universidad de Chile.

A participação que o clube detém da companhia aberta, com ações negociadas em bolsa, depende do interesse, das necessidades e da estrutura de governação pretendidos pelo próprio clube, no ato de abertura. O modelo é estabelecido, portanto, de modo casuístico. Veja-se, a propósito, a estrutura acionária do Borussia Dortmund, em 30 de junho de 20151:

Evonik Industries AG

14,78%

Bernd Geske

8,8%

Ballspielverein Borussia 09 e.V. Dortmund

5,53%

SIGNAL IDUNA

5,43%

PUMA SE

5%

Free float2

60,46%

-

100%

Na contramão desses modelos, citam-se os casos de Barcelona e Real Madrid, fieis às suas históricas naturezas associativas clubísticas.

De todo modo, qualquer seja a forma jurídica adotada, o país, e a tradição da prática do jogo, um elemento comum se destaca em todos os exemplos mencionados: a capacidade de atração de recursos e de geração de receitas, por meio de modernos e sofisticados sistemas de governação.

Conforme números de 2014, o Real Madrid faturou 549,3 milhões de euros e o Barcelona 484,6 milhões de euros. Na Alemanha, Bayern faturou 528,7 milhões de euros e Borussia Dortmund 261,5 milhões de euros. O PSG arrecadou 474,2 milhões de euros no mesmo período3.

Enquanto isso, no Brasil, terra do futebol, o Estado ainda não foi capaz de prover uma via de direito que incentive a passagem do modelo amadorista para o de mercado. E que estimule a implantação de uma governança compassada com os tempos modernos.

O resultado dessa política (ou ausência dela) é revelador: em 2014, o maior clube brasileiro em receitas, o Flamengo, ocupava a 40ª posição no cenário mundial, com 101,4 milhões de euros, seguido por Corinthians, na 47ª, com 67,3 milhões de euros, e pelo São Paulo, na 49ª, com 65,8 milhões de euros. As três potências nacionais foram superadas por times sem expressão ou provenientes de países menos tradicionais como: Cardiff City, Hull City, Fenerbach, Sunderland, Olympique de Marselha, Copenhagen e Napoli4.

Aliás, note-se que o faturamento agregado dos três os colocaria numa decepcionante 12ª posição mundial, atrás, os 3 juntos, de Borussia, Juventus, Liverpool, Arsenal, Chelsea, Manchester City, PSG, Barcelona, Bayern, Manchester United e Real Madrid.

Alguns motivos justificam essa situação. Do ponto de vista regulatório, todas as tentativas, desde a Lei Zico, passando pela Lei Pelé e chegando ao recente Profut, naufragaram pela aridez material. E vaticinam, desafortunadamente, a carência de uma moldura regulatória indutora da formação de um pujante mercado do futebol, arquitetado para atrair recursos para emprego nesta atividade esportiva que é, sim, a preferência nacional.

Emerge aí, portanto, o caminho para solução do problema: a criação de um mercado, com regulação própria, que preserve o jogo de bola como bem cultural e patrimônio do brasileiro, mas que o estimule e o reconheça como fenomenal bem econômico. E, também, a instituição da sociedade anônima futebolística, instrumento essencial para atuação nesse mercado.

__________

1 Cf.www.equitystory.com/.../borussia/.../BVBGB2015_ENG_net_RZs.pdf; acesso em 15/3/2016.

2 Conceito de free float: "todas as ações emitidas pela companhia, excetuadas as ações detidas pelo acionista controlador, por pessoas a ele vinculadas, por administradores da companhia, e aquelas em tesouraria".
3 Cf. Capelo, Rodrigo. Receitas do Futebol. Como 150 Clubes Arrecadam Dinheiro.
4 Idem.