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Senado com a bola, na cara do gol

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Atualizado às 09:13

De Brasília, chegam notícias dando conta de que o Senado Federal deverá, enfim, votar, no começo do mês de novembro, o novo marco regulatório do futebol, que compreende a convergência dos PL 5.082/2016 (relatado pelo deputado Federal Pedro Paulo - DEM/RJ) e 5.516/2019 (de autoria do senador da República Rodrigo Pacheco - DEM/MG), que cria uma série de condições favoráveis para que os clubes de futebol do Brasil possam, se assim o quiserem, optar pela constituição de companhias para gerir as atividades do futebol profissional.

A torcida composta por aqueles que querem a evolução do futebol brasileiro, a melhoria das nossas competições, que os nossos times voltem a se colocar no mesmo patamar dos principais times europeus, mantendo por aqui, por mais tempo, nossos melhores jogadores e que nossas crianças voltem a passear usando as camisas dos nossos times, está em pé nas arquibancadas, ansiosa para soltar o grito de gol.

O tema da criação de um ambiente favorável à constituição de empresas para gerir o futebol profissional foi trazido ao Congresso Nacional em 2016, quando o então deputado Federal Otávio Leite propôs a versão original do PL 5.082/2016.

Tal iniciativa colocou a questão relacionada ao modelo societário na pauta dos debates sobre o que podemos fazer em prol da evolução do nosso futebol. A pergunta: "por que nossos clubes ainda se mantêm no modelo antigo das associações, como quando foram fundados no começo do século XX, e de que maneira isso atrapalha o desenvolvimento do esporte no Brasil?" passou a ser feita e respondida nos mais diversos fóruns.

De um lado, o modelo associativo, remanescente do século passado, com suas disputas políticas resolvidas por uma elite de associados, estando o torcedor, que gera as receitas que mantêm os clubes a duras penas, absolutamente excluído das decisões mais relevantes, em detrimento de um modelo que incentiva a eterna disputa entre "grupos e partidos" políticos dos clubes, que só gera ambiente de constante instabilidade, falta de critérios técnicos nas nomeações de dirigentes e, no mais das vezes, cenário caótico e imprevisível, afastando investidores que poderiam estar interessados em aportar recursos no futebol.

De outro, a possibilidade de gestão moderna, empresarial, com a adoção de critérios de governança e capacitação técnica na distribuição das funções diretivas, com a obrigação dos gestores de entregarem resultados objetivos e prestarem satisfação aos acionistas - a aos torcedores -, com projetos seguros e de longo prazo, além da possibilidade de inserção dos torcedores nos processos internos, por meio de oferta pública de ações.

Fácil escolher, não? Não necessariamente. Em especial, quando aqueles poucos que exercem o poder em alguns dos nossos clubes se aferram, com unhas e dentes, à tentativa de manter seus status. A defesa do grande adversário do futebol brasileiro ainda reúne suas últimas energias para se articular de modo a tentar repelir o ataque do time da profissionalização, da modernização, da evolução das nossas instituições centenárias.

E tudo isso com um componente fundamental: em nenhum momento, o novo marco impõe, ou obriga, qualquer clube a adotar o modelo empresarial. De modo que fica absolutamente claro que quem resiste à sua promulgação quer impor ou obrigar nossos clubes a permanecerem reféns do modelo associativo atual, que é excludente, obsoleto e limitado. Defende-se, assim, verdadeira ditadura do associativismo.

Não custa lembrar: como resultado da mera proposição do Projeto de Lei 5.082/2016 e dos debates que dela resultaram, surgiram movimentos de modernização da gestão em diversos clubes. Isso já é um mérito de per si. Mesmo sem um ambiente favorável, (poucos) dirigentes visionários, que ousaram sair do lugar comum, passaram a considerar a possibilidade da constituição de empresas para gestão do futebol profissional como instrumento de melhoria das condições de seus clubes.

De 2016 para cá, nasceram alguns clubes-empresa, com casos de sucesso em sua maioria, como acontece em qualquer segmento de mercado. Ano passado, um clube-empresa venceu a Série B e ascendeu para Série A do Campeonato Brasileiro. E outro parece estar próximo de repetir o feito, liderando a Série B deste ano.

Foi em 2019 que o Projeto de Lei 5.082/2016 ganhou dois impulsos fundamentais: um, quando o deputado Pedro Paulo resolveu adotar a causa como uma das prioridades de seu mandato e conseguiu, em novembro daquele ano, a aprovação do seu Substitutivo na Câmara dos Deputados, com ampla maioria. Então, o tema seguiu para o Senado, onde tramita hoje, em vias de convergir com outro PL, de autoria do senador Rodrigo Pacheco; responsável, aliás, pelo outro impulso, ao apresentar ao Senado Federal, em outubro do mesmo ano, o mencionado PL 5.516/19, que propõe a criação do novo sistema do futebol brasileiro, mediante a tipificação da sociedade anônima do futebol - SAF, o estabelecimento de normas sobre governança, controle e transparência, e a instituição de meios de financiamento da atividade futebolística.

A convergência dos dois projetos resultará na alternativa viável que estará pronta para ser levada a plenário nos próximos dias. Os congressistas que participarem do processo de aprovação poderão se orgulhar do bem que farão ao nosso futebol, patrimônio cultural da Nação, e ao país.

O que está em jogo, pois, é a definição, pela sociedade brasileira, por seus representantes, sobre o futuro do futebol: em outras palavras, se o futebol brasileiro, com sua capacidade de atrair centenas de milhões de torcedores e revelar os jogadores mais talentosos do Mundo, perderá (mais essa) oportunidade de receber investimentos, em favor de times europeus com muito menos tradição, menos torcedores e sediados em países com mercados consumidores muito menores que o nosso. Falta ao Brasil o marco regulatório que traga segurança ao investidor, o que eles lá na Europa já têm há alguns anos.

O Senado Federal pode fazer o gol que nos recolocará no jogo: aprovar o PL 5.082/2016, com a emenda resultante da convergência com o PL 5.516/2019, a tempo e modo de garantir a possibilidade do nosso futebol receber investimentos que, atualmente, se concentram em países europeus.

Tudo indica que deve acontecer nos próximos dias. Por aqui, seguimos ansiosos e esperando a rede balançar, para "correr pro abraço".